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sábado, 5 de março de 2011

A visita dos bombeiros mirandellenses à villa da Regoa

O Comandante Afonso Soares (1892-1927), no seu livro “Apontamentos para a História da Vila do Peso da Régua”, editado em 1907, no capítulo dedicado à história dos bombeiros, assinalou uma visita dos bombeiros voluntários de Mirandela à então vila da Régua.

Essa visita aconteceu no dia 20 de Setembro de 1903 e coincidiu com a realização de outro acontecimento de grande significado para os bombeiros da Régua, a bênção do primeiro Estandarte que, nesse dia, foi benzido na Real Capela do Senhor Jesus do Cruzeiro (hoje Capela Senhor do Cruzeiro).

O primeiro estandarte dos bombeiro da Régua, de seda azul e branca, bordado a matiz e ouro, foi oferecido por “uma comissão de senhoras da melhor sociedade regoense” que era “composta das ex.rnas snr.as D. María Adelaide Costa Pinto, D. Isaura Lopes da Veiga, D. Margarida Clotilde de Bernardes Pereira, D. Clotilde da Costa Pinto, D. Maria Margarida Pereira e D. Virginia Augusta Pereira”.

Os bombeiros da Régua tiveram esse estandarte graças à generosidade daquelas senhoras que custearam as despesas. Segundo consta, o emblema foi desenhado pelo grande artista que era Afonso Soares.

Os dois acontecimentos tiveram honra de notícia no jornal “O Douro”, de 23 de Setembro de 1903, que Afonso Soares transcreveu quase na íntegra no seu livro. Ao que parece, o autor da noticia foi Afonso Soares, ele que brilhou como jornalista na imprensa local a escrever e a dirigir os jornais do fim do século XIX e os inícios do século XX.

Quem ler a noticia, rica em detalhes e pormenores,  fica a saber quase tudo o que se passou nesse dia, desde que o comboio da linha do Douro, vindo do Tua, parou na estação da Régua e os bombeiros de Mirandela foram recebidos com foguetes e o hino nacional tocado por uma banda de música.

Era um dia de Verão, mas chovia mansamente. As ruas da vila estavam embandeiradas e viam-se muitas pessoas para assistir à festa. O quartel, então situado no edifício do Largo da Chafarica (hoje Largo dos Aviadores) bem como as salas do andar nobre, estavam com “uma ornamentação muito vistosa, constante de ferramentas do serviço de incêndios, bandeiras, flores e festões de verdura”. A chuva que caía frequentemente não deixou que se efectuasse o exercício que os bombeiros da Régua tencionavam fazer em honra dos excursionistas.

Durante o percurso “os hospedes foram aclamados constantemente e cobertos de flores que, das janelas, adornadas de colgaduras, lhes deitavam as damas da nossa terra”. O ambiente era de festa, grande colorido e animação popular. Os bombeiros eram já  uma força viva da sociedade reguense e as suas manifestações não eram indiferentes à população que os apoiava e  deles se orgulhava: “Era encantador o aspecto das ruas, com as bandeiras drapejando ao vento, as casas embellezadas de colgaduras de seda, de todas as côres, nuvens de pé­talas e ramos cahindo sem cessar, e milhares de pessoas apinhadas nas janellas e nos passeios, acenando, com lenços e soltando vivas”.

O cortejo dirigiu-se para a Real Capela do Senhor Jesus do Cruzeiro. Aí efectuou-se a cerimónia da bênção da bandeira oferecida aos bombeiros pelas distintas senhoras reguenses. Seguiu-se a celebração de uma missa, acompanhada no coro pela tuna artística de Mirandela, que interpretou temas deliciosos do seu selecto reportório.

Por volta da 1 hora da tarde, reorganizou-se o cortejo que se dirigiu para a sede da associação. Orgulhosos, rua acima, os bombeiros da Régua levaram já hasteado o seu primeiro estandarte. No quartel, a comitiva foi recebida na sua sala nobre e os representantes das duas associações apresentaram cumprimentos mútuos e fizeram-se alguns discursos a assinalar os históricos acontecimentos.

