quarta-feira, 18 de maio de 2011

MUSEU DO DOURO - DIA INTERNACIONAL DOS MUSEUS - 18 MAIO 2011

Transcrição:
MUSEU DO DOURO
DIA INTERNACIONAL DOS MUSEUS
18 MAIO 2011
Tema: Museus e Memória
Entrada Gratuita.

Sendo o Museu do Douro pela sua natureza de museu de território um local por excelência de acolhimento e representação da memória, cultura e identidade da região vinhateira - Douro Patri-mónio da Humanidade, revela-se, assim, de grande oportunidade o mote das comemorações do Dia Internacional dos Museus 2011 - “Museus e Memória”, integrando no seu programa activi-dades associadas a esta temática.

O Serviço Educativo do Museu, com o intuito de assinalar esta data especial, organizou um conjunto de Oficinas que decorrerão na parte da manhã e da tarde (10h00-12h00/ 14h30-16h30). O foco das Oficinas da Camuflagem, do Corpo e dos Espelhos é o próprio indivíduo (criança, jovem, adulto) e os modos como este se vê, se relaciona consigo, com os outros e com os lugares onde vive. Através da manipulação da imagem em espelhos, na reflexão sobre modos de representação do corpo e dos lugares, na procura de movimentos, planos, pensamentos, sons, enqua-dramentos que possam contribuir para questionar (alterar?) generalidades mais folclóricas ou superficiais que marcam este território.

Para além desta actividade, irá ser realizada a apresentação pública da Rede de Bibliotecas de Peso da Régua e da qual o Museu do Douro é parceiro institucional, através do Centro de Documentação, que constitui um espaço privilegiado que gere o acesso a fontes de informação nacionais e estrangeiras, que importa preservar e valorizar, para poder vir a ser fruído pelas gerações futuras.

Serão também expostos os trabalhos dos alunos das Escolas Camilo Castelo Branco, de Vila Real e Latino Coelho, de Lamego, resultantes do desafio lançado pela Tertúlia de João Araújo Correia, sob o tema “As árvores na obra de Araújo Correia”, que constitui no fundo, um alerta para a atenta e contínua preservação do património natural e cultural, que é de todos. O título da exposição que ira inaugurar é “A Doçura das Manchas Verdes – João de Araújo Correia”.

E o programa deste dia especial, termina com a inauguração da Exposição de Fotografia “A Rota do Vinho do Porto”, da autoria de José Miguel Ferreira, e apresentação do livro com o mesmo nome, com o prefácio de Gaspar Martins Pereira e poemas de A.M. Pires Cabral. O autor destas fotografias, que fazem parte deste belíssimo trabalho, propõe-nos um percurso por um território marcado pela beleza das paisagens, onde os vales encravados descem para o Douro marcados pelos socalcos da vinha, ora em registos de viagem e descoberta da memória da terra do vinho, que o rio Douro liga directamente ao Porto e aos armazéns de Gaia, ora na busca de formas, jogos de luz e de sombra que animam as ruas da cidade do Porto e Gaia, ou os rabelos parados no rio. O olhar do fotografo segue os vários caminhos que os sentidos lhe transportam, irredutíveis ao tempo, e agora eternizados por sais de platina. A paisagem e a memória, são os lugares do possível… que nos prende e que nos sobressalta. E quando o sentir é assim muito, tudo se torna indizível. A dúvida surge como o elemento essencial na criação. Porque, acima de tudo, trata-se de “Fazer Arte como se faz Amor”. Estes elementos do real, captados pela sua objectiva, revelam a sua poesia simples e impressionante com a qualidade e a mestria dos proces-sos fotográficos que utiliza. Através da sua técnica, as suas fotografias assumem uma dimensão atemporal. Elas tornam-se imagens testemunhas de um passado e de um presente, procurando a identidade do lugar.

