sexta-feira, 1 de julho de 2011

O Baile de Carnaval

Se a Régua quiser escolher um evento social badalado e considerado importante, tem de lembrar do Baile da Vindimas que, nos anos 50 a 70, era realizado no Quartel dos Bombeiros da Régua.

O Baile das Vindimas fez um sucesso estrondoso dentro e fora da Régua. Como uma festa de diversão proporcionou bons e agradáveis momentos a uma geração de jovens que nada mais tinham para se distrair na sua terra que as sessões de filmes no Cine-Teatro. Os bombeiros também ganharam com sua realização no seu bonito Quartel. As entradas pagas, a um valor acessível, permitiram fazer receitas extraordinárias que ajudavam as débeis contas. Se entrava mais dinheiro no cofre já compravam os meios materiais que faltavam para prestarem uma protecção e socorro mais profissional.

A primeira organização dos Baile das Vindimas foi de um grupo de jovens que, nos anos seguintes, a entregaram à direcção dos Bombeiros da Régua. Souberam tais elementos agarrar a ideia e dar-lhe uma consistência que o tornou num evento social de sucesso. Aqueles que o frequentaram, ano após ano, sabiam que era um momento especial de experimentarem emoções e sentimentos inesquecíveis.

O sucesso começava na competência dos seus organizadores, seguia na escolha dos conjuntos musicais e acabava na divulgação dos seus fins solidários, sempre para ajudar quem fazia o bem pelo seu semelhante. Na Régua e até na região duriense tornou-se um acontecimento conhecido e com muita fama. Hoje, se alguém vier a realizar novas edições, deve ser difícil imitá-lo como era no passado. O gosto das pessoas pelos eventos festivos mudou, mas permanecem as razões para o fazer ressurgir com um novo encantamento peça beleza da dança e das paisagens durienses no princípio de cada Outono.

O Baile das Vindimas não foi o único organizado pelos bombeiros da Régua. Havia outro baile que, todos os anos, se fazia no seu magnifico Quartel. Esse era o Baile de Carnaval que não deixou de ter público fiel que o viveu com a mesma paixão. Não era um baile de gala como o das vindimas. Era um baile popular, mais modesto e, sobretudo, a pensar servir outras pessoas. Pelo custo das entradas, era uma festa acessível aos que tinham menos posses.

O Baile de Carnaval entusiasmou gerações jovens de reguenses. Quem frequentou os sucessivos bailes de carnaval guardou recordações memoráveis. Se uns recordam o ambiente de muita folia e de diversão, outros lembram ainda os momentos de emoções que viveram e de pormenores que marcaram as suas vidas.

Foi o chefe Claudino Clemente que, ao lado de outros bombeiros menos conhecidos, que teve a cargo uma impecável organização para garantir muitas presenças e também gordas receitas.
Não ficou esquecido o Baile de Carnaval. Há ainda quem o recorde e lembre as emoções que nele viveu. Uma dessas pessoas, é senhora D. Olga Pinto Barbosa que no seu livro “Memórias de Infância de uma Duriense”, publicado em 2007, evoca momentos inesquecíveis. Nessa pequena e despretensiosa obra, mas escrita com rigor e muita paixão consegue retratar algumas das suas vivências de adolescente. A dado passo, relata de forma espontânea e despreocupada os melhores momentos desse baile que foi, na sua vida, um ritual de festa e alegria:

“Lembro-me tão bem de fazer uma roupa cigana para ir ao baile de Carnaval com a minha irmã! O baile era nos bombeiros da Régua. Então, da minha imaginação, fiz uma saia muito comprida de chita às flores. Fui aos guarda-chuvas velhos, arranquei-lhes as varetas, para lhe tirar o pano preto, e com ele fiz coletes, que bordei com lantejoulas e vidrilhos, que ia comprar à loja do senhor Tule, também no Cimo da Régua. A loja vendia essas miudezas nessa época. Fiz roupa, tudo à mão, com pontos muito miudinhos, que pareciam pontos de máquina de costura. As minhas amigas admiravam-se da minha habilidade. Se fosse nos tempos de hoje, eu teria sido, talvez, uma grande estilista de modas!

