sábado, 8 de janeiro de 2011

As cheias do rio Douro na Régua em 1919

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O Copiador dos Ofícios de José Afonso de Oliveira Soares

Guardam os bombeiros da Régua um curioso e importante copiador dos ofícios expedidos pelo Comandante José Afonso de Oliveira Soares (1892-1927) e pelo 2º Comandante Joaquim de Sousa Pinto.

Na página de abertura desse antigo copiador dos ofícios, assinada pelo Secretário da Direcção, António Martins, era feita a seguinte anotação “há-de servir este livro para ser registada a correspondência expedida pelo comandante da corporação dos bombeiros voluntários desta vila: Peso da Régua”.

O Comandante Afonso Soares redigia pela sua própria mão as cópias de cartas que, nos primeiros anos de funções, enviou a diversos destinatários. Era, sem dúvida, um arquivo da sua correspondência pessoal, enquanto esteve no lugar do quadro de comando dos bombeiros.

A antiguidade do copiador está confirmada pelo primeiro ofício nele manuscrito, que tem data de 15 de Março de 1893. Trata-se de uma carta que foi enviada ao Comandante dos Bombeiros da Figueira da Foz. Agradecia o “amável obséquio” de ter intercedido junto do Rei para que fosse concedida uma benesse ao filho do falecido Comandante Manuel Maria de Magalhães. 

Nas páginas seguintes, seguem registados mais ofícios. Que é como quem diz, manuscritos com um averbamento numa coluna da respectiva data de emissão. A correspondência expedida pelo Comandante Soares era diversa. Os principais destinários eram os bombeiros alistados na corporação que não cumpriam os deveres de assiduidade. Quando prevaricavam, o comandante, identificando-os pelo seu número e pelo nome, não deixava de lhes enviar duas palavras, a lembra-lhes a sua autoridade e o seu poder disciplinar. O assunto nelas versado ligava-se, frequentemente, aos comportamentos de faltas injustificadas aos exercícios de instrução.

Hoje tais cartas parecem ser inúteis, mas têm a vantagem considerável de conhecer a conduta do Comandante Afonso Soares, um cidadão culto, de feitio exigente, mas tolerante com os homens que comandava. Da breve leitura das suas cartas, fica-se a saber que não aplicava cegamente as punições do regulamento em vigor. A prudência levava-o a pedir mais respeito pelos deveres de bombeiros. Só depois de reiterado o incumprimento, decidia pelos castigos aos bombeiros prevaricadores. Era norma sua, no final de cada ofício, dar este bom conselho: ”Creio bem que V. Excia cumprirá doravante o rigor e disciplina a que estamos sujeitos, e o que deveras muito sentiria”. A quem não respeitasse a advertência, o comandante costumava punir com uma multa de mil réis, a ser paga à Real Associação.

Estão manuscritas cartas que tiveram como destinatários ilustres pessoas na vida pública. O presidente da câmara da Régua recebeu, em tempos diferentes, duas cartas com abundantes considerações e uma repetida preocupação do comandante com as questões de segurança e protecção civil, que pedia urgência na reparação das “bocas de água” da vila, para se evitar males maiores nos incêndios. O famoso e influente bombeiro Guilherme Gomes Fernandes, na qualidade de Inspector-geral dos Incêndios do Porto, recebeu correspondência do comandante, a pedir-lhe que enviasse um exemplar de ordenanças usado no corpo de salvação pública, para aplicar nos bombeiros da Régua.

Em 9 de Junho de 1894, o copiador dos ofícios registava a Ordem do Dia nº 22, que o comandante enviou aos bombeiros. Não seria badalada se não testemunhasse uma visita que o Rei D. Luís I fazia à vila da Régua. Essa ordem era uma convocatória para os bombeiros participarem na solenidade: “São avisados todos os sócios activos a reunirem-se na casa da associação, no dia 11 do corrente pelas 10 horas da manhã a fim de prestarem as homenagens devidas as Suas  Majestades que nesse dia honram esta vila com sua visita”.

Está também transcrita uma interessante dirigida ao Exmo Senhor Bernardino de Mesquita do Couto Zagalo com a data de 26 de Março de 1912. O Comandante agradecia-lhe a oferta de 360 exemplares do livro “Os Desherdados”. O talento e a vocação literária do comandante estão espelhados na forma selecta e polida como respondeu: “A viva significativa e extrema gravidade de V. Excia para com a colectividade do meu comando, calaram docemente no meu espírito. Amo muitíssimo a minha corporação e reconhecer que façam justiça à sua inigualável dedicação pelo bem e lhe prestarem auxilio, a preencher à constante aspiração de quem muito houvera pertencer-lhe (…) Pela corporação dos bombeiros, que tanto me orgulhado com os seus semelhantes humanitários, com os seus lances de coragem e de competente abnegação, venho significar a V. Excia as minhas mais sinceras felicitações e um afectuosíssimo e indelével reconhecimento. Saúde e Fraternidade”.