Em nome dos bombeiros de Mirandela, usou da palavra o Sr. Silva, distinto advogado, para agradecera recepção magni­fica feita aos excursionistas e enaltecendo as bellezas na­turaes da nossa terra e os sentimentos dos habitantes della. Fallou com muita eloquencia, revelando uma vasta jntelligencia e um caracter muito nobre. Foi applaudido com muito enthusiasmo”.

Pelos bombeiros da Régua, foi Camilo Guedes Castelo Branco - chefe da segunda esquadra  e   vice-presidente da Assembleia- geral da Associação – que falou parar dar  “as boas-vindas aos nossos estimaveis visitantes e agradeceu a sua honrosa visita e os inolvidaveis testemunhos de apreço que a corporação de que faz parte e as demais pessoas que a acompanharam, em Abril de 1902, tiveram em Mirandella, pondo em relevo o quanto todos os excursionistas d'então vie­ram penhorados com as innumeras gentilezas que lá lhes prestaram”.
No eloquente discurso não esqueceu as damas reguenses beneméritas presentes, a quem respeitosamente manifestou a sua gratidão: “Aproveitando a occasião de estar no uso da palavra e de se acharem presentes a commissão offertante da bandeira e muitas outras senhoras d`esta villa, agradeceu-lhes, commovidamente, em nome dos seus camaradas, a alta e ínestimavel distincção que com tal offerta lhes foi conferida, e accrescentando que os bombeiros regoenses haviam de saber honrar sempre essa bandeira, em que viam concretisada a realisação de quaesquer ambições ou sonhos de gloria, que porventura ti­vessem tido”.

No fim da cerimónia, um gesto de simpatia não ficou despercebido a ninguém: “a Sra. D. Marta Benigna, uma respeitabilissima e amavel senhora da melhor sociedade mirandellense, offereceu aos bombeiros regoenses um rico e formoso ramalhete de flores artificiaes, com  uma dedicatoria muito honrosa”.

De imediato seguiu-se um “copo de água” oferecido pelos bombeiros da Régua, ser­vido numa sala contigua ao salão do tribunal – ao tempo, ficava no rés-do-chão do Edifício da Câmara Municipal - cedida amavelmente pelo juiz de di­reito,  Dr. Manuel Alves da Silva. Estiveram presentes as damas, os bombeiros e outros excursionistas, além dos re­presentantes das corporações e da imprensa local, mas o “logar de honra foi dado ao digno commandante dos bombeiros mirandellenses, o snr. Armindo de Castro, cavalheiro que gosa toda a estima e respeitos, pelas suas invulgares qualidades de intelligencia e carácter”.

Antes de acabar o animado repasto, houve tempo para os agradecimentos. Nas suas instalações, o senhor juiz de direito “brindou ás nossas conterraneas, cuja belleza e virtudes elogiou em sinceras palavras de justiça, alludindo, com muito brilho e felicidade, á bandeira, a cuja benção assistira, e definindo o muito que ella ficará sendo e valendo para a corporação a quem foi offerecida”. De imediato, o comandante dos bombeiros de Mirandela, o “Sr. Armindo de Castro, em termos vibrantes de sinceridade, saudou os bombeiros regoenses, a quem, bem como a todo o povo da Regoa, agradeceu a festa de que elle e os seus companheiros estavam sendo alvo”.

Entusiasmado com esta última saudação um elemento da corporação da Régua saudou e brindou os visitantes: “o sr. Gabriel de Gouvêa, phamaceutico da associação dos bombeiros regoenses, fallou brilhantemente, brindando a todos os excursionistas e, nomeadamente, ao snr. Ar­mindo de Castro”.

A festa de confraternização terminava ao meio da tarde. Na gare da estação, o comboio das quatro e meia já esperava pelos bombeiros de Mirandela, de volta à estação do Tua, para seguirem viagem até à sua terra.

Na hora da partida, a “despedida foi grandiosa e commovente” e era “indescri­ptivel o enthusiasmo dos cumprimentos e saudações que então se  trocaram”.

Nesta inesquecível visita, os bombeiros da Régua receberam os seus camaradas de Mirandela com muita amizade e um grande espírito de fraternidade. Mais que uma simples visita que marcou as vidas de homens e mulheres foi momento histórico em que duas associações, já cheias de passado, conseguiram ser pioneiras, dentro do mesmo espaço geográfico, a região de Trás-os-Montes e Alto Douro, de um gratificante intercâmbio de relações humanas e profissionais.

