quarta-feira, 20 de abril de 2011

Recortes: Régua, antes... Régua, depois...

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:: Barcos Rabello em 1905 e a atualidade fluvial do cais da Régua ::

PRETÉRITO IMPERFEITO

Íamos, meios tontos, inebriados pela fantasia de que era tudo nosso, correndo pelos caminhos de sombras da mata, arrancando, aqui e além, ramitos de mimosas, até nos quedarmos, ofegantes, no encosto de um tronco, o suor a escorrer pelos corpos.

Não sabíamos que o Mundo tinha hospitais e cadeias, lágrimas nos cantos da tragédia e ódios recalcados na desventura de vidas desconhecedoras do perdão.

Ignorávamos que o amor é, tantas vezes, uma hipocrisia sustentada pela comodidade de não romper interesses ou ferir o futuro dos nascidos sem culpa.

Julgávamos eternas as juras de fidelidade e que os dedos entrelaçados nunca se desatariam.

Não conhecíamos a ingenuidade porque, entre nós, tudo era seguro e limpo.

Troçávamos dos conselhos dos mais velhos como se fossem frustrações de quem não encontrara a felicidade. Esta nascia-nos nos brilhos dos olhos e na sofreguidão dos afagos. O dinheiro não contava porque matávamos a sede na água do riacho e a fome nos frutos que amadureciam sob o calor das férias.

Da cidade chegava-nos a confusão, amortecida pela muralha do arvoredo, e os passarinhos cantavam connosco. Era lindo ser-se novo! Sentir na cara a seda da brisa e nas veias o sangue do desejo, libertos dos ralhos e das sinetas, sem vultos negros nos corredores semi-iluminados, sem o cheiro lixiviado das camaratas e as imposições dos recolheres vespertinos.

Não voávamos que não tínhamos asas, mas os risos e os sussurros acompanhavam-nos na leveza de quem não fazia contas. O futuro não existia, ou antes, era o momento, tinha a dimensão de uma ternura e a certeza de que a luz da tarde nos daria o tempo suficiente para nos vingarmos da noite.

Sentávamo-nos num banco de pedra a contemplar a colina do castelo, enlevados em romances de cavalaria e princesas encantadas. Do lado de lá, depois de um abismo rochoso, ficavam os lameiros onde se abatiam as codornizes enquanto não chegava o tempo das perdizes e dos coelhos. Eram terrenos férteis, de vales amplos, acordados pelos tiros e pelos gritos das manhãs cinegéticas.

Não sentíamos as lágrimas da humilhação, a indiferença das almas egoístas, as cobiças insensíveis, a inveja deprimente.

Éramos vazios do mal, só a boa-fé nos comandava. Traçávamos as linhas da honra sem imaginarmos que, um dia, mais repentinamente do que começáramos, as estradas dos nossos passos nos levariam cada um para seu lado com o mar a separar continentes e a guerra a enlouquecer uma geração.

Mas valeu a pena acreditarmos, percorrermos a ilusão. Se conhecêssemos tudo o que a vida nos trouxe, desistiríamos, logo ali, de sermos felizes. A felicidade, por pouco tempo que seja, vale sempre, ao menos, uma memória.

- De M. Nogueira Borges* extraído com autorização do autor de sua obra "O Lagar da Memória". O livro "O Lagar da Memória" foi apresentado  dia 12 de Março último na Casa-Museu Teixeira Lopes, em Vila Nova de Gaia . Informações para compra aqui. Também pode ler M. Nogueira Borges no blogue "ForEver PEMBA". A imagem ilustratrativa acima foi recolhida da internet livre. Clique na imagem com o "rato/mouse" para ampliar.
  • *Manuel Coutinho Nogueira Borges é escritor nascido no Douro - Peso da Régua - Portugal.  

terça-feira, 19 de abril de 2011

Obras de Beneficiação no Quartel Delfim Ferreira

As obras... Colocação de um novo telhado no belo e histórico edifício dos Bombeiros da Régua, a concluir até Outubro próximo a tempo de receberem todos aqueles que vão estar presentes ou participar no importante 41º Congresso Nacional dos Bombeiros Portugueses.
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:: Imagens cedidas por José Alfredo Almeida - Bombeiros Voluntários do Peso da Régua ::

quinta-feira, 14 de abril de 2011

A Visita de Sua Majestade El-Rei D. Carlos


Acontecimento importante na história dos bombeiros da Régua, foi a visita que fez o El-Rei D. Carlos, no dia 11 de Junho de 1895, ao seu quartel, então situado no Largo da Chafarica - hoje o Largo dos Aviadores - onde visitou as instalações da Real Associação – título concedido em 1892 pelo seu pai, o Rei D. Luís -, cumprimentou bombeiros e directores e   assinou o livro de honra  e  pode ainda escrever  uma  breve  mensagem de enaltecimento:

“Folgo imenso saber, na minha infelizmente tão curta visita à Régua, de ter a ocasião de visitar a sede de tão útil e benemérita Associação. Faço votos para que prospere como merece”.

Na verdade, em 1895, o Rei D. Carlos (1863-1908) fez uma visita à Régua que foi considerada um triunfo. Definiu-a assim o historiador Rui Ramos numa recente biografia que escreveu sobre o Rei. Se entendemos o sentido, os efeitos positivos dessa viagem para o Rei foram marcantes a nível político.