Portal do Museu do Douro - http://www.museudodouro.pt/

Restauro dos painéis da Casa do Douro

Exposição no Museu do Douro, Régua
José Miguel Ferreira // A Rota do Vinho do Porto
(Dê duplo click com o "rato/mouse" para ampliar e ler)
José Miguel Ferreira // A Rota do Vinho do Porto

"Rebuçados da Régua" já são marca registada

por IONLine,pt -  Agência Lusa, Publicado em 17 de Maio de 2011
A Câmara do Peso da Régua anunciou hoje o registo oficial da marca "Rebuçados da Régua", concluindo um processo que vem reconhecer um "produto único" que leva o nome da cidade duriense a todo o país. 

Para que os doces "não sejam roubados" à Régua, a autarquia avançou com o processo de registo da marca considerando ser "fundamental para a fidelização dos clientes e, por conseguinte, um contributo importante para a consolidação do produto".

O presidente da Câmara da Régua, Nuno Gonçalves, já afirmou que os rebuçados são "um produto que faz parte da cidade, das suas tradições e que a identifica".

Paralelamente a este processo, o município homenageou no Dia Internacional da Mulher as doze rebuçadeiras que atualmente exercem a atividade.

Primeiro no comboio, por onde muitos chegavam e partiam, agora também junto aos barcos, que a partir da primavera trazem milhares de turistas ao Douro. É por aqui que estas mulheres se espalham, carregando no braço os cestos de vime onde trazem os sacos de nove rebuçados que vendem a um euro.

Durante o dia estas mulheres calcorreiam a Régua. À noite confecionam os doces. A receita é simples: basta açúcar, mel, limão e manteiga. Mas o segredo que lhes dá o "verdadeiro sabor" é algo que recusam partilhar.

Estes doces começaram por ser vendidos nas festas e romarias. Não se sabe ao certo qual foi a sua origem ou há quanto tempo surgiram os rebuçados.
Segundo as vendedoras, já é um negócio "muito antigo". Sabe-se que se evidenciaram a partir da década de 30 do século XX e sabe-se também que muitas mulheres criaram os seus filhos a vender estes doces. 

sábado, 14 de maio de 2011

MEMÓRIAS DOS NOSSOS BOMBEIROS

                                                                                                   M. Nogueira Borges

I- «Era ainda pequenino, acabado de nascer», mas lembro-me, no meio de alguma sombra, do primeiro fogo que vi. Eu brincava, com o Aires e o Manel, no quintal da casa onde nasci ; seria Verão, e no entardecer,  porque o meu Avô, ao fundo, sentado num cesto vindimo, vestia colete e embrulhava um cigarro de tabaco de onça. O ar tinha uma calma de convento e só os crianças algaraviavam nos caminhos. Corríamos com os arcos, que descarrilavam dos ganchos, perdendo-se nos bardos de um calço rente ao muro. De repente, o meu Avô pegou na bengala que o ataque lhe impusera, levantou-se a gesticular, mandou-nos parar, e gritou pelo Alberto que dava palha ao Castanho. Minha Mãe também acorreu, pois quando o Pai se alterava toda a estirpe desassossegava.

Em Santo Estevão, no caminho alto que dá para o Rodo, uma chama, logo espalhada em contágio descontrolável, começava a devorar uma casa e outras anexas. Quase todas tinham muita madeira na sua feitura e o incêndio alastrou com a rapidez de um roubo. O povo despertou num clamor de tragédia. Mulheres, de canecos à cabeça, corriam a despejar a água colhida numa fonte escassa, situada no fundo da rampa; os homens, de sacholas e pás, lançavam a terra que arranhavam no caminho. Eu e os meus amigos largamos tudo e fomos para o pé do meu Avô a quem faltou a saliva para colar a mortalha. Batia com a bengala no chão e dizia para o Alberto: «Depressa! Chama o carro de praça para ir avisar os bombeiros!» Lembrei-me do inferno e dos pecadores. Jurei que iria ser sempre «um rapaz muito bem comportado», pois se as chamas infernais eram assim, então a minha Mãe tinha razão quando me dizia para comer a sopa toda.

