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quinta-feira, 1 de março de 2012

Tributo ao poeta reguense João de Lemos


A LUA DE LONDRES
É noite. O astro saudoso
rompe a custo um plúmbeo céu,
tolda-lhe o rosto formoso
alvacento, húmido véu,
traz perdida a cor de prata,
nas águas não se retrata,
não beija no campo a flor,
não traz cortejo de estrelas,
não fala de amor às belas,
não fala aos homens de amor.

Meiga Lua! Os teus segredos
onde os deixaste ficar?
Deixaste-os nos arvoredos
das praias de além do mar?
Foi na terra tua amada,
nessa terra tão banhada
por teu límpido clarão?
Foi na terra dos verdores,
na pátria dos meus amores,
pátria do meu coração!

Oh! que foi!... Deixaste o brilho
nos montes de Portugal,
lá onde nasce o tomilho,
onde há fontes de cristal;
lá onde viceja a rosa,
onde a leve mariposa
se espaneja à luz do Sol;
lá onde Deus concedera
que em noite de Primavera
se escutasse o rouxinol.

Tu vens, ó Lua, tu deixas
talvez há pouco o país
onde do bosque as madeixas
já têm um flóreo matiz;
amaste do ar a doçura,
do azul e formosura,
das águas o suspirar.
Como hás-de agora entre gelos
dardejar teus raios belos,
fumo e névoa aqui amar?

Quem viu as margens do Lima,
do Mondego os salgueirais;
quem andou por Tejo acima,
por cima dos seus cristais;
quem foi ao meu pátrio Douro
sobre fina areia de ouro
raios de prata esparzir
não pode amar outra terra
nem sob o céu de Inglaterra
doces sorrisos sorrir.

Das cidades a princesa
tens aqui; mas Deus igual
não quis dar-lhe essa lindeza
do teu e meu Portugal.
Aqui, a indústria e as artes;
além, de todas as partes,
a natureza sem véu;
aqui, ouro e pedrarias,
ruas mil, mil arcarias;
além, a terra e o céu!

Vastas serras de tijolo,
estátuas, praças sem fim
retalham, cobrem o solo,
mas não me encantam a mim.
Na minha pátria, uma aldeia,
por noites de lua cheia,
é tão bela e tão feliz!...
Amo as casinhas da serra
coa Lua da minha terra,
nas terras do meu país.

Eu e tu, casta deidade,
padecemos igual dor;
temos a mesma saudade,
sentimos o mesmo amor.
Em Portugal, o teu rosto
de riso e luz é composto;
aqui, triste e sem clarão.
Eu, lá, sinto-me contente;
aqui, lembrança pungente
faz-me negro o coração.

Eia, pois, ó astro amigo,
voltemos aos puros céus.
Leva-me, ó Lua, contigo,
preso num raio dos teus.
Voltemos ambos, voltemos,
que nem eu nem tu podemos
aqui ser quais Deus nos fez;
terás brilho, eu terei vida,
eu já livre e tu despida
das nuvens do céu inglês.

NÃO TE ENTENDO CORAÇÃO
Mas se não amo, nem posso,
Que pode então isto ser?
Coração, se já morreste,
Porque te sinto bater?
Ai, desconfio que vives
Sem tu nem eu o saber.



Porque a olho quando a vejo?
Porque a vejo sem a olhar?
Porque longe dos meus olhos
Me andam os seus a lembrar?



Porque levo tantas horas
Nela somente a pensar?


Porque tímido lhe falo,
E dantes não era assim?
Porque mal a voz lhe escuto
Não sei o que sinto em mim?
Porque nunca um não  me acode
Em tudo que ela diz sim?



Porque estremeço contente
Quando ela me estende a mão,
E se aos outros faz o mesmo
Porque é que não gosto então?
Deveras que não me entendo,
Nem te entendo, coração.



Ou me enganas, ou te engano;
Se isto amor não pode ser,
Não atino, não conheço
Que outro nome possa ter;
Ai, coração, que vivemos
Sem tu nem eu o saber.

AS ROSAS DE SANTA ISABEL
Onde ides, correndo asinha,
Onde ides, bela Rainha,
Onde ides, correndo assim?
Porque andais fora dos Paços?
Que peso levais nos braços?
Oh! Dizei-mo agora a mim?...

A Santa, regalos novos,
Frutas, pão, e carne, e ovos,
No regaço e braços seus,
Sem cuidar ser surpreendida,
Ia levar farta vida
Aos pobrezinhos de Deus.

Coram-lhe as faces formosas,
E responde:- "Levo rosas..."
Dom Dinis deitou-lhe a mão,
Ao regaço, de repente;
Mas de rubra cor vivente
Só rosas lá viu então!...

Como o tempo era passado,
Nos jardins, no monte e prado,
De rosas e toda a flor,
El-rei, cheio de piedade,
Nas rosas da caridade
Viu a bênção do Senhor!

E daquele rosal dela
Tirando uma rosa bela,
Que guardou no peito seu,
Disse-lhe:- "Em paz ide agora,
Que eu me encomendo, Senhora,
À Santa, ao Anjo do Céu."


João de Lemos de Seixas Castelo Branco Nascimento: Nasceu em 6-5-1819 no Peso da Régua e  faleceu em 16-1-1890 em Maiorca, na Figueira da Foz. Poeta ultra-romântico, nascido a 6 de Maio de 1819, no Peso da Régua, e falecido a 16 de Janeiro de 1890, em Maiorca, na Figueira da Foz, foi adepto da causa absolutista.

Licenciado em Direito pela Universidade de Coimbra, desempenha várias missões diplomáticas ao serviço de D. Miguel e dirige desde 1848 o jornal A Nação, órgão dos miguelistas. Depois da vitória dos liberais, exila-se em Inglaterra, onde compõe o poema que o notabilizou, “A lua de Londres”. ~
Colaborou na revista coimbrã O Trovador, de que foi um dos fundadores, bem como em outros periódicos, tais como a Revista Universal Lisbonense (1841-1859), a Revista Académica de Coimbra (1845-1854), o Prisma (1842-1843), a Ilustração (1845-1846) e o Cristianismo (1843).

O seu lirismo é imbuído de um sentimentalismo exagerado, com evocações nostálgicas da terra natal e da pátria, e marcado por um certo convencionalismo.

Bibliografia:
Obras poéticas:
- O funeral e a pomba: poema em 5 cantos
- Cancioneiro (1858-1867-  I volume: Flores e Amores, II  volume: Religião e Pátria e III volume: Impressões e Recordações)
- O livro de Elisa: fragmentos (1869)
- Canções da tarde (1875)
- Serões de Aldeia (1876)
- O tio Damião: poema lírico (1886)
- O Monge Pintor (1889)
Obras de Teatro:
- Maria Pais Ribeira: drama em 4 actos
- Um susto feliz: comédia
Artigos jornalísticos compilados:
- Os Frades
- Ele e Ela
- A Inquisição de 1850

Sobre o poeta reguense:

Sobre a sua obra:
Clique nas imagens para ampliar. Sugestão de J. A. Almeida e edição de J. L. Gabão para o blogue "Escritos do Douro" em Fevereiro 2012. Este artigo pertence ao blogue Escritos do Douro. Todos os direitos reservados. É proibido copiar, reproduzir e/ou distribuir os artigos/imagens deste blogue sem a citação da origem/autores/créditos.