quinta-feira, 19 de novembro de 2009

Biblioteca de Maximiano Lemos


Não há ninguém que não saiba que a AHBV do Peso da Régua possui uma magnífica biblioteca, e que apesar de não se encontrar aberta ao público, está ao dispor de qualquer de um, no 2º andar do edifício do quartel. Aliás, em tempos ainda recentes, ela foi a única biblioteca que sucessivas gerações de jovens da Régua puderam frequentar para aí lerem ou levarem para casa os seus primeiros livros.

Mas, poucos devem saber que essa biblioteca tem um grande passado. Embora não pareça pode dizer-se que é muito antiga. Ela começou por existir no primeiro edifico do quartel que ficava no Largo dos Aviadores e funcionou depois no quartel instalado até 1954, numa velha casa da Rua dos Camilos, onde alguém dizia que “havia uma estante de livros sonolentos, perturbados, muito de longe em longe por esporádico leitor.”

A existência da biblioteca foi uma intenção dos fundadores e dos primeiros sócios. Embora o primeiro objectivo fosse a criação de uma companhia de bombeiros, aqueles homens entenderam que se justificava um fim complementar que proporcionasse nos tempos de lazer e de ócio algumas actividades recreativas e culturais aos bombeiros e aos associados. Como havia a intenção de concretizar rapidamente essa ideia, consagraram a sua criação na redacção dos estatutos primitivos, com indicação expressa de que a “associação pode também ser recreativa, havendo casa de leitura (…) quando circunstâncias especiais do cofre o permitirem.”

O historiador José Afonso Oliveira Soares, autor da História da Vila e Concelho do Peso da Régua, fala da biblioteca dos bombeiros, a qual chegou a conhecer pelas suas funções de comandante do corpo de bombeiro. No seu livro, ele afirma que a biblioteca foi inaugurada em Janeiro de 1885, dando-nos conhecimento que ela surgiu “devido a um desejo de um contribuinte e à muita iniciativa e valiosíssimos esforços do Dr. Joaquim Correia Cardoso Monteiro, a quem no dia em que foi aberta aos seus associados, se referiram com grande aplauso em brilhantes discursos Paulo de Barros, Afonso Mesquita Chaves e José Joaquim Pereira Soares Santos.”

A biblioteca dos bombeiros, ideia original dos primeiros associados, foi uma prenda oferecida por um benemérito que, por modéstia, não permitiu que seu nome fosse conhecido ou revelado. A ele se deve a concretização da ideia e, apesar do anonimato, merece o nosso maior elogio de consideração e gratidão. Pelo menos, este reconhecimento histórico ninguém o acha injusto. Não sendo possível evidenciar o seu nome, a sua ajuda ficou perpetuada no tempo, com a sua continuidade da biblioteca até aos nossos dias. O grande escritor reguense, uma crónica intitulada “Primórdios”, publicada em Dezembro de 1963, no antigo jornal da associação “Vida por Vida”, comenta esta situação com as considerações seguintes:

“ Pena é que o saudoso historiador da nossa vila e concelho mão tenha nomeado o sócio contribuinte, que tanto desejo ver o nosso quartel espiritualizado com uma livraria. Dizemos tanto desejou, porque o seu desejo moveu a vontade do Dr. Joaquim Correia Cardoso Monteiro.

Devemos a um anónimo a fundação, em 1885, da nossa Biblioteca. Se soubéssemos o nome dele, seria obrigação perpetuar-lhe a memória com algum voto condigno. Como não se sabe, imagine-se que foi o humilde benemérito. Algum obscuro artista, amigo da Instrução…

Obscuro não deve ter sido o Dr. Joaquim Correia Cardoso Monteiro, propulsor da luminosa ideia do sócio contribuinte. Inscreva-se-lhe o nome numa lápide se não pudermos eternizar-lhe o retrato entre os nossos livros. Devemos gratidão a esse antepassado.

As coisas são como os rios. Têm origem que, embora tímida, nunca é desprezível. A nossa Biblioteca nasceu em 1985.Ninguém esqueça essa data.

Nascida em 1885, só em 1960, em pleno século actual, veio a ser baptizada. Na província, a marcha de qualquer intuição é sempre lenta.”

