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sábado, 31 de dezembro de 2011

O Sport Clube da Régua

Neste último dia do ano de 2011, não esquecemos:  Sport Clube da Régua - Fundada em Novembro de 1944 é a Associação Desportiva com maior representatividade da cidade do Peso da Régua e com a qual a cidade mais se identifica. Muito contribuem para isso as cores vermelho e branco em forma gironada das suas bandeiras assim como os símbolos do Barco Rabelo e do Douro estampados nos seus escudos. "Poderá dizer-se que é o clube do coração de todos os Reguenses - In http://sportcluberegua.blogspot.com/
O distinto causídico Dr. Júlio Vilela, figura inesquécivel do universo reguense...
Botões de Punho...
Emblema de Lapela...
Mais três relíquias dos anos 40, demonstrativas do amor que os fundadores tinham pelo nosso clube. Estes botões de punho e os emblemas de lapela, são o embrião daquilo a que hoje se chama Merchandising. Por isto, vejam o que "à frente" estavam estes dirigentes. O estar "à frente", o ser pioneiro, é uma das grandes características do nosso S.C. Régua.
Palavras para quê? São seis insignes reguenses que fizeram parte de uma direcção dos anos 40/50 tendo à cabeça como Presidente o Exmo. Dr. Rui Machado, também ele médico do clube.
De pé da esquerda para a direita: Abeilard, Carvalhais, Peseta, Nora, Canudo, Jerónimo e Colega.
Em baixo da esquerda para a direita: António Monteiro, Tadeu, Gervásio, Canário e Fernando.
Esta fotografia representa a equipa de 1945, um ano após a formação do nosso clube. De todo o espólio fotográfico de que dispômos é a mais antiga, como consequência têm um valor incalculável. Muitos dos reguenses ainda se lembram destes pioneiros e gloriosos atletas.
Cartas de longe: As cartas enviadas por Jaime Ferraz Rodrigues Gabão, desde Porto Amélia em Moçambique sobre o Sport Clube da Régua.
Uma das cartas:

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

Naquele meu tempo

O CORETO do extinto 'Jardim Alexandre Herculano'

Naquele meu tempo – digamos melhor, entre os anos de 1933 e 1943 – indo a minha idade dos 11 aos 21 anos, eu tinha um grupo de “amigos do coração”, junto dos quais eu,  nas redondezas, costumava satisfazer os meus prazeres, o da conversa de todos os dias, o dos passeios a pé até ao Salgueiral, o dos “copos” (com que nos desdenhávamos e onde havia do melhor…), o das idas até Além Douro, o dos pontapés na bola em qualquer sítio, enfim, os gostos de rapaz. Neste grupo, que me lembre, estavam o Carlos Cardoso dos Santos (que ainda não pensava servir como Comandante dos Bombeiros), o Engenheiro Joaquim Rodrigues Guerra (um amigo “malandreco”, que mais parecia ser ainda um menino…), o Rogério  (uma jóia de rapaz e, talvez, o melhor jogador  de futebol, filho da nossa terra, que a “parca” ceifou deste mundo com escassos 30 anos, vítima da tuberculose que, então, nos espreitava a todos…), o Cassiano (que ganhava a vida na loja do “Mumu” e de quem eu nunca mais nada soube) e mais um ou outro que, eventualmente, se aproximava deste nosso grupo, que era bastante fechado.

Em curtos períodos daquela década, acontecia nos afastarmos uns dos outros, por causa dos estudos fora da Régua ou por outros afazeres, muitas vezes eventuais.

Lembro-me com especial saudade dos passeios que dávamos até ao Salgueiral, muitas vezes quase até ao Moledo, melhor dizendo, até ao nosso campo das Figueiras, onde se iniciou, à falta de melhor, o Sport Clube da Régua. Fazíamos quilómetros e quilómetros sem darmos por ela, conversando saudavelmente sobre tudo e sobre nada, um dichote daqui, um dichote dali, aproveitando temas ocasionais, que iam do cruzamento com pessoas por quem passávamos até às ocorrências locais e nacionais de cada dia, e que desbravávamos até ao tutano… Outras vezes, aos fins de tarde, íamos lanchar (quantas vezes, quase jantar…) ao “Gato Preto”, na avenida João Franco, onde apreciávamos a boa “pinga”, que, frequentemente, acompanhávamos com umas coxas de leitão,  com umas iscas de bacalhau ou com umas sardinhas de escabeche, etc. e tal…!

