A Alameda Marechal Carmona, como se chamava em 1954 – hoje designada por Alameda dos Capitães - era o lugar escolhido pelo comando dos bombeiros da Régua para se fazerem uma série de manobras de com o seu equipamento de socorro e assistência e o de transportes de sinistrados e doentes, se bem que muito rudimentares mas então em uso, para treinar as aptidões físicas e capacidades técnicas dos elementos do corpo activo.
A Régua, nos anos 50 anos, era um centro urbano em notório crescimento e desenvolvimento ligado ao comércio do vinho do porto. A sua evolução fazia surgir mais perigos e riscos a enfrentar na área do socorro. Em volta dos bombeiros tudo rapidamente se alterava. As ruas passavam a ter mais trânsito rodoviário devido aos constantes movimentos de transporte do vinho em grandes camiões. Os armazéns também aumentavam e tornavam-se mais perigosos por guardarem matérias inflamáveis. Começava a sentir-se um incremento maior na construção civil, surgindo os primeiros prédios em altura.
Os tempos eram de mudanças no sector socorro. Os bombeiros precisavam de tomar medidas com uma certa urgência. O recurso ao uso da agulheta alimentada pela velha bomba braçal era insuficiente para dar resposta a uma nova multiplicidades de sinistros.
Era comandante Lourenço Medeiros - o respeitável senhor Lourenchinho - já de idade muito avançada e a direcção estava a cargo do carismático Dr. Júlio Vilela. Nos objectivos dos seus primeiros mandados, a formação dos bombeiros constituiu a sua a primeira prioridade. Passava a ser entendida como uma coisa séria. Precisava-se de se responder com mais responsabilidade às novas exigências da comunidade, que obrigava a acção dos bombeiros a um maior rigor e melhor preparação técnica.
Para não ficarem ultrapassados, os bombeiros da Régua procuram seguir o modelo que estavam a adoptar outras corporações para melhorarem as aptidões no plano do material e da preparação técnica. Depois de se reunirem com o Inspector de Incêndios da Zona Norte – Coronel Serafim de Morais - este indica para dar formação aos bombeiros, o chefe Artur José Pinto, do Batalhão Sapadores de Bombeiros do Porto, considerado como o “graduado mais competente” pelos seus superiores.
Sendo aceite sem reservas este serviço, o chefe Artur José Pinto passava a deslocar-se ao quartel Delfim Ferreira, na Régua, todos os fins-de-semana, para ensinar conhecimentos básicos de socorro e realizar as manobras, isto é, exercícios práticos no ataque ao combate aos fogos urbanos.
Os bombeiros passam a receber uma instrução com uma componente mais prática. As manobras no recinto da Alameda, ainda em terra batida, fazem-se com frequência e regularidade Começam a ser usuais os exercícios com as escadas, o escalonamento de casas, treina-se o uso da auto-bomba e mangueiras e ensaiam-se as novas técnicas de transportar os doentes e feridos na auto-maca.
Durante mais de uma década, o chefe Pinto - como na Régua era conhecido - foi o responsável pela formação dos bombeiros reguenses. A associação e o seu corpo de bombeiros deve-lhe estar grata pelo seu importante trabalho. O seu nome deve ser recordado como um dos que mais fez pela formação dos seus elementos, anos 50 e 60.
Na sua homenagem de despedida, feita em Outubro 1964, o Comandante Carlos Cardoso e o presidente da direcção, o médico e cronista Camilo de Araújo Correia reconheceram o seu valor e os seus préstimos. Deste importante director, que muito deu de si para o aumento do prestígio da associação, destacámos o louvor que lhe deu num breve e improvisado discurso: “ao homem, que não é demais dize-lo, conseguiu guindar o nosso corpo activo a um lugar merecido e destacado.”
Quem o conheceu muito bem, o admirava e manteve uma amizade foi o “nosso” grande chefe António Guedes, autor das memórias “Recordando... Bombeiros Voluntários”, publicadas no jornal “O Arrais”, que refere esses tempos e dá um impressionante testemunho sobre a acção deste bombeiro profissional, assim:
“Surpreende-me e penalizou-me deveras a inesperada noticia do falecimento do falecimento, ocorrido há poucos dias, do Chefe Artur José Pinto, do Batalhão de Sapadores do Porto, que durante mais de uma dezena de anos foi instrutor dos Bombeiros Voluntários da Régua.