As palavras do grande escritor duriense mantêm-se plenas de actualidade. Desde logo, elas mostram o carinho que dedicou a esta biblioteca que, ao que sabemos, ajudou a melhorar e a crescer. Pelo que se conta, o nome do seu patrono - o insigne Dr. Maximiano Lemos - deve ter sido uma sua proposta, que foi aproveitada pela direcção do Dr. Júlio Vilela. Pena é que ninguém dos sucessivos directores, tenha dado ouvidos ao seu prudente conselho. Ainda está lembrar, para que o tempo e o esquecimento dos homens não apaguem, o gesto do anónimo benemérito responsável pela criação da biblioteca.

A história da biblioteca dos bombeiros não se resume a este importante episódio. Na década de 60, com o novo quartel em funcionamento, a direcção dos bombeiros decide instalá-la numa sala condigna e baptiza-la com o nome do ilustre médico reguense – e importante professor da história da medicina portuguesa - o Dr. Maximiano Lemos.

Durante as cerimónias do centenário do nascimento deste reguense, em 3 de Dezembro de 1960, o Governador Civil de Vila Real, o Coronel Pinto de Sequeira, que se fez acompanhar do Dr. Fernando Bandeira, Presidente da Câmara Municipal da Régua, do Dr. Júlio Vilela, presidente da direcção da associação e pelo saudoso Chefe Claudino Clemente, preside à inauguração da biblioteca Maximiano Lemos.

Essa nova fase da biblioteca dos bombeiros foi evocada pelo escritor João de Araújo Correia, na crónica “Biblioteca de Maximiano Lemos”, que em Novembro de 1963 escreve para o jornal “Vida por Vida”, da qual transcrevemos uma elucidativa e interessante parte:

“A Biblioteca de Maximiano Lemos, inaugurada em 1960, ao comemorar-se o primeiro centenário do seu ilustre patrono, vai ser enriquecida, no próximo Novembro com uma valiosa colecção de livros oferecidos pela Fundação Calouste Gulbenkian. Diremos, para ser precisos, que vai funcionar, dentro da Biblioteca de Maximiano Lemos, uma das bibliotecas fixas da Fundação Gulbenkian.

Queremos crer que as suas bibliotecas não brigam uma com a outra, antes se auxiliam e completam. A de Maximiano Lemos é uma livraria pobre e livraria velha herdeira da primitiva estante dos Bombeiros e acrescida de alguma oferta particular. Mas, sempre conterá, como velha, embora pobre, alguma espécie rara, útil a estudiosos ou bibliófilos. A da Fundação, constituída por livros em barda e todos em folha, será útil ao comum dos leitores. Será própria para os desbravar e lhe estimular os gostos da leitura.

Uns e outros deverão acautelar-se de inúteis desvios. Não falta quem se aproprie de livro alheio só para o ter ou deixar perder, nanja para o ler e se instruir com ele. É como cultivasse a arte de tirar por tirar.

Ninguém deve esquecer, aqui na Régua, o que aconteceu à antiga biblioteca municipal, fundada pelo Dr. Claudino de Morais, no século passado. Quando, em 1937, houve incêndio nos Paços do Concelho, já os livros tinham desaparecido. Oxalá não suceda o mesmo aos livros da biblioteca de Maximiano Lemos, agora enriquecida com a inestimável oferta da Fundação Gulbenkian.”

Com salienta o escritor reguense na última crónica, a Biblioteca de Maximiano Lemos recebeu, em Novembro de 1963, no seu espaço a Biblioteca Fixa nº 54 da Fundação Gulbenkian que aí funcionou até aos inícios da década dos anos 80. Durante muitos anos, na Régua não havia qualquer biblioteca pública. Não admira que a biblioteca dos bombeiros tenha feito as delícias de muitos adolescentes. Nas férias do verão, aquela biblioteca era o lugar preferido para se lerem os livros de aventuras de Emílio Salgueri e de Jack London, acompanhados pelo sabor de uma cremosa “Bola de Berlim”da Confeitaria Pinheiro e, já mais tarde, escolher os das poesias de Fernando Pessoa. Nem a D. Lurdes, a simpática secretária, com os seus permanentes avisos para não fazerem barulho, os conseguia manter quietos e calados enquanto o desejado livro não viesse parar nas mãos. Bons tempos aqueles… em que se vislumbrava da imponente varanda da sala, nos longos dias de sol, uma paisagem fantástica sobre o rio Douro.