A visita de D. Carlos à sede da “útil e benemérita Associação” fez parte do seu programa oficial da viagem à Régua. A preferência pela associação dos bombeiros evidencia a influência que tinham na sociedade reguense, uma das primeiras a ser constituídas no país. Como um acto de voluntariado genuíno e generosidade dos cidadãos eram movimentos cívicos que se preocupavam em responder aos problemas de protecção e socorro e a algumas necessidades recreativas e culturais. Além do mais, esta visita também mostrava o respeito e a atenção que o Rei D. Carlos sempre manifestou a estas associações humanitárias, algumas das quais ele concedeu o título honorífico de “Real” e era sócio-honorário.
Antes de visitar a sede dos bombeiros, El-Rei tinha sido recebido nos Paços do Concelho. Em cerimónia pública, o presidente da câmara leu uma mensagem aprovada na reunião da vereação. Que pretensões sociais e preocupações das populações lhe foram transmitidas não sabemos. Admite-se que os problemas dos lavradores do Douro tenham sido o tema principal. Se essa mensagem se perdeu deve-se ao descuido dos homens que a deveriam ter arquivado “no copiador da correspondência, para que conste pelos tempos fora”. Como o copiador desapareceu, a mensagem não consta no nosso tempo. Perdeu-se um documento de valor que ajudaria a compreender uma época, as dificuldades de uma região e dos seus vitivinicultores.

Na Régua, El-Rei D. Carlos aguardou a chegada da Rainha D. Amélia, vinda de S. Pedro do Sul. A recepção de Sua Majestade a Rainha foi extraordinariamente foi “delirante, pena foi que esta Augusta Senhora não pudesse vir aos Paços do Concelho, aonde era esperada com ansiedade, mas motivos imperiosos e justificativos que apresentou ao presidente da edilidade obstaram, porém, à sua vinda.

O Rei D. Carlos “perante o descontentamento dos vinhateiros fez um pequeno discurso que lhe valeu bastantes aplausos”. Consta que o Rei, sendo lavrador no sul do país, tinha dificuldades em perceber os problemas dos lavradores do Douro, que atravessavam mais uma crise económica: os baixos preços dos vinhos e a concorrência dos vinhos do sul. Contudo, o Rei empolgou-se no seu discurso ao comprometer-se com uma resolução, mas como a decisão cabia ao governo do regenerador Hintze Ribeiro, deixou os colaboradores alarmados, já que se o governo “não o fizer el-rei ficaria numa péssima situação”. Esta visita acabou com um jantar servido “em sua honra, de Sua Majestade a Rainha e Sacratíssimos Príncipes”, nas Caldas do Moledo, a convite da D. Antónia Adelaide Ferreira – a Ferreirinha -  no seu Palacete.
Quando uma associação de bombeiros recebe a vista de um Chefe de Estado é sempre um acontecimento histórico de importante significado político e social. Sendo interpretado como sinal de reconhecimento do poder politico pelos valores do associativo e do voluntariado na área da protecção civil é, ao mesmo tempo, um estímulo à prática dos valores de cidadania e de promoção de uma sociedade participativa e solidária.

Os bombeiros da Régua não receberam a visita do General Óscar Carmona. Este Chefe de Estado veio a Vila Real, no dia 1 de Junho de 1931, para no Jardim da Carreira, colocar no seu estandarte a comenda da Ordem Militar de Cristo. Quem, depois do rei D. Carlos, os visitou no seu quartel foi Almirante Américo Tomás, em 22 de Maio de 1965, numa recepção apoteótica, depois de receber as honras visitou as instalações e assinou o livro de honra e depois, no regime democrático, o General Ramalho Eanes.

O General Eanes fez uma primeira visita no dia 14 de Julho de 1977. Como documenta a imagem fotográfica, foi recebido à porta do Quartel Delfim Ferreira, por uma guarda de honra, comandada pelo Chefe Armindo de Almeida e alguns bombeiros conhecidos -  Joaquim Sequeira de Teles, José Rodrigues Pinto,   António Pinto Monteiro, António Tavares e   António Pinto Teixeira Barros. Deixou assinalada a sua presença ao assinar o seu nome no livro de honra. A segunda visita do General Eanes aconteceu no dia 10 de Setembro de 1980. Recebido por uma guarda de honra à porta do quartel, onde se encontrava à frente o Comandante Cardoso, era convidado da Liga dos Bombeiros Portugueses para presidir as cerimónias de abertura do 24º Congresso Nacional dos Bombeiros Portugueses.

Os bombeiros da Régua aguardam a próxima visita do actual Chefe de Estado, o Prof. Cavaco Silva, que será convidado para estar presente nas cerimónias do 41º Congresso Nacional dos Bombeiros Portugueses. Organizado pela Associação, que conta com mais de 130 anos de história, este evento será mais um contributo dos bombeiros da Régua para afirmação dos valores humanistas do voluntariado de homens e mulheres que cumprem uma missão sob um lema universal: Vida por Vida.
- Colaboração de J. A. Almeida - Régua para "Escritos do Douro" em Abril 2011. Clique nas imagens acima para ampliar.


A Visita de Sua Majestade El-Rei D. Carlos 
Jornal "O Arrais", Quinta feira, 31 de Março de 2011
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A Visita de Sua Majestade El-Rei D. Carlos