Noutras ocasiões, virávamos as nossas passeatas para o sentido contrário, até à Ponte de Ferro, na qual parávamos e donde admirávamos a nossa terra, lá ao longe, e mirávamos o nosso lindo rio, claro... Raramente íamos para lá da Ponte, nela ficávamos, entretidos com o movimento, com os carros de bois, com pessoas que a atravessavam, assim nela ficávamos…

De noite, a cidade mantinha-nos dentro dela, com atractivos diferentes, mais íntimos, guardando-nos no café Imperial, se bem me lembro do seu nome, o único por ali existente. Nele, ficávamos até cerca da meia-noite, se tanto… Aqui, conversávamos urbanamente (boa noite, como passou e coisas deste jeito), ou espreitando uma rapariga que calhasse passar nas redondezas, quando, então, nos chegávamos a levantar da mesa para a apreciar melhor… No café, muito naturalmente, falávamos também dos futebóis, do Benfica e do Sporting, que o Porto ainda não tinha a corpulência de hoje, o que o Pintinho da Costa inverteu... Conhecíamos as futebolices pelas transmissões pela rádio, que a TV ainda não existia cá, pelas nossas bandas… Embora na urbe, não tínhamos tendências para bailes, que não os havia, salvo em raros ambientes familiares.

No verão era frequente irmos passar o tempo para a margem esquerda do rio, bem em frente da cidade. Tomando umas banhocas e secando ao sol benigno… Para lá chegarmos, utilizávamos a barca do “Carvalho”, que uma possante remadora movimentava.

Então, de que outras figuras da Régua me lembro? Verdadeiramente típicos, recordo-me do Porrório, um coitado, um modesto homem, quase sempre com uma “pinguinha” na asa – não muita, salve-o Deus, Nosso Senhor - um pobre estimado por toda a gente, uma verdadeira curiosidade. Refiro muitas vezes os seus encontros com o meu irmão Júlio, quando este regressava do seu escritório, perto do monumento dos aviadores. O Porrório costumava esperá-lo perto da loja do Borrajo, por onde pairava frequentemente. Quando o meu irmão chegava, era certo saudarem-se os dois com um “Vivó Benfica”, que logo tornava o Porrório mais “social”. Depois, aconteciam chorrilhos de disparates muitas vezes provocados por outras pessoas, que assistiam deliciadas e embevecidas à conversa que se  travava, como era costume. A gente que estava nas imediações do Borrajo, do Zé Pinto, da Padaria não deixava de se aproximar, fazendo monte. Depois, um pequeno cortejo iria desfilar, muito lentamente, até casa do meu irmão, na rua da Ferreirinha. Era assim quase todos os dias, ninguém se cansando com o palavreado que travavam, com o meu irmão sempre atencioso com o Porrório, de quem verdadeiramente era amigo e que muito estimava. Constituíam um espectáculo muito singular e atraente. Que paciência o meu irmão tinha, ele, uma pessoa tão diferentes na cultura e na mente!... A conversa acabava sempre com um cigarrito e com o fósforo que o acendia, que o meu irmão lhe dava, satisfazendo-se ambos. Mas, não esqueçamos o embaraço que assaltava o Porrório, quando o meu irmão lhe pedia que dissesse bem a palavra “inconstitucionalmente”, que o Porrório nunca foi capaz de pronunciar capazmente, antes gaguejando e gaguejando cada vez mais, como se atropelando a si próprio, proferindo uma palavra sempre diferente, que ninguém entendia… Depois, sozinho, continuava a proferir uns sons, rua fora.

Levados a sério estes encontros, eles proporcionariam interessantíssimos espectáculos “circenses”, com um palhaço rico e um palhaço pobre no máximo das suas capacidades histriónicas, a que todos adeririam com prazer e com respeito.

