quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

O último discurso do Comandante Cardoso

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Durante a sessão solene do 119º aniversário da AHBV do Peso da Régua, que ocorreu no dia 28 de Novembro de 1999, o Comandante Cardoso (1959-1990) recebia a condecoração máxima da Liga dos Bombeiros Portugueses, o Crachá de Ouro.

A estrutura nacional dos bombeiros portugueses reconhecia-lhe o mérito pessoal e profissional, ao longo de 31 anos ao comando dos bombeiros da Régua, depois de ter recebido a Medalha de Prata de Mérito Municipal, em 1984, na passagem dos seus 25 anos de serviço nos bombeiros reguenses.

Na sua homenagem de despedida, com a passagem ao quadro de honra, realizada em 1990, o Eng. Álvaro Mota, propôs à Câmara Municipal a que presidia a atribuição da Medalha de Honra da Régua. Por razões que ninguém entendeu, essa distinção foi-lhe negada pela maioria dos vereadores. Perdiam a oportunidade de agradecer a um homem que tanto serviu e honrou a terra onde nasceu, trabalhou, viveu e veio a morreu.

Num artigo de opinião, o Dr. Alcides Sequeira registou a flagrante injustiça dos políticos para com o Comandante Cardoso. Era esse o sentimento de quem conhecia o lamentável sucedido, até hoje nunca corrigido. Observava e lamentava esta incompreensão, dizendo que o Comandante Cardoso teve uma homenagem merecida mas incompleta, por esta simples razão: “se a população da Régua soube agradecer-lhe os seus desinteressados serviços, a Câmara Municipal não correspondeu do mesmo modo”.

Enaltecia-lhe o ilustre causídico o seu carácter humano desta maneira: “Há homens e …homens! Há homens que olham predominante para a sua própria pessoa. São egoístas, os narcisados, aqueles que se revêem nos seus méritos, mas que os não têm e, por isso, são considerados seres …inferiores.

Há, porém, homens que só se sentem bem a praticar o bem, que trabalham para todos os outros homens, com dedicação e com o intuito de serem úteis ao corpo social em que se integram!

E quando o trabalho deles é gratuito, este desapego deixa de ser dedicação para passar a ser devoção.

Está neste último caso Carlos Cardoso dos Santos, o ex-comandante da benemérita Corporação dos Bombeiros Voluntários da Régua!”.

A ele, o caso, nem o afectou nem o diminuiu perante os seus concidadãos, que continuaram a reconhecê-lo como um homem de raras qualidades, que não trabalhou para homenagens ou benesses. Sem nunca o ouvirmos queixar-se, a desconsideração entristeceu-o. A sua vida tinha sido dedicada aos bombeiros por paixão. A simplicidade e a modéstia foram uma constante na sua vida, orientada por altos valores morais. Sabia que tinha cumprido uma missão com altruísmo. Os afectos da esposa, D. Cândida Cunha, dos familiares mais próximos e dos velhos amigos deram-lhe sempre força para viver e ser feliz.

A atribuição do Crachá de Ouro foi uma proposta da direcção presidida por José Alfredo Almeida (1998) e do comando. Mereceu o apoio incondicional de Rodrigo Félix, também seu amigo e admirador, presidente da direcção da Federação dos Bombeiros de Vila Real, que considerava o Comandante Cardoso como um dos melhores do seu tempo.

Com regozijo pela notícia da atribuição desta condecoração, o Dr. Camilo de Araújo Correia numa crónica intitulada “Um dia, nome de rua”, publicada no “Jornal de Matosinhos”, em 17 de Março de 2000, reconhecia-lhe os elevados méritos e concedia-lhe um magnífico louvor:

“A notícia da atribuição do Crachá de Ouro ao Comandante Carlos Cardoso dos Santos, por parte do Conselho Executivo da Liga dos Bombeiros Portugueses, não me surpreendeu. Teve, sim, o condão de me comover, ao ponto de cerrar os olhos por uns instantes. Instantes que chegaram para recordar 45 anos de amistosa relação com o Senhor Carlos Cardoso dos Santos.

(…)

Não conheci tão de perto o mérito do senhor Carlos Cardoso dos Santos, como devotado Comandante dos Voluntários da Régua. Mas como reguense, atento e orgulhoso dos seus Bombeiros, posso testemunhar que nunca a nossa Corporação conheceu tão áureo período de eficiência, disciplina, diplomacia e expressão humanitária.

