sábado, 19 de dezembro de 2009

História do Bairro dos Bombeiros - Do sonho à realidade


A AHBV do Peso da Régua é, desde 1986, proprietária de um bairro de habitação social – num total de 30 fogos - construído para as famílias dos seus bombeiros voluntários, que integram o quadro do corpo activo.

O bairro dos bombeiros da Régua, como um equipamento de cariz social, complementar aos fins da associação deve ser caso inédito país. Em certa medida, a sua construção é mais um bom exemplo da ambição dos projectos sustentáveis que, durante a sua centenária existência, a associação tem materializado, engrandecendo o seu historial.

A história da construção do bairro dos bombeiros esteve marcada por muitas contrariedades e vicissitudes. Com o esforço e a determinação de muitos e bons dirigentes ultrapassaram-se todas as barreiras e dificuldades. A sua edificação começou como um sonho. A persistência humana tornou-o numa realidade.

Contribuíram para a construção do bairro muitos protagonistas e, sem quaisquer dúvidas, uns exerceram um papel mais decisivo e influente. De uma maneira especial, todos foram audaciosos para realizarem esta magnifica obra, apesar dos inesperados contratempos, mas que serviu para elevar a condição dos bombeiros.

Como obra de grande dimensão, é normal que se tenha iniciado num mandato social e se tenha prologado pelos imediatos, já com novos dirigentes. Sem se desconsiderar o papel individual de certos directores, um empreendimento como este, quando tudo não corre de feição, como foi o caso, terá de ser considerado um feito colectivo, de muitas vontades e de pessoas que, num ou noutro momento da obra, deixam as suas marcas. Os seus testemunhos evidenciam que acreditaram na afirmação e vitalidade da associação, acrescentando-lhe um património importante e valioso.

A ideia da construção do bairro dos bombeiros surgiu no seio da Direcção do Dr. Júlio Vilela (1954-1963). Em confidência com o senhor Noel de Magalhães – que integrou essa direcção - ficamos a saber que as primeiras tentativas para se fazer o “nosso bairro” sucederam nos mandatos do saudoso advogado reguense.

Em 1960, o Dr. Júlio Vilela solicitou ao Ministro do Interior um pedido de comparticipação para a construção do bairro. A resposta veio negativa, dando conhecimento “ser impossível dar satisfação aos desejos dessa Direcção”. Apesar de tudo, a sua Direcção não desistiu e recorreu ao outro ministério governamental para ter apoio, lembrando que: “não querendo nós descurar o assunto, ousamos vir novamente á presença de V. Excia para solicitar que o nosso pedido vem há a ter viabilidade, pois só no Ministério das Corporações nós esperamos o amparo para a realização desse sonho que se há-de tornar realidade.”

Desta vez, foi conseguido o apoio do governo para financiar. Chegam a ser disponibilizadas pequenas verbas para comparticipar a obra. O terreno, onde deveriam ser erigidos os 32 fogos, estava escolhido. O projecto de construção das casas encontrava-se também em conclusão, sendo o seu desenho desvendado no jornal “Vida por Vida”. Apenas faltava negociar um empréstimo na Caixa Geral de Depósitos, o qual não deve ter sido deferido e, assim esta obra, não se chegou a iniciar-se com os seus primeiros sonhadores.

Se era forte e determinada a convicção desses directores ela não se perdia nos mandatos das direcções imediatas que elegem a construção do bairro o principal objectivo quer nos orçamentos quer nos planos de actividades.

Estabelecem-se, em 1970, negociações com a Casa do Douro e a Direcção que tem como seu presidente o Dr. José Lopes Vieira de Castro (1968-1971) formalizava a compra de uma parcela de terreno, com área de 5.000 m2, na rua Dr. António de Almeida, destinada à construção do bairro. Está dado um grande passo para o surgir da obra. O seu início aguarda melhor momento e directores mobilizados em reiniciarem todo este processo.

Em 1974, a Direcção liderada pelo Dr. Aires Querubim (1972-1980) toma a decisão de escrever ao Fundo de Fomento de Habitação - Delegação do Norte, a pedir-lhe apoio para a concretização da obra e, mostrando trabalho, envia-lhe um fundamentado estudo do levantamento do terreno. Esse organismo público conclui pela “viabilidade e utilidade da realização da obra”. De seguida, deslocavam-se à Régua os seus técnicos para procederem ao estudo da implantação e se encarregarem de elaborar o projecto para a “construção de 30 fogos da espécie T-3e T-4”.

Executado o projecto, a direcção do Dr. Aires Querubim promove um concurso para a “construção do conjunto habitacional dos Bombeiros da Régua”. Na sessão de abertura das propostas, realizada no dia 23 de Setembro de 1978, no Salão Nobre da Câmara Municipal da Régua, fica-se a saber que concorrem ao concurso duas empresas com sede na Régua. São elas a “Construtora do Douro, Lda.” e a firma “José Ermida Lopes & Irmão, Lda.”, que apresentam, respectivamente, o valor de 29.876.355$40 e de 28.875.053$50. Decidida uma reclamaçã, a direcção da associação adjudicava à construção da obra, em razão do valor mais baixo, à firma “José Ermida Lopes & Irmão, Lda.”.