De outras figuras – que considero não propriamente típicas, mas sim algo “senhoriais“ e singulares, a  quem eu respeitava, não só por serem muito mais idosas do que eu era, mas mais por gozarem de excepcional prestígio entre os concidadãos – sou capaz de fazer algumas referências.

Antes de qualquer outro, refiro a figura de meu avô Gaspar Monteiro, homem prestimoso, um homem alto e forte, decidido, conceituado, que eu estimava com todo o meu coração e que para mim serviu sempre de exemplo que eu gostava de seguir. Seria sempre o meu preferido.

Talvez a seguir, lembro o doutor Antão de Carvalho, paladino da nossa região, que desfilava nas nossas ruas sob o olhar respeitoso de toda a gente, impressionando com os seus cabelos  muito alvos, apoiando-se na sua bengala, com passos cautelosos mas firmes. Como grande senhor que era, os nossos conterrâneos cumprimentavam-no, descobrindo-se à sua passagem. Criança que eu era lembro-me bem de sempre descer do passeio para lhe facilitar a passagem, enquanto ele me retribuía a atitude com um acenar de mão ou um sorriso, o que me sabia muito bem. Eu conhecia-o das relações que ele tinha com os meus pais e das conversas que tinham sobre as causas da nossa região, que, não as entendendo, me impressionavam, por serem longas e vivas. Deste grande senhor, paladino da nossa região, guardo uma imagem ainda muito viva, apesar de passados alguns 80 anos!...

Outra figura que retenho, menos seguramente, é a do Artur Martinho, homem com aparato de fidalgo, com algum tamanho, que desfilava teso como um perdigão, e que toda a gente respeitava.  Costumava parar pelas lojas do Zé Pinto e do Borrajo, no Cimo da Régua, onde ficava por horas e horas. Tinha um automóvel descapotável, que muito me impressionava. Era sua esposa, a senhora D. Branca, estimável protectora dos pobres da Régua, que gozava de enorme prestígio, como pessoa de bem.

Lembro-me de muitas outras pessoas da nossa terra. Do Lourencinho, por exemplo, figura ilustre dos nossos Bombeiros, que me dava nas vistas pela sua apresentação, como me lembro de outras, também ligadas aos Bombeiros, como o Claudino, o seu irmão Teófilo e o Coutinho, todos muito estimados pela população.

Fugazmente, lembro-me de muitas outras pessoas, afastadas de mim, principalmente pelas distâncias na idade, que nos separavam. Recordo-me, no entanto, do popular Dário, como bom caçador de perdizes que era, que morreu no rio Douro, numa cheia, ao ser apanhado pelo redemoinho que a ponte de pedra ocasionava, que lhe afogou o barquinho em que ia, exactamente quando se preparava para caçar uns patos bravos. Esta tragédia sensibilizou muitos reguenses.

Curiosamente, recordei – exactamente neste momento - o médico Dr. Ernesto Santos, que vivia uns metros acima do edifício da Câmara, passando na rua dos Camilos, montado num cavalo branco, a caminho de Poiares ou coisa semelhante, para lá do Corgo. Também para ele, o automóvel ainda não lhe estava à mão.

Aproveito para lembrar outro reguense que ficou extremamente popular, quando ousou inscrever-se numa “Volta a Portugal”, em bicicleta. Refiro-me ao Sotero, que ganhava o seu pão vendendo lotaria. Fez, na Volta, fraca figura: atacado por qualquer indisposição intestinal, ficou enfraquecido, mas conseguiu finalizar a prova, o que, para a gente da Régua, foi uma grande facécia. Coitado, sem médicos que especialmente o acompanhassem, que podia ele mais conseguir?

Houve outras figuras, que, na altura, me ofereceram especial atenção, talvez, principalmente, pelos laços familiares que me ligavam a elas. Não querendo excessivamente alargar-me em referência que me tocam de alguma maneira, ouso ainda citar, mais uma vez, o meu irmão, o Dr. Júlio Vilela, que, além de muito bom advogado, era um excelente companheiro nas paródias, um bom fadista, que tocava viola e que cantava bem o samba. Era homem que sabia estar bem em qualquer palco, companheiro solidário de toda a gente, homem que gostava da mesa, onde apreciava um bom vinho e a boa comida. Foi importante para os nossos Bombeiros e para o Sport Clube da Régua. Todos o disputavam para sua companhia. Parece-me ficarem bem aqui, estas referências aligeiradas.