Ao ser evocado pelas novas gerações, este encontro não pode ser observado apenas como um exercício de revivalismo, mas como uma lição para que se faça aquilo que deve ter ficado nas mentes dos nossos antecessores, a geminação das suas associações. Mais do que nunca, os bombeiros precisam de criar laços de amizade e fraternidade, de estabelecer protocolos de cooperação em áreas da protecção e do socorro e de aproximarem os saberes e as experiências de cada corporação.
Da nossa parte, como actuais dirigentes dos bombeiros da Régua, estamos convencidos que estes bons exemplos não devem ficar apenas lembrados nas páginas da história. Por serem genuínos deve-lhes ser dada uma continuidade no presente, numa atitude solidária entre os bombeiros voluntários da Régua e os de Mirandela.


A história desta inesquecível visita dos bombeiros de Mirandela pode repetir-se. Desde que haja uma vontade capaz de inovar uma tradição que proporcione mais compromissos entre as duas associações e, talvez, mais visitas dos bombeiros mirandelenses à cidade da Régua.
- Colaboração de J. A. Almeida* para "Escritos do Douro" em Março de 2011. Clique nas imagens acima para ampliar.
  • *José Alfredo Almeida é advogado, ex-vereador (1998-2005), dirigente dos Bombeiros Voluntários de Peso da Régua entre outras atividades, escrevendo também crónicas que registram neste blogue e na imprensa regional duriense a história da atrás citada corporação humanitária, fatos do passado da bela cidade de Peso da Régua.
A visita dos bombeiros mirandellenses à villa da Regoa
Jornal "O Arrais", Quinta feira, 24 de Fevereiro de 2011
(Dê duplo click com o "rato/mouse" para ampliar e ler)
A visita dos bombeiros mirandellenses à villa da Regoa

terça-feira, 4 de maio de 2010

O Retrato de D. Luís I

Aquele retrato emoldurado do Rei D. Luís, que sobressai na penumbra de uma parede da sala museu dos bombeiros da Régua, só pode causar algum mistério e uma certa admiração aos que desconhecem os méritos e a grandeza da associação.

O retrato do rei, de meia-idade, de olhar expressivo, misto de serenidade e bondade, faz parte da galeria de retratos de ilustres benfeitores e beneméritos da associação.

A razão para o rei figurar entre importantes personalidades da sociedade reguense é simples. Os primeiros bombeiros e fundadores da Associação deram a El- Rei D. Luís o título de sócio e Presidente Honorário, como manifestação da sua gratidão pelo reconhecimento de Sua Majestade à associação com a atribuição de uma das maiores distinções honoríficas: o titulo de Real.

Por carta régia, assinada em 13 de Junho de 1882, o Rei D. Luís, atribuiu à AHBV do Peso da Régua o título de Real, nestes termos:

“Dom Luís por graça de Deus Rei de Portugal e dos Algarves faço saber aos que lerem esta minha carta que atendendo ao que me representou a Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários do Peso da Regoa e querendo dar-lhe público testemunho do apreço de que tenho a mesma Associação pelos seus úteis e filantrópicos fins a que se destina. Hei por bem conceder-lhe o título de REAL, podendo assim de ora em diante intitular-se Real Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários do Peso da Regoa”.

Uma associação que ostenta o retrato de um rei entre os seus maiores benfeitores revela serem radiosos os seus primórdios e estar repleto de glórias o seu passado. Fundados em 1880, os bombeiros da Régua nasceram da ideia de um grupo de 26 homens generosos, liderados pelo escrivão de direito Manuel Maria de Magalhães, que do nada, sem grandes apoios, souberam criar um corpo de bombeiros voluntários, inspirado na tradição humanista. Esse ideal vingou, cresceu e tornou-se cada vez maior nos nossos dias, reinventando-se nos seus nobres objectivos para conquistar o futuro. Por isso, o retrato de D. Luís tem um valor simbólico, ao fazer evocar o génio e a determinação dos fundadores da associação.