Todos os sábados chegava num comboio da tarde e à noite, depois de jantar e das vinte às vinte e quatro horas, ministrava instrução e dava teorias aos nossos rapazes, repetindo o exercício no dia imediato, o domingo, das nove as 12 horas.
As “manobras” (como então se chamavam aos exercícios) que a nossa corporação executava, vinham já do tempo de Guilherme Gomes Fernandes, que a ministrava no Porto, aos domingos a bombeiros de várias corporações do país, entre os quais se encontram dois membros dos bombeiros da Régua - Camilo Guedes Castelo Branco e Aires Saldanha – que suportavam, da sua bolsa particular, todas as despesas resultantes das deslocações àquela cidade.
Eram dois “carolas”, que encaravam a sério – como deve ser - a vida de bombeiro e que adoravam (é o termo exacto), a sua corporação como o mesmo desvelo, o mesmo carinho e amor como o que um pai dedica a um filho extremoso.
Ora, a instrução que eles receberam, no Porto, e que depois foi dada à Corporação, Assim, o compreendeu Jaime Guedes, mais tarde, quando foi nomeado para presidir à direcção dos Bombeiros. Então deslocou-se propositadamente ao Porto e solicitou ao Inspector de Incêndios da Zona Norte e Comandante do Batalhão de Sapadores Bombeiros, coronel Serafim de Morais, que autorizasse que um graduado viesse rodas as semanas à Régua ministrar instrução à corporação local, pedido que foi imediata e gentilmente deferido.
E foi o Chefe Pinto que ele enviou, informando particularmente que era o graduado mais competente que tinha e que, certamente poria a corporação na “devida forma”, como de facto sucedeu.
Pois o Chefe Pinto angariou imediatamente grandes amizades nesta vila e pôs a corporação duma tal forma que até o Ministro do Interior, dr. Trigo de Negreiros, ficou absolutamente admirado com a precisão e a unanimidade de movimentos do piquete que lhe prestou honras, à entrada do edifico. E depois, no Salão Nobre, disse ao Comandante Lourenço Medeiros que supôs, até tratar-se de uma força da Guarda Nacional Republicana, tal a simultaneidade de movimentos na ocasião da apresentação de machados. E só então, reparando nestes, foi que verificou tratar-se de bombeiros, pelo que, muito elogiosamente, felicitou o Comandante e todo o Corpo Activo pelo aprumo, correcção e disciplina demonstrados.
Depois da minha passagem ao quadro honorário, os serviços do Chefe Pinto foram inexplicavelmente dispensados.
Julgo que foi um tremendo erro que cometeram.
(…)
Pois sou franco ao afirmar que discordei absolutamente da atitude drástica assumida não sei por quem, e que feriu profundamente o Chefe Pinto, conforme me confessou um dia em que, casualmente, o encontrei em Sampaio Bruno, no Porto.
Sinto imensas saudades desse bom amigo e camarada desaparecido, a quem a Corporação de Bombeiros da minha terra muito ficou a dever.”
Apesar de tudo, e respeitando a sua discordância, parece-nos que não timha razão. Levantada a poeira do tempo, podemos dar a nossa opinião sobre o assunto. Compreendemos a importância do chefe Pinto na formação dos bombeiros da Régua. Entendemos que, como seu amigo, o chefe António Guedes tenha defendido a continuação dos os seus serviços. Mas, nos finais da década de 60, sentiam-se mais mudanças no sector do socorro. Começava a falar-se em novas orientações e modelos de formação, como a criação de uma Escola Nacional de Fogo, para ensinar e preparar os bombeiros. Como seria de esperar, após dez anos, os seus métodos da instrução ministrada aos bombeiros ficavam ultrapassados. A Direcção e o Comando elogiavam-no pelos bons resultados obtidos graças ao seu valioso trabalho que, sem quaisquer dúvidas, contribuiu para melhorar o serviço de incêndios.
Por isso, devemos dar razão ao chefe António Guedes quando nos lembra que a este homem a “corporação de Bombeiros da minha terra muito ficou a dever.” Podemos até afirmar, que chefe Pinto vai ficar de corpo inteiro na história dos bombeiros da Régua.
- Peso da Régua, Janeiro de 2010, J. A. Almeida.
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