Outra citação que, aqui, também não ficará mal de todo, embora por motivos menos elogiosos, é aquela que vou fazer a meu cunhado Manuel Carlos Pereira, o Lalá dos seus amigos e da família. Ele, meio amalucado, foi possuidor de um espampanante Ford V8, que, na época, era um automóvel quase revolucionário. Este meu cunhado fartou-se de leviandades. Foi um autêntico “terrorista”, quando, pelas ruas da Régua, passava a toda a velocidade, amedrontando os reguenses e pondo a GNR a olhar para o lado, para não ver o V8 a roncar por ali fora.

Enfim, talvez muitas outras pessoas merecessem  ser referidas. Os casos que citei, foram os que me vieram à mente de imediato. Outros me saltariam, se mais tardasse em encerrar esta memória. Por exemplo, de súbito, vieram-me ao cima as facécias do Rebelo, popularíssimo funcionário da Casa do Douro, ao pé e quem ninguém conseguia manter-se sério. Tornou-se célebre pelos seus despachos “tribunalíceos”, cheios de humor e de curiosidade, ditos de viva voz, com toda a ênfase e  seriedade. Foi uma pena não haver na altura, os gravadores com a mesma facilidade de hoje, assim se perdendo intervenções que “escangalhariam” qualquer reunião de parodiantes.

De quem me terei esquecido?... Lamento, mas tenho já as minhas naturais limitações, que a minha memória já não é o que sempre foi. Mas, para fazermos um pequeno retrato dos meus tempos na Régua, como éramos e o que fazíamos,  creio que já chega. Ficaram as lembranças de um tempo, com preocupações diferentes das de hoje, com modos de viver mais restritos e menos abertos. A vida de hoje pouco tem a ver com a da década que claramente delimitei. Os avanços tecnológicos foram imensos, a televisão, a penicilina, os aviões a jacto eliminaram os de hélice. Até o tradicional comboio, suporte de muita e muita  gente, foi praticamente eliminado pelo automóvel, embora com algum proteccionismo de políticos e a força dos industriais do sector, assim o individual se sobrepondo ao colectivo, ignorando, disparatadamente, o maior custo individual  dos transportes e a sua menor rentabilidade. Porém, hoje somos mais livres e os horizontes mais extensos. Coisas para meditar… Ou não será assim?...
- Abeilard Vilela, Fevereiro de 2013.

Clique nas imagens para ampliar. Sugestão de texto do Dr. José Alfredo Almeida (JASA). Edição de imagens e texto de J. L. Gabão para o blogue "Escritos do Douro" em Fevereiro de 2013.. Este artigo pertence ao blogue Escritos do Douro. É permitido copiar, reproduzir e/ou distribuir os artigos/imagens deste blogue desde que mencionados a origem/autores/créditos.    

sexta-feira, 15 de março de 2013

A Régua de outros tempos…

A transmissão dos conhecimentos que vamos adquirindo ao longo dos anos de vida – conhecimentos de ordem prática, de que cada um recolhe  lições como  as entende – parece-me, realmente, ser um procedimento conveniente. Em resultado das sensibilidades e do entendimento das coisas por cada um, - talvez, até, por vezes, com entendimentos contraditórios, dos mesmos fenómenos – julgo eu que resulta para  cada um de todos os outros e para todos, simultaneamente, um afunilamento de percepções mais ou menos diferentes, mesmo mais ou menos opostas. Apreciadas e amadurecidas pelas sociedades, tais percepções constituem a verdadeira história e conduzem-nos aos conhecimentos certos, em todas as suas formas, considerando as suas causas e permitindo-nos prever melhor as consequências. Estes conhecimentos, vindos de várias fontes, são os que correspondem às realidades vividas em cada tempo, afastam ficções, são menos inexactos, mais merecedores de confiança.