A Fundação Gulbenkian fechou a sua biblioteca fixa há alguns anos. Foi uma pena…para a Régua. Mas, não levou nenhum dos livros desse tempo. Deixou-os nas estantes de madeira da Biblioteca de Maximiano Lemos. Como assim a quisesse ainda deixar viva, apesar de ser velhinha, mantendo os livros antigos e de edições raras. Só não tem os seus leitores como devia e merecia para melhor honrar a memória do seu patrono. Acertadamente, o escritor reguense avisa-nos: “Os livros privativos da Biblioteca de Maximiano Lemos são, quase, todos, livros veneráveis. Contam, de idade, 78 anos. Necessitam de restauro, que só poderá ser feito por especialistas. Embora…É para nós ponto de fé que nos ajudem nesse empreendimento. Merece-o a ideia do sócio contribuinte de 1885.”

Merecem ainda todos aqueles para quem a biblioteca dos bombeiros é um lugar sagrado que guarda os maravilhosos livros que nos fizeram pensar e crescer. Um lugar mágico, onde aprendemos a gostar mais dos bombeiros da Régua.
- Peso da Régua, Novembro de 2009, J. A. Almeida.
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segunda-feira, 16 de novembro de 2009

Não Matem A Esperança - M. Nogueira Borges - Capítulo III



Não Matem A Esperança - Cápítulo III

Quando estava chatiado (o que, parecia-lhe, só não sucedia a quem não pensava), vinha até ao outro extremo da cidade em que fingia viver e sentava-se numa pedra gasta pelas águas e olhava o mar.

Na praia, sem barracas, havia os que puxavam a cana de pesca para matar a fome lá em casa ou faziam desporto para dar pontapés no tempo; os que amavam e faziam promessas sob o rugido manso do oceano que abafava o som das palavras; crianças pobres, criadas no abstinente do fácil, brincando o jogo do esquecimento, rebolando-se na areia, engalfinhando-se mútuamente; senhoras sérias – daquelas obcecadas com o bronzeado – tapavam os olhos com os braços e ofereciam o corpo às últimas forças do sol de Verão-quase-no-fim; um cão preto e ruço e bem tratado (um cão burguês) brincava com uma criança de tranças loiras (mesmo loiras) e bem vestida e bem tratada (uma criança de burgueses) que lhe fazia lembrar Lelouch e o seu HOMEM E UMA MULHER.

Um avião roncou lá em cima. E as pessoas levantaram os olhos.

(Eram tardes dolorosas, de tropicalismo exacerbado, homens de troncos nus que escorriam suor; eram tardes longas, com saudades à mistura, com crises de nervos em que apetecia partir tudo e não se podia, em que as ganas para se berrar a plenos pulmões o que se sentia, tinham de ser dominadas pela amargura de renúncia à verdade. Eram tardes longas, longas e tristes, aquelas em que o helicóptero cirindava sobre as nossas cabeças, qual mosquito gigante, ou passava ao largo com uma rapidez aflita, levando dentro alguém que espiava vida, uma vida jovem, uma daquelas vidas que morrem na guerra.

África! Em algumas das suas picadas ficaram para sempre as vidas de amigos que chorava, que choraria sempre, amigos que recordava com mágoa, impotente, e as lágrimas que lhe saíam sem pedirem licença eram a sua angústia, presa por um fio na dobra da garganta. Ele queria gritar um poema a esses amigos que morreram na guerra, atingidos pelos estilhaços da metralha, mas, na realidade, não podia. Ele não podia dizer coisas proibidas. (A não ser, à noite, na cama, com a mulher.).

O par que se amava levantou-se e, sacudindo a areia, dei-los abraçados pela praia fora, rumo ao futuro.