Em 28 de Novembro de 1882, a Associação comemorava o 2º aniversário da “instalação”. A organização estava no princípio. Eram dados os primeiros passos para afirmação de uma organização sólida na segurança e protecção de bens e vidas e que servisse para engrandecimento, bem-estar social, económico e cultural dos cidadãos reguenses. Os seus fundadores, homens de grande valia e formação moral, projectaram-na para servir os seus ideais humanistas. Só assim se explica que, quase desde a nascença, tenha alcançado o reconhecimento pelo poder público de um serviço de utilidade pública.

Não admira que a primeira grande distinção nacional tenha deixado regozijados o seu director, o Comandante Manuel Maria de Magalhães e os associados mais dinâmicos. O título de Real Associação era um sinal de prestígio para todos os bombeiros. Até àquela data, era das poucas associações humanitárias que podiam orgulhar-se de contar no seu historial, uma distinção honorífica tão valiosa.

Este homens, entendendo o seu significado e a sua importância para a afirmação dos bombeiros, querendo engrandecer as comemorações desse aniversário, decidiram organizar uma festa de agradecimento a Sua Majestade D. Luís I. Pretendiam demonstrar-lhe não só a gratidão pelo louvor concedido, mas também fazer em sua honra uma cerimónia de inauguração de um “retrato de sua Majestade, o Senhor El-Rei D. Luís I, Presidente Honorário da Associação.”

O Rei D. Luís esteve oficialmente, por duas vezes, na Régua. A primeira foi em 1872, ainda a corporação dos bombeiros não tinha sido fundada. O monarca deslocou-se para se inteirar do início dos trabalhos de construção da ponte rodoviária que ia ligar a Régua a Lamego. Sensível às causas sociais, ao tomar conhecimento que não havia hospital na localidade que visitava, apelou a que se criasse um, para o que fez, de imediato, uma contribuição monetária no valor de 500 mil réis. Os reguenses fizeram-lhe a vontade. Em pouco tempo, fundaram numa velha casa da Rua de Medreiros, um hospital, ao qual deram o nome do rei: Hospital D. Luís I. Mais tarde, em 1889, esse hospital foi transferido para a Casa Grande, um velho solar brasonado, onde funcionou até 1957, ano em que passou a ocupar um edifício construído de raiz, na Praça Delfim Ferreira. Apesar de ter cada vez menos valências e serviços, o velho hospital público, mantém-se em funcionamento, se bem que integrado no Centro Hospitalar de Trás-os-Montes e Alto-Douro.

Em 1881, o Rei D. Luís voltou a visitar à Régua, deslocando-se num comboio especial, numa viagem pela linha do Douro, acabada de construir, que fez a partir da estação do Porto. Chegado com a sua comitiva à estação da Régua, o recém-criado corpo de bombeiros da Régua esperava Sua Majestade com uma guarda de honra, ao qual apresentou continência, acompanhando-o em cortejo pelas ruas principais da vila, até aos Paços do Concelho.

Nessa segunda visita, Sua Majestade travou conhecimento com o Comandante Manuel Maria de Magalhães com quem ficou a manter uma relação de amizade. Isto é o que nos revela na crónica “Bons e Maus Exemplos”, o escritor João de Araújo Correia: “Contavam os antigos reguenses que o Rei D. Luís, dando o título de Real à associação dos nossos bombeiros, em 1882, se relacionou, amistosamente, com o fundador e primeiro comandante da corporação - Manuel Maria de Magalhães.

Contavam também que D. Luís se carteava com ele. Apesar de ser rei, não se desdenhava corresponder-se com um escrivão. Creio que foi escrivão o comandante Manuel Maria de Magalhães.”
(Clique nas imagens acima para ampliar)

Ao tomarmos conhecimento destes pormenores singulares, o retrato de D. Luís I, se já tinha elevado valor histórico, associado ao primeiro reconhecimento da associação pelos poderes públicos da nação, adquire maior significado como motivo orgulho para os seus activos quadros dirigentes, comando e corpo de bombeiros, que nunca podem esquecer um cidadão exemplar como foi o seu fundador e Comandante Manuel Maria de Magalhães.
- Peso da Régua, Maio de 2010, J. A. Almeida.