Quando chegou o dia de Carnaval de um domingo para segunda, eu e a minha irmã, entrámos no baile já a festa estava bastante animada. Mas quando nós entramos fizemos tanto sucesso! Nem sabíamos para que lado nos virar. Todos os cavalheiros, fossem homens ou jovens, só queriam dançar connosco. Pintámos os lábios com baton e com um fósforo queimado fizemos os sinais na cara e respectivos caracóis com os dedos e água no cabelo. Estávamos autênticas ciganas!

Ouvíamos no baile de longe os comentários e quando algum jovem me vinha buscar para dançar dizia: “A minha linda cigana dança?” Todos nos davam chocolates para dançarmos com eles; porque no meio do baile andava uma senhora, elegantemente vestida, a qual trazia uma alça ao pescoço, um tabuleiro de palhinha fina muito bem decorado onde se podiam ver chocolates Regina, Favorita e Nestlé. O tabuleiro tinha ainda uns saquinhos que continham os tradicionais rebuçados da Régua”.

Parece que, por magia, aquelas recordações nos fazem voltar atrás no tempo e entrar, mais uma vez, no baile popular como era do Carnaval.

Era assim o Baile de Carnaval nos bombeiros da Régua. Era um outro tempo. Já não existe mais. Em terras pequenas, como a Régua, os jovens tinham estes bailes para se divertirem e realizarem alguns dos seus sonhos.

Para os bombeiros, estes bailes não serviam para ganhar mais dinheiro com o que reparavam carro que estava parado ou se comprava uma nova ambulância. Os bombeiros prestavam também solidariedade. Sabiam-se reconhecer na população que os ajudava nas suas missões, desde os simples associados, aos amigos e os ilustres beneméritos. Sempre que estavam carenciados, havia mais um benemérito que estava pronto a resolver os problemas mais graves. Houve alguns, e não foram poucos, que em testamento legaram os seus bens para os bombeiros terem vida mais fácil.

Os bombeiros responderam sempre com desmedida gratidão e imensa generosidade. Se a comunidade precisava dos bombeiros, ou das suas instalações, logo franqueavam as portas do seu quartel. No quartel, não se fizeram só os bailes. Quem gostava de representar o teatro de amadores teve aí o palco para levar as peças ao público. E outros cidadãos fizeram nos seus salões, as cerimónias mais especiais da sua vida pessoal, os aniversários, os baptizados e os seus casamentos.

O quartel dos Bombeiros da Régua foi, durante muitos anos, um lugar privilegiado para se realizarem esses acontecimentos felizes de muitos homens e mulheres.

Ao longo da longa história, já com mais de 130 anos de existência, o Quartel dos bombeiros da Régua foi a casa de todos os reguenses. Daqueles homens e mulheres que foram solidários e também tiveram a oportunidade de ali realizar, nos bailes e noutras actividades recreativas e culturais, alguns dos seus primeiros sonhos.
- José Alfredo Almeida*, Régua, Julho de 2011. Clique nas imagens acima para ampliar.
  • *O Dr. José Alfredo Almeida é advogado, ex-vereador (1998-2005), dirigente dos Bombeiros Voluntários de Peso da Régua entre outras atividades, escrevendo também crónicas que registram neste blogue e na imprensa regional duriense a história da atrás citada corporação humanitária, fatos do passado da bela cidade de Peso da Régua.
Edição de Jaime Luis Gabão para Escritos do Douro 2011 em 1 de Julho de 2011. 

Recortes - RÉGUA, antes... RÉGUA, depois...

(Clique na imagem para ampliar)
Peso da Régua - Largo dos Aviadores

quinta-feira, 30 de junho de 2011

O PORTO...

