Imagem Foto Baía / "Pátria Pequena"
Cada um de nós tinha um segredo guardado atrás de um qualquer banco daquele Jardim. Todos nós atravessávamos a rua, discretos, contornávamos a frente do jardim, aquela que se abria ampla para o Paço do Munícipo e, subindo a rua, procurávamos a pequena vereda que descia em direcção à parte de trás do coreto. Em tempos, nos idos anos de meados do século passado, por esse mesmo caminho desciam, todos os Domingos, os músicos da banda que animava a saída da missa e enchia de som e alegria as manhãs quentes e ensolaradas. Quando nós começamos a procurar a paz, a sombra e a magia do Jardim há muito que este tinha perdido a música dominical. O coreto envelhecia tristemente, as tábuas do palco, ora húmidas, ora ressequidas, não eram mais pisadas pelo aprumo dos músicos, apodreciam esquecidas da beleza do som. A cobertura já não o protegia das chuvas e o coreto acumulava a tristeza do abandono.
O Jardim não tinha sido a nossa primeira escolha. Tínhamos tentado os bancos de cimento no passeio junto ao Douro mas o rio, apesar de belo e mágico, era, também, quente e demasiado imponente para ser confortável. Depois seguimos para outros locais, o Adro da Capela, a Alameda, mas o Jardim tinha outro encanto e o coreto atirava a nossa imaginação para o passado. Ninguém decidiu, não se discutiu qual o seria o nosso ponto de encontro apenas deixamos que o Jadim tomasse conta de nós e guardasse o segredo da nossa amizade naquele que seria o último verão da nossa adolescência.
As tardes quentes eram passadas entre a descoberta dos poemas que os nossos corações plenos de emoção nos ofereciam e os risos fáceis das nossas vidas triviais. Cada um tinha os seus sonhos, eu queria viajar e conquistar o mundo, mas a Joana só queria conquistar o coração do Mário. O Mário jogava xadrez e lia banda desenhada. Eu estava apaixonada pelo Paulo, mas o Paulo estava mais interessado na sua viola. O João confessava o seu amor pela prima do Alfredo que vivia na Figueira da Foz e passara connosco as duas primeiras semanas de férias. Nenhum de nós estava feliz com a sua própria existência, partilhávamos as nossas angústias e ensaiávamos as dores dos adultos. Numa noite desse verão o Paulo levou a sua viola para o Jardim e juntou o seu som às nossas vozes. Em breve todos partiríamos, o tempo das vindimas estava a chegar ... Um novo começo para muitos, o fim da inocência para nós, os amigos do Jardim.
- Cristina Paula Baptista in o JARDIM - Blogue NADA TEMER.
Clique nas imagens para ampliar. Edição de J. L. Gabão para o blogue "Escritos do Douro" em Janeiro de 2014. Permitida a copia, reprodução e/ou distribuição dos artigos/imagens deste blogue com a devida citação da origem/autores.