É dentro desta convicção que me abalanço a  relembrar factos que vivi em tempos passados – há mais de meio século – que, por vezes, me sairão tratados com menos acerto, traído que serei pelo muito tempo já decorrido, nunca se podendo esquecer que eu próprio sofri mudanças de entendimento, acompanhando as evoluções tecnológicas, o efeito das modernidades, as influências dos avanços da nossa sociedade. Na verdade, os meus olhos de hoje não entendem as coisas de hoje com o entendimento que, certamente, teriam tido setenta anos antes. Os mesmos factos, passando sobre eles o tempo, evoluem também, por razões de modernidade e de desenvolvimento, por todas as razões que nos cercam.

Ressalvando possíveis adulterações das realidades que vivi naquele tempo, pelas razões tão apressadamente já referidas – ouso relembrar a situação política e social que se atravessava no nosso País no período de 1941 a 1945, andava eu pelos meus 20 anos de idade, quando, então, estava vivendo na Régua, esperando o meu arranque para a vida de trabalho que estava chegada.

Antes de mais, quero destacar que a Régua era marcada pelos acontecimentos nascidos da guerra civil, que pouco antes cessara em Espanha, e pela guerra mundial que acontecia em pleno, logo de seguida à da Espanha.

A pobreza e a modéstia de vida da nossa gente eram uma evidência: - estava instituído o racionamento dos géneros alimentícios e de muitos outros, o que dificultava a vida, principalmente dos homens das vinhas; a tuberculose (a tísica, como lhe chamavam) matava gente aos milhares; os pequenos proprietários das vinhas confrontavam-se com as poucas senhas de racionamento; os “pés-descalços” de mulheres e crianças  passavam abundantemente pelas ruas da vila e das freguesias; o analfabetismo dominava toda a Região; os empregos eram poucos e mal remunerados; os trabalhadores das vinhas, mourejando desde o romper da manhã até ao findar das tardes, recebiam de salário 9$00 diários, quando calhava encontrarem trabalho; comia-se correntemente sardinha salgada, que se comia pela metade, e que se vendia em barricas, mal cheirosas… A Casa do Douro, cujo edifício acabara de ser construído, dava um ar da sua graça, garantindo trabalho regular a alguma gente da Régua e das terras limítrofes, e que, tal como a actividade dos caminhos-de-ferro, na Régua - importantíssima, pelo movimento que trazia para a vila e pelos empregos que garantia - eram as felizes excepções a tão degradada situação. No Largo da Estação, o movimento era também importante, contrastando com as inactividades regionais.

Se os mais desprotegidos conheciam extremas dificuldades, os mais favorecidos não deixavam de conhecer também algumas dificuldades. Toda a população lutava dificilmente para  garantir algum nível de vida, sendo de destacar a actividade comercial, que continuava o seu relacionamento, embora mais limitado, com toda a Região, de que era o centro.

A Juventude, porém, com poucas escolas capazes de ministrar conhecimentos mais desenvolvidos, estudava em cidades próximas, em Lamego e em Vila Real, desenraizando-se da Régua, a sua terra natal. Grande parte desta juventude, menos favorecida, impossibilitada, ficava pelas aldeias, onde imperavam o analfabetismo e o alcoolismo, com as consequências inerentes.

O desporto – uma actividade própria da juventude – era, na Régua, uma actividade de prática quase impossível. Os terrenos que envolvem a Régua eram caríssimos, fora das veleidades dos jovens da nossa terra. Antes da época em que enquadro estas referências, conheci um espaço, na margem esquerda do rio, a que chamávamos um campo de futebol. Estava situado onde está, hoje, o cais de mercadorias. Quase ao mesmo nível  das águas do rio, que corriam no verão, a mais pequena subida das águas impedia qualquer utilização. Sendo assim, também era impedida qualquer utilização regular, pelo que deixou de ser procurado. A Régua não tinha, sequer, um rudimentar campo de jogos, por isto mesmo a juventude, sem possibilidades de bem utilizar os seus tempos livres, sem bibliotecas, perdia-se pelos cafés, pelos bares onde melhor se bebia, nos bilhares, enfim numa vacuidade censurável.