Mal o carro vermelho, tocando a sineta, chegou ao Fial parece que as labaredas amainaram em respeito. Mas alegria tivemos nós quando o vimos a fazer a curva da árvore queimada, capacetes e machados reluzentes de homens que vinham «acabar com o fogo». Vários, aos gritos, se lhes dirigiram, ensinando o atalho onde o carro não cabia. Em desafio, pareceu, as chamas alteraram-se como se tivessem encontrado restos de papel. Correndo, os bombeiros lançaram-se àquele inferno verdadeiro, espalhando instruções, clamando ânimos, recusando desfalecimentos. Ainda hoje, ao escrever estas linhas, me emociono com o recordativo. Quando, no final, vencido o abrasamento, eles, descompostos e afogueados, desceram para a Régua, deixaram atrás de si o triunfo cantado no agradecimento dos atormentados, que, varrendo as cinzas da sua amargura, sonhavam com casas de cantaria.

Fiquei sempre com essa impressão juvenil de reverência e carinho pelo sacrifício e solidariedade dos nossos bombeiros, consolidada vida fora, algumas vezes lembrada quando as peripécias da vida, muitas vezes, me esbofeteiam com a surpresa.

II- A sirene dos Bombeiros ouvia-se no alto de S. Gonçalo. Era um chamado que afligia. Começava por um grito de desespero, de quem é atacado à falsa fé, seguido por prolongado gemido de sofrimento, esperando uma ajuda caridosa. Repetido, como se ninguém acudisse, esse apelo sonoro, num eco estendido pelos montes e vales, dilacerava as almas e escurecia a natureza. Os homens suspendiam as fainas, soerguiam-se, olhavam em redor, lançavam o olhar para Avões ou São Domingos, firmavam-se em Remostias ou no cimo do Peso; queriam ver onde se elevava o fumo, se era dentro ou fora da “vila”. Tiradas as “teimas” e assente a origem, debruçavam-se, de novo, para a terra que lhes dava o suor do sustento.

Os tempos de que trato eram de necessidade, em que uma sardinha de barrica dava para três, comia-se cebola com sal e broa com azeitonas, mas havia uma enorme riqueza de solidariedade. As gentes sofriam com o mal alheio, gostavam de ajudar e sentiam como suas as lágrimas vizinhas. A escassez irmanava no relevo dos gestos. Ser bombeiro era fazer parte dessa honra, ditada pelo falar popular, soldados da paz e serventes da humanidade, voluntários do mundo e escravos da lida contra o infortúnio, corpos fardados e almas civis.

III- As noites do Douro, nesse Agosto de 53, eram mais escuras do que hoje. A sua claridade vinha da lua, dos faróis de carro que, de quando em vez, alumiavam o silêncio dos vinhedos, um ou outro poste, de longe em longe, plantado pela boa vontade da Chenop, o petromax de quem levava a recolher a ebriedade, que esquecia nas tabernas as injustiças da sua sorte  desajustada na sua contabilidade doméstica.
Foi numa dessas noites que a Régua se cobriu com o clarão da tragédia. A Casa Viúva Lopes, forte estabelecimento comercial da época, ardia diante do pasmo assustado da terra, tolhida pelo sobressalto e pelo dó. Nem o rio ali ao pé nem o clamor da população segurou o recheio ou as traves que o defendia. Bem lutaram os bombeiros; lutaram até ao fim e até à morte. Lá ficou o Senhor Figueiredo, imortalizado pela pena do nosso Escritor, também ele imortal, João de Araújo Correia, como o João dos Óculos, que ganhava a vida a desenhar palavras no chumbo tipográfico. Lá ficou, queimado pelo seu voluntarismo, pela dedicação e amor ao próximo.