A Liga dos Bombeiros Portugueses deixa na honrosa farda do senhor Carlos Cardoso dos Santos um crachá de ouro. Cada reguense, ao abraçá-lo, lhe deixa no peito um crachá de fraternidade e gratidão”.

Este testemunho insuspeito, por sinal de alguém que também foi presidente de direcção da associação, revela o valor do Comandante Cardoso. Conhecemos, por estes e mais depoimentos, o que tantos pensaram sobre ele. Só que pouco sabemos do que ele próprio pensou desta sua missão. Assim, como temos em mão o seu discurso manuscrito que leu na cerimónia a agradecer a distinção da Liga dos Bombeiros Portugueses, faz todo o sentido transcrevê-lo na íntegra:

“Cerca de dez anos volvidos depois da minha passagem ao quadro honorário do Corpo de Bombeiros desta Associação, sou surpreendido com a atribuição do mais alto galardão que a Liga dos Bombeiros Portugueses concede aos homens e mulheres merecedores de tal distinção.

Mas a mim, velho comandante que serviu activamente mais de 30 anos, nunca considerei a Liga devedora desta insígnia.

Quem me conhece, sabe que nos diversos cargos que desempenhei em instituições da nossa terra, nunca procurei obter homenagens ou benesses. Tive sempre a preocupação de me referir no plural às realizações levadas a cabo por essas instituições. Parece-me que nunca disse: eu, só pelo facto de ser comandante ou ser presidente. Tinha cuidado de sempre dizer: nós.

Mas aconteceu que durante o meu comando se passaram factos que serão eternos marcos no historial dos bombeiros da Régua e projectaram a associação por este país fora.

Iniciou-se o reequipamento do Corpo Activo, realizou-se a ampliação do quartel-sede, construiu-se um bairro de 36 habitações, celebrou-se com brilhantismo o centenário da fundação da Associação e a Régua foi sede do 24º Congresso Nacional dos Bombeiros Portugueses, onde se tomaram decisões que se repercutiram nos congressos seguintes.

No mês de Setembro de 1980, a Régua foi o centro das atenções do país, com o decurso de quatro dias festivos e onde se realizou uma das maiores concentrações de bombeiros de Portugal.

Até no aspecto operacional surgem no meu comando duas periódicas catástrofes que mau grado todos os esforços oficiais envolvidos ainda não se conseguiram debelar: as cheias no rio Douro e os fogos florestais.

As cheias iniciam-se, com a maior até ao presente, em 1962. A última aconteceu em 1990. Até quando?

Os fogos florestais começam também a deflagrar naquela data. A acção dos bombeiros não se poupa a sacrifícios – até de vidas – e o governo equipa o melhor possível os respectivos corpos de bombeiros mas a luta tem sido desigual. Quando terminará este flagelo?

Em todos os factos que referi fui constantemente parte activa na sua organização e execução e foi sempre minha, com a colaboração dos mais graduados, a direcção de todas as acções dos nossos gloriosos e heróicos bombeiros.

Cumpri dentro das minhas capacidades uma missão que arrebata e empolga quem a desempenha. Testemunho desta afirmação são estes homens bombeiros aqui presentes que se transformam, ao frémito da sirene ao seu chamamento, acorrem céleres e ansiosos no seu cem por um, segundo lhes ocorrer o perigo a que poderão ser sujeitos para salvar.

Como afirmei, a Liga dos Bombeiros Portugueses nada me devia. Nem tão pouco a nossa Associação. Desempenhei funções. Cumpri e quando a idade e motivos de saúde me aconselharam, solicitei passagem ao quadro honorário. Venci a dor deste gesto, mantinha a saudade serena, que está a ser acordada dolorosamente com a concessão deste galardão.

Não vou cometer a estultícia de o recusar agora, porque, apesar de tantas e gratas recordações que desperta, é para mim uma grande honra e motivo de orgulho ser possuidor desta bela insígnia.

Muito obrigado. Vivam os bombeiros da Régua”.

O Comandante Cardoso entendeu não escrever as suas memórias. Se o fizesse ter-nos-ia legado informações preciosas de três décadas de história da Associação e do Corpo de Bombeiros, essenciais para se compreender a vocação do voluntário na Régua, os planos de reequipamento com material e carros de socorro, os apoios dos beneméritos, os modelos de formação e a evolução do movimento associativo e da estrutura operacional.

Apenas deixou escrito este testemunho, um resumido balanço dos objectivos conseguidos nos seus anos de comando. Ao mesmo tempo, revelou-nos a sua personalidade reservada e humilde, que o fez um homem admirado, mesmo por quem dele não tenha gostado, um brilhante comandante dos bombeiros.