Após contactos a nível político, a direcção consegue um financiamento para a obra no Fundo de Fomento de Habitação. A autorização pertenceu ao Secretario de Estado da Habitação e Urbanismo, Casimiro António Pires, que a faz publicar num Aviso – Diário da República, II Série, de 22 de Março de 1980 - a “conceder aos Bombeiros Voluntários do Peso da Régua uma comparticipação de 30.0000$00 destinada à obra de construção de trinta fogos.”

Em 3 de Setembro de 1980 será outorgado o contrato de empreitada. Assinava-o em nome da associação o secretário Manuel Pinto Dias Montezinho, um director zeloso, competente e atarefado a substituir Aires Querubim, empossado Governador Civil do Distrito de Vila Real, em 14 de Fevereiro de 1980. Nesse contrato, ficava estabelecido na cláusula sexta que o prazo para conclusão da obra era de 24 meses, contados da assinatura do auto de consignação. Lavrado e assinado o auto de consignação em 1 de Outubro de 1980, iniciam-se os trabalhos de empreitada. Ainda com pouco obra executada – foram apenas pagos cinco auto de medição - os trabalhos paravam no dia 2 de Novembro de 1981, retirando a empresa construtora os seus operários, materiais e as máquinas.

No dia 18 de Novembro de 1981, o fiscal da obra, o Eng. José Manuel Correia Rodrigues dava aos directores da associação uma má noticia, ao informar que “prevê-se que os trabalhos não sejam reiniciados dado que parece estar iminente um processo de falência do empreiteiro”. A sua previsão viria a verificar-se. A nova direcção, presidida pelo senhor António Bernardo Pereira (1982-1983) ficava com um problema grave nas mãos para resolver na justiça. Com as obras paradas, em Janeiro de 1982, a sua direcção apresenta no Tribunal Judicial da Régua uma “Notificação Judicial Avulsa” contra a empresa construtora, a participar-lhe “que rescinde o aludido contrato de empreitada por culpa unicamente imputável à requerida”.

A notificação judicial não teve oposição. Para efeitos da posse administrativa, no dia 13 de Janeiro desse ano, era feita a medição da obra executada e a relação do material existente. Esteve presente pelo Fundo Fomento de Habitação, o Eng. Defensor de Castro e pela associação, o presidente de direcção, António Bernardo Pereira, o secretário Júlio Alfredo Mota e o fiscal da obra, não se fazendo representar da construtora. Como se esperava, a empresa de construção entra em processo de falência. O Dr. Martins de Freitas, em 22 de Abril de 1982, informava a direcção dessa situação. Sendo este advogado nomeado administrador da falência, pedia que o informassem se os créditos que aquela dizia ter a receber da associação pela obra adjudicada correspondiam à verdade. A direcção respondia negativamente, ao fazer constar que "como as entregas que esta associação fez à referenciada totalizam 4.440.320$00, resultam daí um crédito a nosso favor de 2.320.454$00, cujo pagamento desde já reclamamos."

Estando a ser resolvidos problemas jurídicos com a seguradora Aliança Seguradora para reaver a caução, o que o advogado Dr. Araújo Correia consegue receber, a direcção de António Bernardo Pereira não deixa a obra parada. Com o apoio do Fundo de Fomento de Habitação prepara o programa para um “concurso ilimitado para a arrematação da empreitada de conclusão da construção”. Aberto por anúncio em 13 de Janeiro de 1983, o prazo para a apresentação das propostas decorreu até ao dia 2 de Fevereiro desse ano. Concorre a empresa de construção “Eusébios & Filhos, Lda.”, apresentando um valor de 45.000.000$00. Assinado o auto de adjudicação em 11 de Março desse ano, recomeçam as obras de conclusão do bairro.

Eleita uma nova direcção, dirigida pelo Dr. José Luís Andrade (1984-1987) que acaba por receber uma mão cheia de problemas. Apesar de terminada a empreitada, constatava-se que faltavam fazer obras de acabamentos e facturas da empreitada para pagar, tornando-se necessário recorrer a um empréstimo. Concluídas as obras, no dia 22 de Janeiro de 1986, este director entregava na Repartição de Finanças a declaração, por ele assinada, para a inscrição na matriz do bairro. Deveria começar o processo de entrega das casas que faziam falta às famílias de bombeiros a viverem em situações desconfortáveis. Mas, tal não aconteceu neste mandato. Mantém-se trinta casas desabitadas durante três anos.

Uma nova direcção sai das eleições, tendo à frente o professor Fernando de Almeida (1987-1990). Sem mais demoras, encarrega-se de finalmente entregar as casas aos bombeiros mais necessitados. A ele se fica a dever o trabalho de organizar os pedidos de inscrição, celebrar os contratos de arrendamento, estabelecer o valor das rendas - no regime apoiado e com uma bonificação para os bombeiros - e seleccionar as primeiras famílias.

Estava concretizado mais um sonho dos bombeiros da Régua. Demorou mais algum tempo a tornar-se visível, sobretudo aos olhos dos que nunca acreditaram. Não sei o que eles disseram - nem interessa - mas nas páginas da história da associação ficava escrito o esforço de muitos directores – aqui recordados - que tinham conseguido erigir no “coração da cidade”, cinco prédios de habitação social, para morada das famílias dos bombeiros.
- Peso da Régua, Dezembro de 2009, J. A. Almeida.
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