Dir-se-ia que os novos, diversos e cómodos meios de comunicação nos aproximam cada vez mais uns dos outros. Não é verdade. Sob o ponto de vista da relação humana o próximo está cada vez mais distante. A própria carta, onde reflectidamente se trocavam pensamentos e sentimentos está em vias de extinção.
O meio de comunicação que mais se afirmou em todo o mundo foi o telemóvel. A princípio, de tão raro, as pessoas serviram-se dele com um certo recato e solenidade. Afastavam-se de quem estivesse perto e procuravam um canto onde pudessem satisfazer a necessidade de atender ou fazer uma chamada. Mas não tardou a que o telemóvel se propagasse como uma doença altamente contagiosa. Vê-se hoje nas mãos de toda a gente como se fosse um osso de pôr e tirar do esqueleto. E não se julgue que é só nas mãos dos adultos, em plena actividade, que o telemóvel está sempre a ser levado ao ouvido. Também os pegulhos da instrução primária como ele se entretêm como dantes se entretinham com o pião.
Acontece muitas vezes estar num café a ler, quando chega à mesa do lado uma revoada de rapazes e raparigas. Apuro logo o ouvido, interessado em saber como andam as conversas da juventude. Não há conversa. Há apenas uma troca de monossílabos, frases sincopadas e muitas interjeições do calão mais corrente. Não tarda cada um a puxar do cigarro e do telemóvel. E, então, eles e elas passam largos minutos numa troca de risinhos e banalidades com gente das suas relações. Nunca me apercebo de uma conversa urgente ou apenas necessária.
E, assim, o telemóvel, de inegável utilidade e cada vez mais evoluído, muito contribui para manter o próximo à distância de um premir de teclado.
As pessoas não se procuram, por mais perto que vivam umas das outras. Telefonam-se, por tudo e por nada. Mais por nada do que por tudo.
Nunca mais se viram dois homens a esquina, a conversar, a rir e gesticular. Há muito se desfizeram as rodas de cavaqueira. E havia-as bem características, em qualquer aldeia, vila ou cidade.
Recordo com nostalgia as rodas de cavaqueira da minha juventude. Em Poiares da Régua, a mais animada era a que se organizava ao fim da tarde na mercearia Santos e Campos. Peroravam as figuras da terra, ouvidas por cavadores, no seu regresso das vinhas. Deixado o silêncio e ramerrão do trabalho, ficavam presos às palavras e aos gestos daqueles senhores engravatados. Pareciam esquecidos do que vinham comprar. Recordados hoje, parecem-me figuras de Goya pintadas numa tela esfumada pelo tempo.
Na Régua havia três rodas de cavaqueira, todas no Cimo da Régua, a poucos metros umas das outras. A dos Bombeiros, dada a discussões desportivistas. A da Loja do Zé Pinto, onde os mais diversos assuntos eram tratados com ironia, troça ou sarcasmo. A da Farmácia Lemos, com tendência para a política. Os frequentadores, sempre os mesmos, conversavam à boca pequena e olhar de través, não fosse o Salazar aparecer por ali…
Tempos… Tempos…
- Camilo de Araújo Correia
- Sobre Camilo de Araújo Correia neste blogue.
Clique na imagem para ampliar. Texto e imagem original cedidos pelo Dr. José Alfredo Almeida (JASA). Edição de imagem e texto de J. L. Gabão para o blogue "Escritos do Douro" em Janeiro de 2013. Este artigo pertence ao blogue Escritos do Douro. Também publicado no jornal regional semanário 'O ARRAIS', edição de 9 de Janeiro de 2013. Só é permitida a reprodução e/ou distribuição dos artigos/imagens deste blogue com a citação da origem/autores/créditos.