Como escreveu o Dr. Duarte Caldeira, no prefácio para o livro da sua biografia - “O Comandante Carlos Cardoso” (2009), do Prof. Damas da Silva, é “um cidadão de medida grande”.
- Peso da Régua, Fevereiro de 2010, J. A. Almeida.

terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

AIOÉ !

Trago nos olhos a lonjura das savanas e no coração a saudade da inocência.
Tenho o cérebro a estalar de memórias das picadas vermelhas e nas mãos o cheiro do capim.
Repercutem-se-me na alma os ruídos das noites de vigia e sua-me o corpo pela angustia do não-regresso.
Olho o mar.
É grande, sem tamanho, os rigores do fim do dia a chorarem no horizonte.
Não tem estradas que me levem à terra morena e já não há Niassas nem Impérios que acompanhem os peixes voadores.
Da terra morena vêm-me notícias de fome a de guerra como castigo imposto por homens que lutaram só por si.
O mar não traz os sons de África, nem a fragrância das queimadas ao entardecer.
Não há lassidão - só lixo - na quietude das areias desertas, e um desapego de víola cigana que geme (ou grita?) para os lados do acampamento onde se fazem cestos com os vimes da solidão.
Do lado de cá ao mar não há tembas de pó com embondeiros crucificados.
Nem veredas de acácias rubras ou coqueiros de brincos dourados.
Não há crianças de sorrisos brancos e olhos doces.
Nem seduções de batuques em terreiros de flores.
Nem descobertas de frutos, palhotas de bambu ou almadias com peixes prateados.
Não há velhos, com cabelos de arame farpado, fumando a liamba do esquecimento, nem velhas de cigarro ao contrário, guardando a cinza como um borralho contra o frio.
Nem sequer o silêncio das horas sem relógio e raparigas estilhaçando, por entre dentes de raízes da selva, o riso do encantamento.
África de insondáveis mistérios, terra de fogo e céu de mar, desejos (in)satisfeitos no veludo sensual dos corpos, na virgindade da natureza-primeira, nos apelos distantes do frémito e da racionalização enlouquecida.
Manhãs nascidas num espanto tão súbito que o dia chega a parecer uma constância sem penumbra, uma orgia de calor e de suor num mundo de carne despida.
Do lado de cá do mar não há musas africanas cozinhando a mandioca nas brasas da paciência.
Nem batinas brancas evangelizando as primaveras da inocência.
Nem um sol a morrer como se a vida abraçasse a morte num beijo de eternidade.
Não há, não há mesmo, a melancolia das folhas da selva anunciando - como gotas condensadas num vento funerário - a chegada da reclusão do fim da tarde.
Aioé ! Amigos que deixaram os sonhos nos caminhos vermelhos do sangue, os braços desfeitos nas minas da traição.
Aioé ! Embondeiros de Cabo Delgado, palmares da Zambézia, negras de corpo afeito às noites dos remorsos brancos, batuques de febres enfeitiçadas.
África: Aioé !
- Porto, 03/07/04, M. Nogueira Borges - "Miradouro"
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  • Outros textos de Manuel Coutinho Nogueira Borges neste blogue!

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

Retrato de um velho bombeiro: Zé Pinto

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Já lá vai o tempo em que os garbosos bombeiros da Régua desfilavam ao som de clarins e tambores, pela rua Serpa Pinto acima, em direcção ao edifício dos Paços do Concelho, para apresentação de cumprimentos de agradecimento à edilidade, fieis à tradição, num acontecimento que repetia no dia 28 de Novembro de 1959, a festa do 79º aniversário da fundação da Associação.

Este retrato pertence a um bombeiro desse tempo, é do José Pinto Rodrigues, mais conhecido entre nós, por Zé Pinto, um bombeiro do quadro de honra. Estava encaixilhado numa bonita moldura de metal dourado, em cima de uma estante, em sua casa, onde tem um santuário do seu passado e das memórias mais cintilantes da sua vida.

O Zé Pinto é um bombeiro do tempo em que o quartel estava instalado na rua dos Camilos sob o comando do senhor Lourencinho. Entrou para o corpo activo, em 1957, a pedido do senhor Teófilo Clemente e do irmão, o Chefe Claudino. Não lhes disse que não e, depois de alistado, passou a ser, para sempre, mais conhecido pelo bombeiro número 47.

