sexta-feira, 28 de maio de 2010

OS IGNORADOS

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Falo-vos da África dos matos sem fim,
Dos ecos perdidos no capim,
Das picadas vermelhas mas livres,
Tão livres como a liberdade.
Em cada curva uma palmeira,
Em cada lugar uma saudade,
Em cada sorriso uma clareira
De brancura e de amizade.

Falo-vos das noites de encantamento,
Das queimadas para lá do pensamento,
Da lua a beijar a baía de Pemba,
Do batuque e das esteiras na temba
Onde o meu corpo se satisfazia
Em outro corpo que, depois, dizia:
« São cinco quinhentas, patrão! »
E eu, cá dentro, aqui onde bate o coração,
Nem sei o que sentia.
Só sei que, depois, voltava
Com mais quinhentas na mão,
Roído pelo tédio e a solidão.

Falo-vos dos poemas proibidos,
Alguns esquecidos,
Outros lembrados
E agora publicados.

Falo-vos dos loucos a berrarem no entardecer,
Das sentinelas a dispararem para a escuridão
Com o medo aos saltos, na indecisão
Da manhã que não se sabe se vai nascer.

Falo-vos dos rios em que lavei o rosto,
Matei a sede ao sol- posto,
Gritei que não queria a guerra,
Mas não desertaria da minha terra.

Falo-vos da África onde não voltarei
Para matar a fome das minhas recordações,
Abraçar os irmãos que deixei
E lamber as feridas de todas as desilusões.

Falo-vos da África dos nossos soldados,
Dos seus sorrisos e dos seus abraços,
Uns, já mortos, outros, vivos-despedaçados,
Mas, todos eles, ignorados.

- Por M. Nogueira Borges in Lagar da Memória.
  • Outros textos de Manuel Coutinho Nogueira Borges neste blogue!

quinta-feira, 27 de maio de 2010

CARTA AO PRESIDENTE DA DIRECÇÃO DOS BOMBEIROS

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Ex.mo Senhor
Dr. José Alfredo Almeida,

Os meus cumprimentos e as minhas saudações.
Quase dá a impressão de que estou a dirigir-me, em simultâneo, a duas pessoas diferentes, ao activo presidente da Direcção dos Bombeiros da Régua e ao amigo Dr. José Alfredo Almeida. Na verdade, a mesma pessoa congrega e une as duas personagens.

No entanto, o importante não está em destrinçar a união ou a separação das duas personagens, está sim no que o caro amigo tem vindo a fazer, há cerca de dois anos, para com a Associação Humanitária dos Bombeiros do Peso da Régua. Refiro-me à divulgação de dados históricos da associação reguense, no jornal local “O Arrais”.

Infere-se das suas peças jornalísticas que o senhor dispõe de numerosos baús de fotografias da associação. Em momentos de descontracção laboral, repassa vagarosamente esse acervo fotográfico, até que algumas unidades lhe despertam a atenção, pela recordação das pessoas, pela observação das viaturas, pela consideração das actividades registadas…sabe-se lá, por qualquer pormenor que o faz magicar sobre o passado da nossa associação, principalmente, em comparação com a realidade do presente. Infere-se também que, a partir das fotografias, o amigo é conduzido para e por outros registos dos Bombeiros da Régua. Magica, compara e vai confiando ao papel o fruto das sua meditações, do seu deleite, talvez do seu devaneio, vindo a construir aquelas dezenas de publicações que já fez – e por certo continuará a fazer – a respeito dos Bombeiros da Régua.

Da minha parte, considero este trabalho altamente meritório. Propor-se alguém escrever a história dos Bombeiros da Régua afigura-se como projecto empolgante, mas capaz de não passar de pretensão a mais, voo demasiado arrojado. Aliás começamos, logo, por nos defrontar com a questão de saber o que se pretende com aquele enunciado e até o que se entende por “história” e pelos “protagonistas da “história”. Sem ruído, o meu amigo tem vindo a fazer um trabalho muito importante, que consiste em associar elementos dispersos, a primeira associação dos elementos mais dispersos do percurso desenhado pela associação dos bombeiros que dirige. Modernamente, poderá alguém usar a expressão “partir pedra” para caracterizar o seu trabalho. Confesso que não gosto dessa expressão, mormente aplicada no presente contexto, uma vez que a pedra partida fica toda separada, quando antes de partida formava um só bloco maciço e sólido; depois de partida, apresenta-se desaglutinada, em múltiplos pedaços. Ora, o seu trabalho tem operado exactamente o contrário: tem procurado pacientemente os pedaços dispersos do palmilhar dos homens da sua associação – tantas vezes parecendo desconexos – e tem-nos aglutinado em peças coerentes, com sentido, autênticos painéis prefabricados que, a qualquer momento, podem ser utilizados no fabrico duma “casa de campo”.

Considero que está a organizar a primeira etapa duma inevitável futura História dos Bombeiros do Peso da Régua e confio que aperfeiçoará o trabalho em execução, dando-lhe um mínimo de organização e autenticidade, de modo a constituir, verdadeiramente, o tal primeiro passo de envergadura global, que acima referi.

Já que tem tido em mãos as memórias do passado, registadas em fotografias e em textos, permita-me a ousadia de lhe pedir que tome medidas de preservação de todos esses documentos. Não os deixe perder. Proteja-os numa estante arquivo, que, só por si, venha a ser capaz de obrigar a pensar duas vezes a alguém que se disponha a estender a mão assassina para os destruir, a pretexto de que já não fazem falta nenhuma.

Por outro lado, também é importante cuidar dos documentos que o presente vai gerando, tanto fotografias como textos. Muito rapidamente, o presente se transforma em passado. Não podemos esquecer que somos portugueses, consequentemente, desordenados, descuidados e pretensos facilitadores das coisas difíceis, com a desculpa sempre pronta, na miragem de que ela resolverá os problemas, os azares e os fracassos. Sabe muito bem que os problemas se resolvem com conhecimento, trabalho e organização.

Na sua crónica de 1/4/2010, "Viagem Inesquecível a Chaves", o amigo socorre-se da curta legenda que descobre no invólucro das cinco fotografias que registam o acontecimento, mas sente-se que queria saber mais, que fica insatisfeito com a informação obtida. Esta circunstância insignificante não poderá dar origem a um processo de tratamento do material produzido actualmente, de modo que não se limite à satisfação de meras curiosidades, no futuro, mas antes adquira o valor e a força de autêntico documento para os vindouros? Legendar, com algum pormenor, cada fotografia, no verso, talvez mantenha visíveis todas as pontas da meada, que permitam, mais tarde, urdir consistentemente, o tecido histórico da associação dos Bombeiros Voluntários do Peso da Régua, durante os seus gloriosos cento e trinta anos de existência?

Espero que as dificuldades de encontrar novidades, todas as semanas, a justificar nova crónica, não façam nascer o desânimo, nem tão pouco, possíveis incompreensões e oposições, ou criticas, ao trabalho que vem desenvolvendo. Isso são labirintos por onde tem que passar quem faz alguma coisa. O amigo está a fazer, nos Bombeiros, um trabalho que seria extremamente útil fazer em todas as instituições do concelho, o que viria, então sim, permitir e obrigar à organização duma verdadeira História do Concelho do Peso da Régua.

Na esperança de que as reflexões que acabo de lhe confiar não sejam mal interpretadas, mas antes, constituam um pequeno contributo para o registo das memórias dos Bombeiros reguenses, subscrevo-me com consideração e estima

Damas da Silva - Maio de 2010.
- Colaboração de JAAlmeida, Peso da Régua, Maio de 2010