As actividades comunitárias eram de prática rara e mais raras, ainda, para os jovens. Lembro-me, no entanto, do grupo das “Andorinhas”, que foi criado sob a égide da senhora D. Branca Martinho e em que o meu irmão, Júlio Vilela, foi seu principal dinamizador, animando os palcos com canções brasileiríssimas e com bem cantados fados portugueses, dedilhando a viola, representando e dando dois dedos de conversa com o povo. A iniciativa foi viva durante bastante tempo e bem serviu a população da nossa terra, que aderiu em absoluto aos muitos espectáculos realizados.

Mas, por vezes, aparecem surpresas na monotonia das coisas. Na rua da Ameixoeira, um grupo de rapazes, quase todos trabalhadores nas oficinas do Corgo, resolveram juntar-se, para constituírem um grupo de futebol, que ia dando uns pontapés na bola pelos campos das aldeias dos arredores e num bocadinho de terreno, que viria a ser o “Campo das Figueiras”, bem perto do túnel que está entre o Moledo e o Salgueiral. Este grupo, aperceberam-se disso os seus organizadores, era muito desequilibrado, faltando um mínimo de qualidade em vários postos da equipa.

Paralelamente, também eu, com o meu restrito grupo de amigos, tomámos idêntica iniciativa e constituímos igualmente um grupelho para jogar a bola, grupo que enfermava das mesmas falhas do grupo dos Ferroviários, faltava-lhe gente minimamente habilidosa. Um dia, o Fernando, tipógrafo de profissão, e o Manuel, das oficinas do Corgo, vieram-me pedir que passasse a jogar pela equipa ferroviária, com o que vieram ao encontro de constituirmos um grupo único e de melhor qualidade. Prometi-lhes conseguir também a colaboração de outros jogadores do meu grupelho, como eram o Carvalhais, o António Monteiro, propondo-lhes que, partindo desta unidade, nos esforçássemos por legalizar o novo grupo em constituição, mais lhes prometendo conseguir a colaboração, para o efeito, do meu irmão Júlio, e de vários amigos deste, todos eles homens de alguma notoriedade no nosso meio, o que, de certo modo, poderia dar boas asas ao grupo. Foi assim que, realmente, nasceu o Sport Clube da Régua, que, de imediato, no “campo das Figueiras”, obteve muitas e variadas vitórias, incluindo sobre grupos da cidade do Porto, como o Académico (recheado de jogadores estrangeiros, refugiados de guerra), do Boavista, do Salgueiros e de outros, que, embora de menos categoria, deram um certo nome ao Sport Clube.

Não devo esquecer, contudo, que, para a nossa fama, muito contribui o “Peseta”, glória do Boavista e da Académica de Coimbra, que, como regente agrícola, viera servir para a Casa do Douro. Foi treinador da nossa equipa e deu-nos um mínimo de organização e eficiência, pelo que será um nome a nunca esquecer pelo Sport Clube da Régua.

Parece-me, nesta oportunidade, dever relembrar alguns dos companheiros que, comigo, alinharam no novel S.C. da Régua, onde deram o que mais podiam e sabiam, com dedicação, constituindo um grupo muito igual. Não gostaria de distinguir mais uns do que os outros, mas não posso deixar de referir aqueles que mais directamente me protegiam as redes, os meus “backs”, as minhas defesas: o Carvalhais, meu particular amigo, que já vinha de outras lides, como a da caça, um futebolista que tinha o dom de adivinhar as minhas “saídas” da baliza a destempo, logo me substituindo nelas, o que me facilitava a função; o Jerónimo, a minha melhor defesa, um habilidoso, que desarmava facilmente os adversários, elegante, limpo e leal no jogo, funcionava como um aloquete; e o Colega, poderoso, rápido, com muito bons pés, um excelente atleta. Eu, com eles, constituíamos uma barreira difícil de ultrapassar. Merecem-me estas referências, porque me safaram de muitas dificuldades e em todos os jogos me deixavam bem-disposto e confiante.

Mas uma equipa de futebol não eram quatro, mas sim, naquela altura, 11 elementos: os três médios, de que recordo mais o Santos Melo e o Gervásio, bons jogadores em qualquer parte; e os cinco avançados, de que lembro uma importação vinda de Lamego, o Manelzinho (excelente, um “driblador”), outra, o Toni (vinda do Pinhão, possante e que rematava com muita eficácia) e, ainda, o Canário (pequenino, rápido, um excelente extremo). E alguns outros, menos efectivos na equipa, mas sempre capazes, quando utilizados, e que ajudavam à robustez e pujança da nossa equipa. Estes foram os rapazes que fizeram fama, principalmente no campo das Figueiras, talvez por ser um terreno de pequenas dimensões.