A sua memória guarda muitas recordações em esteve ao quadro activo. Nunca esqueceu os velhos camaradas como Manuel “Ciganinho”, Abílio “Barão”, Peixe, “Bola de Anta” e o “Zé Grande”, ainda vivo, que, no seu entendimento, considera ser um bombeiro de alto gabarito. Gostou de conhecer o Dr. Vilela, um grande homem e um santo, o Chefe Claudino, muito competente, o zeloso quarteleiro Zé Pinto e os comandantes que mais gostou de trabalhar, o Camilo Guedes e o Lourenço de Almeida.

Emociona-se com nostalgia ao recordar uma noite em que ficou no velho quartel, a dormir na maca da ambulância branca, a Rollyn-Pillan. Sua mãe, que não fora avisada por ele nem pelo quarteleiro, ficou preocupada e deu-lhe no dia seguinte uma boa repreensão.

Conta, com um brilho nos seus olhos, como foi o incêndio deflagrado numa mata de Sedielos, em que a escuridão da noite o fez cair ao fundo de um buraco, onde lhe valeu a ajuda de um seu colega, o bombeiro número 48.

Fala com vaidade da qualidade da instrução e dos exercícios ensinados pelo Chefe Pinto, instrutor do Batalhão de Sapadores do Porto, que o pôs a escalar a parede frontal do quartel, cima do telhado, através da escada portuense, finalizando a prova com sucesso, apesar de sentir as pernas a tremer como varas verdes. Tinha coragem, gabava-o o grande instrutor que vinha do Porto ministrar formação à Régua.

Lembra os incêndios ocorridos na cidade que causaram mais pânico e avultados prejuízos, o do bazar de quinquilharias do Alemão, na rua José Vasques Osório e outro numa casa da rua das Vareiras, que enfrentou com uma agulheta de 60 milímetros nas mãos.

Revive o dia em que desfilou nas ruas de Viana do Castelo, ao fim da tarde quente, no fim deu um congresso nacional de bombeiros, que aí teve lugar.

Cada uma das suas lembranças traz o brilho das suas emoções e um ideal valioso - fazer sempre o bem sem saber a quem – pelo qual se orientou, se fez homem maduro e conquistou as maiores alegrias, admitindo que, na ajuda ao seu semelhante, atingiu a maior felicidade.

Ainda hoje, tem pendurado à entrada da sua casa, na travessa da rua Alegria, um azulejo com um pensamento que lhe conforta a sua alma: “Quem faz o bem, Deus faz bem”.

Sente-se um indescritível conforto a ouvi-lo contar as suas histórias. São quase de 25 anos de voluntariado. Não está no activo mas é como estivesse. Diz-nos com um lágrima no canto do olho que um bombeiro nunca deixa de ser bombeiro…. Já não tem uma farda que lhe sirva, mas se a velha sineta voltasse a tocar, como no seu tempo, ele sairia a correr pela rua acima, para ser dos primeiros bombeiros a chegar ao fogo. Afinal, recordar, como se costuma dizer, é mesmo viver…!

O velho bombeiro Zé Pinto, à beira dos 85 anos (nasceu em 1 de Janeiro de 1925), é, hoje, um dos heróis dos gloriosos bombeiros da Régua. A sua figura não pode morrer no coração das pessoas, como ele, cheias de humanidade. Ele não imagina, mas nós temos a certeza de que é um símbolo de muitos outros homens esquecidos, sempre ocultados pela fama dos nomes ditos sonantes, que se alistaram nos bombeiros da sua terra. Pelo seu exemplo de altruísmo, coragem e abnegação estes bombeiros sem nome também se vão eternizar na recordação das gerações futuras.

O retrato não fixa só um desfile com os sons do tambor que, na tropa, o Zé Pinto aprendera a tocar. Assinala muito mais do que isso. É a memória de um passado que nunca passa. Aqueles homens permanecem iguais e acreditam na universalidade e no valor da causa do voluntariado ao serviço dos que precisam de protecção e socorro. Evoca a perenidade dos homens generosos, alguns definitivamente fora deste nosso mundo, mas que cá deixaram a sua marca de altruísmo, exemplo a seguir pelas gerações vindouras.

Quem acredita que na vida não há senão um tempo efémero, uma breve passagem, está grato ao velho bombeiro Zé Pinto. Eu estou! O seu lugar fica marcado nas memórias de um passado que, por muito que teime em passar, resiste sempre em pequenos redutos do futuro.

