Nasci nas Caldas do Moledo, mesmo perto do bonito parque termal. Parte da minha infância ficou aqui neste lugar mágico, a testemunhar os primeiros passos que aprendi a dar nos caminhos da minha existência.
Ali revejo alguns dos tempos mais felizes passados nos jardins do parque termal e nas margens de rio que o ladeiam. Eram o tempos em que frequentei a escola primária que existiu improvisada numa casa pobre e de uma professora exigente e de mau génio, a D. Esmeralda, que, com rosto bonito ainda vejo ainda distingo, no meio de uma sala e de quadro negro, onde gostava de nos ver fazer exercícios de contas e das regras gramaticais do português e, se algum, não se sabia comportar usava com rigor e força, uma régua de madeira para bater nas mãos.
Ali estão velhas lembrança de bons, luminosos dias que passei entretido em inocentes jogos da bola e do pião e, no fim das aulas, na caça aos pardais pelo meio dos arvoredos e dos laranjais da Quinta das Caldas, com uma fisga, construída de um pedaço de madeira e elásticos, e as corridas dos carros feitos em madeira, com pequenas rodas, que deslizam em alta velocidade pelos passeios, junto ao imponente belo Palacete e a um grande hotel que estava em estado de ruínas, mas outrora tinha sido frequentado por gente famosa em busca de cura e milagres em águas termais.
No tempo de calor, no quente verão, eram os banhos e os mergulhos nas águas frescas do rio, sempre a fugir da vigilância apertada dos meus pais, as cerejas colhidas na primavera, as primeiras uvas maduras, o doce moscatel e a malvasia fina, que o meu avô Álvaro, trabalhador incansável e dedicado nas coisas da natureza, colhia em pequena vinha cultivada na Penajóia, que fica no outro lado da margem do rio, mesmo em frente às Caldas do Moledo. Ainda o recordo, a atravessar o rio num seu pequeno barco, como se o rio não tivesse segredos para ele e fosse o seu mundo de evasão.
Não esqueço as tardes de ócio que passava na pesca, através de peixes grandes como barbos, escalos e os robalos, apanhados com indisfarçável prazer de pescador em aprendizagem com as canas modestas. Não esqueço também os grandes e longos dias, em que no meu quintal, nas traseiras da casa, à sombra de uma bungavilia, enquanto os melros se entretinham numa grande figueira, me dedicava à leitura de livros maravilhosos que nunca esqueci e chegavam numa carrinha cinzenta com o símbolo da Gulbenkian, onde os ia requesitar. Foi nesses livros que conheci os primeiros heróis da minha vida: Com os livros de Julio Verne não me cansei de viajar por mundos desconhecidos, longínquos, quase até a Lua, alargando novos mundos além dos meus pequenos sonhos confinados a um espaço de terra, onde cresciam flores e havia animais à solta, como uma gata alourada, que partilhavam esta rara felicidade de vida ao sol.
Ali começou – e depois acabou – o meu primeiro amor, mas já não tenho nenhuma certeza se foi assim desta maneira tão simples. A verdade, é que tudo começou num instante que ficou para sempre, mesmo sabendo que um dia nossas vidas iriam ter um rumo diferente nos caminhos do destino. Ali recomeçou um namoro de juras para toda vida e uma palavra escrita em pedaços de papel usado: “AMO-TE”. Não te deveria confessar mas ainda guardo nos meus arquivos pessoais e mais íntimos esse inesquecível documento com a uma assinatura, sim a tua, com a inicial do teu nome manuscrito, como se fosse a unica prova material que me resta desse nosso amor. Se tem algum valor para a vida não te posso dizer porque aquilo que é real, muitas vezes, torna-se irreal.
Regresso às minhas Caldas do Moledo, ao reduto do parque termal, mais uma vez, para procurar esse meu tempo de amor (in)finito. Aquele que só existe na nossa memória. Sei que te encontrarei sentada à minha espera num banco, entre os frondosos plátanos, sossegada na leitura de um romance que te ofereci sobre a vida da generosa e apaixonada mulher do Douro, a Ferreirinha – penso que se intitula a “Fúria das Vinhas” - com um olhar atento no passar silencioso das águas serenas do rio Douro. Ainda te lembras? Talvez não, o tempo deve ter apagado em ti este breve e único momento. Que não se repete no universo. Só que em mim, ele permanece como se hoje fosse e é mais uma prova verdadeira para dizer que exististes em determinado momento da minha vida. O resto, já nem interessa para a história daquilo que ficou por fazer e de dizer para sempre, por não haver tempo.
Tenho saudades desse tempo e de te olhar nos olhos até de madrugada. Aquelas que o sol, sai do meio das montanhas retalhadas em vinhedos e ilumina de claridade a paisagem e o passado. Tenho saudades tuas. Não te minto e não escondo. É mais um prova, a de que nunca esqueci que amei.
As Caldas do Moledo são o meu principio. As origens do meu universo como ser humano. Encontram-se neste lugar todos os meus tempos de criança feliz, de adolescente sonhador e de homem que aprendeu uma coisa simples da vida, que tendemos a querer esquecer: mais tarde, ou mais cedo, volta-se sempre ao lugar onde se nasceu.
Eu nasci nas Caldas do Moledo, onde passa o meu rio que me leva à tua foz e me faz regressar a este lugar intemporal e ao que ainda resta de ti, como se tu mesma fosses a minha última verdade absoluta.
- José Alfredo Almeida*, Peso da Régua, Dezembro de 2010. Clique nas imagens para ampliar.
- *José Alfredo Almeida é advogado, ex-vereador (1998-2005), dirigente dos Bombeiros Voluntários de Peso da Régua entre outras atividades, escrevendo também crónicas que registram neste blogue e na imprensa regional duriense a história da atrás citada corporação humanitária, fatos do passado da bela cidade de Peso da Régua de onde é natural e de figuras marcantes do Douro.