(Não os entendiam. Os seres que os rodeavam não faziam parte do elo profundo que os unia. Já tinham o seu passado. As suas vidas transplantaram-se para uma báscula materialista, deportando-se, logo, as suas acções, os seus julgamentos dos outros. Apreciavam-nos como se fossem iguais a eles. Os seus olhos não eram sinceros: fingiam e mentiam interiormente. Detestava-os. Não os odiava. Que lhe importava que eles pensassem aquilo que pensavam? Queria lá saber dos seus interesses mesquinhos e das suas ganâncias? Estava farto deles, Farto de ver sorrisos amarelos, forçados, ditados pelas conveniências. Farto de malandros norteados pelo aburguesamento do não pensar e do deixa correr. E não lhe viessem com pancadinhas nas costas e risos de ocasião dizer que não valia a pena pensar. Ele queria pensar, queria preocupar-se com eles, com aquelas crianças pobres que brincavam na areia para esquecer a fome; com aquela mulher nova na idade e velha no corpo que, do filho ao colo, cheio de feridas, ia de carro em carro pedir uma esmola aos senhores que tinham vindo até à marginal refazer as pazes do amor ou pensar a melhor maneira de levar um semelhante num negócio ou descansar cabeça do barulho da cidade).

Um ronco de barco partia. Proa apontada ao sul, casco rasgando as águas em busca do mundo para além do infinito do seu olhar.

(Também já partira. Num barco assim. Um barco que levou gente, muita gente, para além. Gente que chorava e, também, sorria sem consciência. Gente que levava a esperança de voltar. Mas alguns não voltaram (e como é triste voltar sem eles). Verteram o seu sangue quente que ensopou as escaldantes e poeirentas estradas da selva. Em terra, havia lenços brancos que acenavam, acenavam sem parar. E havia lágrimas de mães e de pais que criaram os seus filhos e os viam partir, sabiam lá até quando; e havia raparigas que viviam a ansiedade dum amor de juventude perante o abismo da incerteza; e havia carpideiras que fingiam chorar não sabiam por quem e para quê e desmaiavam nos braços de estranhos; e havia homens que trabalhavam no cais, indiferentes, minados pela rotina dos gestos e das acções, fartos de verem já tantas partidas iguais. O barco navegava sempre até que não viu mais lenços brancos e só viu a esperança estampada nos olhos dos que o rodeavam, aquela-arma-dos-homens-que-vão-para-a-guerra. E ele, então, apesar de odiar a guerra, sentiu-se superior àqueles que falam, falam, e não dizem nada.).

O relógio, ditador da vida, marcava o ritmo. Tinha de voltar. Ao movimento das pessoas e dos carros. Com encontrões, com guinadas para a direita e para a esquerda, guinchar de travões, arranques estrepitantes de carros sport dos meninos e das meninas ricas; com polícias passando multas aos carros mal estacionados, em transgressões de trânsito; com homens perseguindo outros homens iguais no corpo mas diferentes nas filosofias; mãos no ar oferecendo, num papel com um número, a ilusão da fortuna àqueles que pouco ou nada têm ou àqueles que tendo muito ainda querem mais; sinaleiros apitando furiosa e teatralmente aos volantes que vieram da província e não sabem que na cidade é proibido pisar o risco; condutores maltratando-se pelas palavras mais genuínas do dicionário da má educação. Tinha que voltar. Voltar a cruzar-se com aqueles que se postavam às esquinas das ruas, às portas dos cafés ou das casas de discos ou dos supermercados comendo a estupidez da vida, feita da fatuidade que só os imbecis sabem usar. Mas desculpava-os. É que eles ainda não tinham partido num barco, com muita gente vestida toda da mesma maneira, para longe, para além.
- Continua.

sexta-feira, 13 de novembro de 2009

Encontros com o Chefe Artur


No nosso dia-a-dia encontramos muitos bombeiros com um condão peculiar, admiráveis, exemplares e irrepreensíveis a desempenharem o seu trabalho humanitário. Eles são autênticos ser os predestinados que ao nascerem lhe é atribuída uma missão divina para, neste mundo imperfeito e cheio de egoísmos individuais, protegerem a nossa efémera existência dos perigos, infortúnios e inquietações terrenas.

O Chefe Artur - de nome completo, Artur Fernandes Rodrigues Costa – que pertence ao quadro de honra da Associação Humanitária dos Bombeiros de Vila Real e Cruz Verde é um desse admiráveis bombeiros. Durante mais de meio século, enquanto esteve no activo, cumpriu devotamente esse compromisso de prestar auxilio e socorro a todos os necessitados.