A fama dos velhos bombeiros da Régua, regista-a com eloquência e muita erudição, o Dr. José António de Sousa Pereira, famoso médico, na sua crónica “Para parar três badaladas”, inserta na revista do centenário da associação, que se transcreve o seguinte:

“Para seu desenvolvimento a Régua, mercê de um punhado de boas vontades, firmes e válidas, não foi a última a ser dotada da que se passou a denominar AHBV do Peso da Régua.

Nascida no menos que modesto prédio, ainda existente no Largo dos Aviadores e provida de escasso material, que a edilidade reguense lhe cedeu, contou desde o início, no seu corpo activo, com homens que, sob a responsabilidade do nome, passaram a gozar de um prestígio, que lhe advinha de actos beneméritos, em ordem a conferir à sua associação a fama que, ao actual corpo activo, cabe manter se não dilatar. Esta fama foi encontrá-la em Lamego, na recuada época da nossa adolescência, em que, naquela cidade, estanciámos durante sete anos. A rua de Almacave, no pendor de base do morro encimado pelo castelo medieval, em torno do qual se aninha o primitivo burgo, coetâneo de Fernando Magno, exibia prédios esventrados, portas e janelas como órbitas vazias, em paredes calcinadas, por apocalíptico incêndio.

Diga-se então, aí que, a não intervirem os bombeiros da Régua, a Olaria iria, de enfiada. Quanto pode uma minguada corporação em efectivos, bem comandados em que a disciplina, livremente aceite, gera autênticos cidadãos! Escola de civismo foi, pois, e confiamos que o será, sempre, sem o qual as pátrias não são mais que expressões destituídas de sentido. E os reguenses ao admirarem, íamos dizendo, tais como chouans a Marie Jeanne, que cobriram de flores, uma bomba braçal novinha em folha, que o quartel de cavalaria expunha, sentiram que estavam com os seus soldados da paz, como estes se identificavam, com eles.

(…)

Hoje os nossos bombeiros dispõem de instalações, que honraram a terra, onde se implantam. Catedral do bem, num ópido onde os valores culturais não abundam, emergentes que são, do passado obscuro que, somente, nos últimos dois séculos se projecta em porvir auspicioso, luta e vai transpondo, com a persistência dos obstinados, os escolhos, que se interpõem, a quem demanda uma meta inatingível tal é da verdade absoluta – peculiar às grandes realizações humanas.

(…)

Existiram outrora, nos lares reguenses, no recesso dos oratórios dos antepassados, encaixilhados a preceito, sinais de incêndio, mediante os quais os soldados da paz e a população – que colaborava – ficavam cientes da zona em que se verificava o sinistro, sinais tangidos, pelos campanários locais. Estes sinais sobrepunham-se a uma notificação convencional – para parar três badaladas. Se a convenção era prática, não se compadecia, todavia com a realidade, pelo que o devoto abrenúncio nos vem à boca, nos termos em que Cervantes remata o preâmbulo da sua obra imortal, mediante o consabido”.

Para além da história dos bombeiros da Régua, o retrato do Zé Pinto permite a fazer um reencontro na memória com alguns dos lugares da cidade, as paisagens urbanas perdidas para sempre - como os frondosos plátanos e o coreto que havia no antigo jardim Alexandre Herculano - que suscitam em nós um sorriso de espanto, confrontados com as transformações de um território que julgávamos conhecer….!
- Peso da Régua, Fevereiro de 2010, J. A. Almeida. Atualizado em Julho de 2010.

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

Uma imagem ao acaso - Estação das Caldas do Moledo

Estação de caminhos de ferro das Caldas do Moledo - Peso da Régua
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Gostei de rever o Moledo...

Nasci neste lugar com um parque de grandes e velhos plátanos onde aconteceu a minha infância mágica e onde aprendi a olhar a beleza da natureza que me trazia sombra nas tardes quentes de verão... Do lado do rio fascinava-me ver as primeiras cerejeiras em flor e deliciava-me com as primeiras uvas maduras que meu avô Saraiva colhia da sua vinha...

Que tempos ...!  Mais tarde descobri que este espaço de encanto tinha acolhido também em meus folguedos de criança, a convivência com um poeta autor de pequeno livro de poesias, o "Antão era Pastor", achado em prateleira empoeirada de velha livraria do Porto.

Mais vezes tenho voltado ao meu Moledo pelo comboio da imaginação, graças a esse pequeno livro.
- Peso da Régua, 5 de Fevereiro de 2010, José Alfredo Almeida.
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