João de
Araújo Correia
Quando
o quartel dos bombeiros funcionou modestamente numa casa situada no actual
Largo dos Aviadores, frequentei-lhe as salas recreativas com o meu pai - era eu
rapazinho.
Na
sala dos jogos, inofensivos jogos de cartas, dominó e quino, lembro-me de ver,
encostada a uma parede, uma alta e larga estante de madeira rica, toda
envidraçada e repleta de livros.
Creio
que ninguém lhes tocava. Quem se entretinha com a sueca, o dominó e o quino
talvez nem reparasse na volumosa estante, abarrotada de livros.
Reparava
eu... E o meu regalo seria abrir aquela estante e colher de lá um livro para o
folhear e ler antes de me deitar. Assim eu o percebesse. Era ainda tão novo…
Teria onze, doze anos.
Os
meus encantos, naquele clube, eram aquela estante. Mas, sempre fechada e muda.
Até que uma noite, e em noites seguidas, a vi abrir. Um senhor, que usava
óculos, ia retirando e colocando de novo, no seu lugar, rimas de volumes.
Arrecadava-os depois de lhes escriturar os títulos num grande livro de papel
almaço.
Procedia,
a seu modo à catalogação dos livros da magnífica estante. Se fosse hoje,
catalogaria em verbetes, mais fáceis de consultar que um bacamarte de papel
pautado. Mas, em suma, aquele senhor de óculos, talvez inocente em bibliografia
ou biblioteconomia, sempre tentou, o melhor possível o inventário dos livros.
Livros que nunca mais esqueci. Quando, depois
de instalados os bombeiros no quartel novo, alguém me disse que todos esses
volumes estavam à matroca, empilhados num monte, sem o mínimo vislumbre de
arrumação, caiu-me a alma aos pés. E assim, esteve, de rastos uma porção de
anos.
Até
que ontem, dia que marquei com uma pedra, vim a saber que os livros já estão
arrumadinhos na estante – bela estante de mogno.
Falta-me
saber se já começaram a ser catalogados. Livros sem catálogo, para quem os
quiser consultar, são inúteis ou pouco menos.
Qualquer
biblioteca exige três catálogos: o onomástico, o didascálico, e o ideográfico.
O
mais importante de todos, em minha opinião, é o onomástico. Poderá esperar, ate
melhores dias, pelos outros dois.
A velha
estante dos nossos bombeiros poderá prestar serviços a estudiosos se for catalogada.
Mãos à obra? Agora, que os Bombeiros festejam o centenário, saúdo-os com este
alvitre.
Nota: Esta crónica
de muito interesse para a história da AHBV do Peso da Régua foi publicada no
jornal O Arrais, de 4 de Dezembro de
1980, pelo escritor reguense com o pseudónimo de Joaquim Pires.
Uma velha Estante
Jornal "O Arrais", quinta-feira, 15 de Dezembro de 2011
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Clique nas imagens para ampliar. Sugestão de JASA (Dr. José Alfredo Almeida) para o blogue "Escritos do Douro". Edição de J. L. Gabão - "Escritos do Douro" em Janeiro de 2012.