Posso dizer que, pelo menos desde 1998, os meus caminhos se cruzam com os caminhos do chefe Artur. Com alguma frequência, encontro-o na distinta Confeitaria Gomes, sentado à mesa com os seus amigos em agradáveis conversas. Quem o conhece, sabe bem que o Chefe Artur é um bom conversador e gosta de discutir e dar a sua opinião. Outras vezes, pelas minhas funções na federação, encontro-o garbosamente fardado nas festas de aniversário de associações amigas. É aí que ainda posso testemunhar o quanto os jovens bombeiros o prezam.

Mas, os meus encontros mais interessantes com este velho bombeiro surgiram de forma diferente. Aconteceram quando fazia pesquisas do passado dos bombeiros da Régua. Ao consultar velhos álbuns, encontrei-o retratado em fotografias que assinalam acontecimentos importantes na história da associação. Confesso que algumas imagens, onde ele aparecia, me ficaram na memória, à espera de uma oportunidade de as revelar.

Desta última vez, foi nos caminhos das memórias de mais de cem anos de história da AHVB do Peso da Régua que encontrei o Chefe Artur. Como não podia deixar de ser encontrava-se garbosamente fardado para estar presente na festa de homenagem e despedida do Comandante Carlos Cardoso dos Santos - o qual deixava por vontade própria o corpo activo depois de 31 anos de comando - que se realizou quartel dos bombeiros da Régua, no dia 3 de Março de 1990.

O Chefe Artur era um dos seus grandes amigos e unia-os uma geração de bombeiros notáveis que, no distrito de Vila Real, tinham alcançado a glória e a auréola. São nomes inesquecíveis como o Rodrigo Félix de Vila Real, o Lage de Vigado, o Serafim de Mesão-Frio, o Araldo de Santa Marta de Penaguião e o Celso de Boticas. O respeito e admiração que ambos não escondiam de ninguém, eram razões para que o Chefe Artur não faltasse à homenagem do comandante da Régua, como ele costumava dizer, para lhe dar um emocionado abraço de gratidão.

Como convidado da associação, não foi esta a última vez que o Chefe Artur esteve no quartel dos bombeiros da Régua. Lembro-me que nos visitou noutros momentos importantes na vida da corporação. Esteve presente nas comemorações do 120º aniversário da associação que aconteceram em 28 de Novembro de 2000.

No decorrer dessas cerimónias, conforme as imagens documentam, encontramos o Chefe Artur na companhia do Secretário de Estado da Administração Interna, o Dr. Carlos Zorrinho, a protegê-lo com o seu guarda-chuva, enquanto aquele assistia à passagem do desfile do corpo de bombeiros, junto à entrada do Quartel Delfim Ferreira. Nunca esqueceremos este surpreendente e inédito momento proporcionado pelo Chefe Artur e o seu acto de cortesia com aquele importante político. A sua presença é um privilégio para os bombeiros da Régua. Eles gostam de conviver com este velho bombeiro que os enternece pela sua história de vida.

É um bombeiro carismático. Em Vila Real não há ninguém que não conheça o Chefe Artur e não lhe exteriorize a sua simpatia. Todos reconhecem a sua generosidade, a sua energia inesgotável, a sua alegria de viver. Com o passar do tempo, tornou-se um fenómeno de popularidade. A sua dedicação ao longo de 54 anos de bombeiro fez cativar a atenção dos seus conterrâneos. Sendo um homem simples e de trato fácil conquistou a afeição de meio mundo á sua volta. Sendo um bombeiro foi extraordinário. Considerado pelos seus companheiros do seu tempo um bombeiro fora de série.

Hoje continua a falar-se do Chefe Artur. Elogiam-se as suas aptidões e as proezas conseguidas nos “teatros de operações” mais perigosos. Com a determinação e coragem, as únicas qualidades que o elevam a um culto merecedor da nossa incondicional deferência, fez-se um grande e inesquecível bombeiro.