Esta carta agradecia a cidadão que tinha alcançado notoriedade a literatura com a publicação de obras literárias popular, no seu tempo, como a peça de teatro O Heitorizinho e os Contos da Beira Alta. O autor de “Os Desherdados” não era autor obscurecido. Este distinto advogado distinguiu-se como animador das Festas do Socorro que tiveram no seu programa a realização de uma Parada Agrícola, um evento original bem sucedido, destinado a promover os produtos agrícolas duriense. Mas, qual seria a intenção que o levou a oferecer volumes de uma obra literária aos bombeiros, para que o produto da venda fizesse mais uma receita.

Procurámos descobrir o motivo de tão generosa oferta deste benemérito que era  natural de Lamego, mas que sempre viveu na Régua, onde faleceu em 7 de Abril de 1923. Conseguimos saber que a oferta dos exemplares do seu livro “ Os Deseherdados” teve como intenção reconhecer os insignes serviços humanitários, heroicamente prestados, na sua terra – assim ele escrevera numa carta -  por ocasião do pavoroso incêndio de 26 de Junho de 1911.

Estava, assim, desvendado o enigma suscitado em volta  deste benemérito que associou a sua generosidade a um acto de heroísmo dos bombeiros da Régua, num combate ao grande incêndio que destruiu vinte edifícios na Rua de Almacave e ameaçou um Hospital Militar.     

A última carta que está manuscrita no copiador dos ofícios do Comandante Afonso Soares data de 23 de Abril de 1912. Foi dirigida ao presidente do Conselho de Administração do Asilo José Vasques Osório, a pedir autorização para que os bombeiros pudessem fazer os exercícios de instrução num terreiro anexo ao edifício dessa instituição.
A partir dessa última data, o copiador dos ofícios não registou mais correspondência. O Comandante Soares permaneceu no comando dos bombeiros até mais tarde, por volta de 1927. Não sabemos por que razão interrompeu esta missão arquivística. Pode ser que, a partir de certa altura, os copiadores tenham ficado em desuso. Se assim foi, perdeu-se um seguro hábito de registar, para a posteridade, uma correspondência com um notório interesse público.


O primitivo copiador de ofícios será um documento raro na história dos bombeiros da Régua. Tem o valor de registar as memória dos primeiros anos de existência da Associação e da abnegada missão dos seus bombeiros voluntários que, com todas as dificuldades reais e imagináveis surgidas nos tempos finais da monarquia e inícios da primeira república, ousaram ser mais generosos e humanistas, um exemplo de cidadania que, nos nossos dias, se deve renovar com semelhante espírito.
Colaboração de J. A. Almeida* para "Escritos do Douro" em Janeiro de 2011. Clique nas imagens acima para ampliar.
  • *José Alfredo Almeida é advogado, ex-vereador (1998-2005), dirigente dos Bombeiros Voluntários de Peso da Régua entre outras atividades, escrevendo também crónicas que registram neste blogue e na imprensa regional duriense a história da atrás citada corporação humanitária, fatos do passado da bela cidade de Peso da Régua.
Jornal "O Arrais", Sexta-Feira, 14 de Janeiro de 2011
O Copiador dos Ofícios de José Afonso de Oliveira Soares
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O Copiador dos Ofícios de José Afonso de Oliveira Soares

Recortes - RÉGUA, antes... RÉGUA, depois...

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quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

SER !

Não me alarmam revoltados nem desgastados
Não me assustam criminosos de alma podre
Não recuo ao surgirem espíritos cegos e errantes
vagueando no tempo escurecido da frustação...

Não me importam os sem sentido do que são
Não me espantam jovens que ignoram que o são
Não me tocam ofensas que desprezo
Não me abisma a ignorância que falece...

Só me comove a simples, a pura natureza
Só me enternece a infantil geografia do azul celeste
Só me inspiram a quimera, o sonho
Só me impressionam o pranto, o sorriso da inocência
Só me abespinha a desgraça dos que não podem
Só me impacienta a indigência das almas que me cercam,
que estorvam minha indignação, meu desprezo pela presunção
do que não sabem ou alcançam ser!
- J. L. G., 6 de Janeiro de 2011.  A imagem ilustrativa acima, recolhida da net livre e editada em PhotoScape, poderá ser ampliada clicando com o mouse/rato.