Na nossa Região, os Bombeiros Voluntários da Régua sempre foram uma referência. Associação humanitária a dar «vida por vida», num ditame nunca contestado, servindo, sem olhar a quem, nas dificuldades físicas e morais, na vida e na doença, na esperança e na morte. Mais uma vez se comprovara, bem duramente, a tradição e a lenda da sua história.

IV- Conheci-o em Moçambique, para onde fora mobilizado, no ano de sessenta e oito. Mais concretamente, foi em Porto Amélia que começou uma das minhas mais lindas amizades. O Jaime Ferraz Gabão – é dele que se trata – deixara um dia a sua Régua em busca de outros horizontes que lhe desse, e aos seus, novo sentido à vida. Pertenceu a essa plêiade de cabouqueiros que em África assegurou a sobrevivência sem chibatas, antes com suor repartido entre brancos e negros, respeitando as gentes, pois há sempre uma alma para dar a Deus. Ofereceu-me a sua mesa e as suas palavras nas noites em que brilhavam as acácias rubras sob os candeeiros escurecidos pelos mosquitos. Sentia-lhe a saudade pelo regresso, mas, também, receio de um dia ter que abandonar tudo - por pouco que fosse – depois de anos de sacrifício. Colaborámos, na distância – ele há tempos e com melhor saber – nos semanários regionalistas da nossa terra, cada qual na sua independência e companheirismo. Eu regressei e ele ficou.

Um dia abraçámo-nos na Rua dos Camilos. Ele viera nessa leva, inventada por uma qualquer pejorativa mente, de “retornados“. Ainda tentara ficar, mas a onda de oportunismo e adesão cobarde aos valores nunca professados, não lhe sossegavam as entranhas. Chegou de olhos tristes e coração despedaçado. Depois de alguns anos de aptidões reconquistadas, o Jaime adoeceu no corpo, que no espírito nunca sarou. Prolongou a doença o mais que pôde, mas quando ela chegou ao fim não encontrou grande resistência: ele já se cansara de lutar, de andar de abrigo em abrigo em busca da serenidade.

Foi numa tarde de Junho, quando a Régua é um inferno de calor, que ele subiu para o Peso onde descansa eternamente. Foram os nossos bombeiros  que o levaram, associado que era. Atrás, com os seus familiares e amigos, eu recordava-o numa mistura confusa, em que cabiam as memórias dos meus mortos, dos fogos e das cinzas, mas, também os carinhos dispensados aos vivos, ajudando, até, a nascer muitos que perpetuam o nosso mundo.

Agora que vem aí o Verão, estação para algumas descomposturas e traições humanas, ofensivas da natureza e dos socorros dos soldados da paz, que não falte o apoio e a boa fé de quem manda, mesmo neste tempo de desgosto e baixeza moral.

Abril 2011

Nota: Agradecemos ao escritor M. Nogueira Borges, natural do concelho de S. Marta de Penaguião, por ter escrito para o Arquivo dos Bombeiros Voluntários do Peso da Régua este brilhante texto sobre as suas memórias dos bombeiros e, em especial, sobre os da Régua. O nosso muito obrigado por ter evocado factos e figuras que ainda hoje são inesquecíveis na longa história dos Bombeiros da Régua.
- Matéria cedida por M. Nogueira Borges e J. Alfredo Almeida para Escritos do Douro em Maio de 2011. Clique nas imagens ilustrativas do texto acima para ampliar.
== :: ==
Memórias dos Nossos Bombeiros - 1
Jornal "O Arrais", Quinta feira, 28 de Abril de 2011
(Dê duplo click com o "rato/mouse" para ampliar e ler)
MEMÓRIAS DOS NOSSOS BOMBEIROS
Memórias dos Nossos Bombeiros - 2
Jornal "O Arrais", Quinta feira, 5 de Maio de 2011
(Dê duplo click com o "rato/mouse" para ampliar e ler)
MEMÓRIAS DOS NOSSOS BOMBEIROS - 2