Do campo novo, na curva da estrada, com o nome de José Vasques Osório, já dentro da Régua – que foi uma aquisição excepcional e de uma construção gloriosa – guardo também gratas recordações, mas, nele, vim a jogar  por pouco tempo, que a vida, em breve, me levaria para longe, por pouco  tempo para Chaves (onde, ainda, continuei a jogar futebol pelo “Flávia”) e, mais definitivamente, para a Guiné, onde o Comando Militar não me autorizou, “prudentemente”, a jogar…

Ainda no período de criação do S.C. da Régua, fomos fazer um jogo de apresentação a Vila Real, satisfazendo o desejo de confrontação que tínhamos e para nos avaliarmos em relação à valorosa equipa da capital do distrito. Conseguimos, fora de portas, um empate, o que causou grande alegria, quando do regresso à Régua, a toda a gente que se deslocara em comboio especial a Vila Real e, depois, na vila, onde fomos recebidos com foguetes!... A Régua parecia ter acordado.

Também nos exibimos em Lamego, com menos interesse, por menor valor representativo da representação lamecense, mas em outras deslocações que fizemos, por Trás-os-Montes, pelo Minho e pelo distrito do Porto, continuámos sempre na senda dos bons resultados. Ainda hoje guardo algumas boas recordações das nossas deslocações a Mirandela, Bragança, Chaves, Constantim, Fafe, Amarante, Penafiel, Lamego e outros locais.

Mas seríamos muito injustos se não fizéssemos algumas referências à acção dos vários dirigentes do clube. À cabeça, ponho o meu irmão, o Dr. Júlio Vilela, e faço-o mais uma vez com todo o gosto. Presidente do clube, que foi, foi ele também que estudou e preparou os estatutos, foi ele que dinamizou o aproveitamento do terreno de jogo do novo campo, que, na Régua, foi uma verdadeira novidade. Encontrou o meu irmão companheiros que o ajudaram na sua tarefa, como foram o Azevedo (da padaria), um dirigente que me ofereceu do seu bolso umas botas de futebol, e outros, como o Bonifácio, que, semanalmente, apitava e bem, sem reclamações, os jogos que fazíamos, apesar da sua costela ser, à evidência, reguense. E o Mendes de Carvalho. E outros dois, também padeiros, mas cujo nome já não recordo…

Até eu… que tentei arrancar alguns jovens para a prática do basquete e do atletismo, mas sem êxito. Ainda consegui que se fizesse um festival nas traseiras da Câmara, mas não passei daí, que os jovens não aderiram com qualquer interesse.

Foi assim que, naquela época dos anos 40, vimos implantado na Régua o passatempo do futebol, com um espírito saudável, de amadorismo puro, mas com algum relevo. Hoje, homem velho, sinto alguma vaidade pela minha comparticipação em tal motivação útil e saudável. Creio que o futuro do clube está garantido, já tem algum suporte histórico, por ele passou já muita gente que beneficiou da sua existência. Mas o S.C. da Régua não pode viver de memórias, antes tem de se revitalizar todos os dias. Os resultados do clube não se medem pelos resultados dos jogos, mais se avaliam pelo compostura dos seus sócios e dos seus atletas, pela abrangência das suas actividades, pela extensão cívica de toda a sua acção. “Mens sana in corpore sano” - deverá ser um lema cada vez mais a orientar as gentes do S. C. da Régua, vencendo barreiras e dificuldades sem esmorecimentos.

Viva a Régua!
- Peso da Régua, Março de 2013, Abeilard Vilela
Clique nas imagens para ampliar. Imagens e texto cedidos pelo Dr. José Alfredo AlmeidaEdição de imagem e texto de J. L. Gabão para o blogue "Escritos do Douro" em Março de 2013. É permitido copiar, reproduzir e/ou distribuir os artigos/imagens deste blogue desde que mencionados a origem/autores/créditos.