Este sentimento é unânime e está expresso nas palavras que lhe dedicou António Barros, secretário geral da AHBV de Vila Real e Cruz Verde, em 12 de Abril de 2003, para assinalar a entrega do maior galardão de reconhecimento ao seu trabalho, o Crachá de Ouro, da LBP, que salienta da sua vida o seguinte:

“Um bombeiro, uma referência…são as palavras ditas pelo Chefe Simão e pelo Chefe Barros para ilustrarem a vida de um Bombeiro – o nosso Chefe Artur Costa – e que são o exemplo de muitas outras que ouvimos, também simples e profundas, ditas e sentidas com muito orgulho, por estes e tantos outros amigos que partilham a caminhada deste Bombeiro, bombeiros do mesmo ideal, com o mesmo espírito, bombeiros de uma geração com história que fizeram história e que, agora, contam as suas histórias feita de vida, porque de sacrifício, de dávida, de fraternidade, de serviço em prol dos outros, de profunda amizade, de Vida por Vida…palavras simples que todos entendemos, sentimos e subscrevemos, porque sabemos verdadeiras e plenas e de significado…”.

Se há bombeiros profundamente identificados pelo seu chão de origem, um dele é o Chefe Artur, nascido em 28 de Novembro de 1930, na cidade de Vila Real. As suas raízes são genuinamente transmontanas. Mas, há quem diga – e quem o tenha escrito - que foi um daqueles seres que já nasceu com o seu destino traçado. Que nasceu bombeiro e para ser bombeiro. Alguns afirmaram, que é um predestinado. Cumpriu com um rigoroso dever de humanidade a missão que lhe foi destinada pelo divino criador. Para nosso bem, soube ser diferente e um dos melhores bombeiros.

O Chefe Artur conta 79 anos de uma vida cheia e, pelo que vimos, e muito feliz. Conserva uma boa forma física e uma lucidez impressionante. Dá gosto de ouvir pela sua voz contar as suas memórias de bombeiro e de as apreciar numa magnífica crónica “Carro da Bomba”, que escreveu em co-autoria para o livro “Vila Real - Histórias ao Café”. Ele possui mais saberes e incríveis experiências de vida que merecem ser registadas pela sua mão. É um homem generoso, solidário e fraterno. A sua vida continua ser uma referência para todos os bombeiros como exemplo de coragem, abnegação e de dedicação ao voluntariado.

O Chefe Artur é um semideus que vive – viverá por muito mais tempo - ao nosso lado. Ele é o personagem do bombeiro que todos idealizamos. Um anjo da guarda fardado, de capacete e de um machado nas mãos. Em quase tudo igual ao primeiro bombeiro que animou os nossos sonhos e que apagava os fogos feitos na imaginação das inocentes brincadeiras infantis.

Tudo o que se disse parece pouco, mas significa muito. Por outras palavras, o Chefe Artur é um símbolo vivo que valoriza a essência da verdadeira dimensão humana da figura dos bombeiros. Contamos ainda com ele para nos ajudar a reforçar os ideais de fraternidade, os valores do voluntariado e a importância dos bombeiros na nossa sociedade.
- Peso da Régua, Novembro de 2009, J. A. Almeida.
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Ronda pela Imprensa do Douro: António Lobo Antunes e a escrita mentirosa



Custa-me encontrar um título apropriado à escrita de António Lobo Antunes que, podendo ganhar dinheiro com a profissão de médico, prefere a escrita para envergonhar os portugueses.


Talvez este início de crónica escandalize quem costume venerá-lo. Eu, por maior benevolência que para com ele queira usar não posso, nem devo. Por várias razões, algumas das quais vou enunciar. Porque não gosto de atirar a pedra e esconder a mão.


Este senhor foi mobilizado como médico, para a guerra do Ultramar. Nunca terá sabido manobrar uma G-3 ou mesmo uma Mauser. Certamente nem sequer chegou a conhecer a estrutura de um pelotão, de uma companhia, de um batalhão. Não era operacional mas bota-se a falar como quem pragueja. Refiro-me ao seu mais recente livro: Uma longa viagem com António Lobo Antunes. João Céu e Silva pode reclamar alguns méritos deste tipo de escrita. Foi o entrevistador e a forma como transpõe as conversas confere-lhe alguma energia e vontade de saber até onde o entrevistado é capaz de levar o leitor. Mas as ideias, as frases, os palavrões, os impropérios, as aldrabices - sim as aldrabices - são de Lobo Antunes.