(Clique na imagem para ampliar. Imagem original daqui - http://saboraporto.blogspot.com/)

O PORTO... É o PORTO!
Sempre belo, com neblina, com História, com o rio Douro, com o casario, as ruas e pontes e cafés da nostalgia... dos elétricos amarelos da rua de Santa Catarina arquejando sinetas estridentes em busca do Marquês, dos invernos frios num quarto de solteiro da rua Firmeza, das cartas de paixão escritas a amores distantes... da boemia na Ribeira, dos estudantes e jardins, com os jovens de ontem e de hoje nas estações, escadarias, travessas e praças do presente... com o coração e o povo abertos à hospitalidade, à esperança e à lembrança...
O PORTO... É o PORTO!
Como o imaginamos-sonhamos na distância de um imenso mar...
No terno amanhecer de um imenso despertar...
No entardecer suave e permanente de tanta saudade, ao adormecer...
O PORTO... É o PORTO...!
- J. L. Gabão. Junho 2011 

terça-feira, 28 de junho de 2011

ÚLTIMA VONTADE


Quando eu morrer,
Que seja em Agosto
Com toda a gente de férias.
Quero morrer sem desgosto,
Sem dor e sem aborrecer,
Envolto na brancura de um lençol,
Só um padre, a família e os amigos,
Sem mais ninguém saber.
Quero morrer sem choros, sem gritos
E sem anúncio no jornal.
Morrer não é o fim,
E quem me diz a mim
Que a minha vida, afinal,
Não se renovará num caminho
De amor e carinho,
De risos verdadeiros,
Todos os dias renovados
Como se fossem os primeiros?
Quando eu morrer,
Lavem-me com a lágrima do adeus
Que quem morre sempre deita,
Não com pena de morrer,
Mas triste pelos que ficam,
Mais tristes e abandonados,
Sem saberem o que os espera:
Se a disputa de uma herança
Ou o fim de uma esperança.
Quando eu morrer,
Metam-me num jazigo
Com uma ampla janela
Para ver, através dela,
O sol de cada domingo.
Ponham-me flores e uma vela,
Uma cruz e um poema
Que aqui deixo escrito:
Nasceu sem saber porquê,
Viveu sem que o entendessem.
Morreu sabendo para quê:
Para que na ausência o lembrassem.
Basta para dizer tudo,
O que foi o meu mundo
Em criança e em adulto.
Atravessei mares e continentes,
Chorei nas noites de abandono,
Amei raças diferentes
E não sei se matei por engano.
Quando eu morrer,
Não quero ir para a terra;
Em vez de morrer uma vez,
Morreria, então, duas vezes.
Concordem que não o merecerei
E, se o fizerem, garanto-vos,
Nunca o esquecerei.
Afinal, quem vive com os remorsos
De uma última vontade não cumprida,
Naquele instante de amargura e despedida
Em que o sangue se esvai,
No grito intolerável que a vida dá,
Até se esbater cansado num ai
Que até parece que, depois dele, nada mais há?
Quando eu morrer,
As andorinhas farão ninhos
No beiral da casa onde nasci,
Cantando de mansinho
Para que não me interrompam o fim.
Apanhem uma que seja dócil e bela,
Prendam-na às minhas mãos
E deixem-me ir assim com ela,
Caixão aberto e o sol a brilhar,
As pessoas espantadas a olhar
Para um funeral nunca visto.
Batam palmas devagarinho,
Não se importem de parecer mal,
Não falem durante o caminho,
E vejam se vou a voar.
Quando eu morrer,
Se calhar, não terei tempo de dizer
O que sempre calei em vida:
Que amei tanto os outros
E alguns não me mereceram,
Que chorei por loucos
E por quem não devia,
Que encolhi silêncios
Pelos que nunca me lembraram
E alguns até se afastaram.
Quando eu morrer
Vai ser penoso ir-me embora,
Deitado, estrada fora,
Sem me mexer,
Sem poder beijar os frutos da minha felicidade,
Virtudes e defeitos do meu ser,
Os seus rostos mais lindos do que o sol a nascer
E sorrir-lhes, então, até à eternidade.

- De M. Nogueira Borges* extraído com autorização do autor de sua obra "O Lagar da Memória". O livro "O Lagar da Memória" foi apresentado  dia 12 de Março último na Casa-Museu Teixeira Lopes, em Vila Nova de Gaia . Informações para compra aqui. Também pode ler M. Nogueira Borges no blogue "ForEver PEMBA". A imagem ilustrativa acima é formada/editada por diversas fotos recolhidas da internet livre. Clique na imagem para ampliar.
  • *Manuel Coutinho Nogueira Borges é escritor nascido no Douro - Peso da Régua - Portugal.