Vejamos o que ele se lembrou de vomitar na página 391:
«Eu tinha talento para matar e para morrer. No meu batalhão éramos seiscentos militares e tivemos cento e cinquenta baixas. Era uma violência indescritível para meninos de vinte e um, vinte e dois ou vinte e três anos que matavam e depois choravam pela gente que morrera. Eu estava numa zona onde havia muitos combates e para poder mudar para uma região mais calma tinha de acumular pontos. Uma arma apreendida ao inimigo valia uns pontos, um prisioneiro ou um inimigo morto outros tantos pontos. E para podermos mudar, fazíamos de tudo, matar crianças, mulheres, homens. Tudo contava, e como quando estavam mortos valiam mais pontos, então não fazíamos prisioneiros».


Penso que isto que deixo transcrito da página 391 do seu referido livro, se vivêssemos num país civilizado e culto, com valores básicos a uma sociedade de mente sã e de justiça firme, bastaria para internar este «escriba», porque todo o livro é uma humilhação sistemática e nauseabunda, aos Combatentes Portugueses que prestaram serviço em qualquer palco de operações, além fronteiras. É um severo ataque à Instituição militar e uma infâmia aos comandantes de qualquer ramo das Forças Armadas, de qualquer estrutura hierárquica e de qualquer frente de combate. Isto que Lobo Antunes escreve e lhe permite arrecadar «350 contos por mês da editora» (p. 330), deveria ser motivo de uma averiguação pelo Ministério Público. Porque em democracia, não deve poder dizer-se tudo, só porque há liberdade para isso. Essa liberdade que Lobo Antunes usou para enriquecer à custa o marketing que os mass media repercutem, sem remoques, porque se trata de um médico com irmãos influentes na política, ofendeu um milhão de Combatentes, o Ministério da Defesa, uma juventude desprevenida, porque vai ler estes arrotos literários, na convicção de que foi assim que fez a Guerra, entre 1961 e 1974. E ofende, sobretudo, a alma da Portugalidade porque a «aldeia global» a que pertencemos vai pensar que isto se passou na vida real nos finais do século XX.


Fui combatente, em Angola, uns anos antes de Lobo Antunes. Também, como ele fui alferes miliciano (ranger). Estive numa zona muito mais perigosa do que ele: nos Dembos, com operações no Zemba, na Maria Fernanda, em Nuambuangongo, na Mata Sanga, na Pedra Verde, enfim, no coração da guerra. Nunca um militar, qualquer que fosse a sua graduação ou especialidade, atirou a matar. Essa linguagem dos pontos é pura ficção. E essa de fazer cordões com orelhas de preto, nem ao diabo lembraria. E pior do que tudo é a maldade com que escarrou no seu próprio batalhão que tinha seiscentos militares e registou centena e meia de baixas... Como se isto fosse crível!


Se o seu comandante que na altura deveria ser tenente-coronel, mais o segundo comandante, os capitães, os alferes, os sargentos e os soldados em geral, lerem estas aldrabices e não exigirem uma explicação pública, ficarão na história da guerra do Ultramar como protagonistas de um filme que de realidade não teve ponta por onde se lhe pegue.


Em primeiro lugar esta mentira pública atinge esses heróicos combatentes, tão sérios como todos os outros. Porque não há memória de um único Batalhão ter um décimo das baixas que Lobo Antunes atribui àquele de que ele próprio fez parte. É preciso ter lata para fazer afirmações tão graves sobre profissionais que para serem diferentes deste relatório patológico, basta terem a seu lado a Bandeira Portuguesa e terem jurado servi-la e servir a Pátria com honra, dignidade e humanismo. Não conheço nenhum desses seiscentos militares que acolheram António Lobo Antunes no seu seio e até trataram bem a sua mulher que lhes fez companhia, em pleno mato, segundo escreve nas páginas 249 e 250. Mereciam eles outro respeito e outros elogios. Porque insultos destes ouvimos e lemos muitos, no tempo do PREC. Mas falsidades tão obscenas, nem sequer foram ditas por Otelo Saraiva de Carvalho, quando mandou prender inocentes, com mandados de captura, em branco e até quando ameaçou meter-me e a tantos, no Campo Pequeno para a matança da Páscoa. Estas enormidades não matam o corpo, mas ferem de morte a alma da nossa Epopeia Nacional.
- Dr. Barroso da Fonte, Notícias do Douro, Peso da Régua, 13  de Novembro de 2009.