Texto do Reverendo José Pinto de Miranda Guedes - Arcipreste do Peso da Régua.
A digna Direcção da briosa Corporação dos Bombeiros Voluntários desta vila pede-me para colaborar na publicação o editar nas Bodas de Diamante, pondo em destaque a acção dessa Corporação aquando da vinda de Nossa Senhora Peregrina à Régua.
Missão difícil esta pela grandiosidade do assunto. Missão difícil para a minha pobre pena, pouco habituada aos trabalhos literários.
Pobre companheira de 46 anos, ela está mais habituada aos trabalhos de instituir processos do que a burilar frases, a escrever artigos de responsabilidade. Porque eu entendo que escrever para o público se deve fazer depois de muito estudo, de muita ponderação, de muito alinhar períodos, de burilar frases.
É tão seria a missão do jornalista, que é o orientador das multidões… Ele deveria escrever com punhos de renda… Depois de reflectir sobre a responsabilidade do seu sacerdócio a alimentar o publico com o pão do espírito.
Mas – ai de mim! – sempre numa vida ocupadíssima, sempre em efervescência, sempre o espírito ocupado com os meus encargos, que são tantos… que são tão complexos…
E depois… falar nessa grandiosa manifestação de Fé em honra de Nossa Senhora…
Diz-se que Frei Anjelico pintava os seus quadros admiráveis de joelhos. Diz-se que o Cura d`Ars escrevia os seus sermões junto do sacrário.
Falar de tal manifestação e da actuação dos Briosos Bombeiros nela, seria necessário ter em frente o Crucifixo que inspirava o São Boaventura, ao qual ele atribuía tudo o que nos deixou nas suas obras maravilhosas…
Eu confesso muito francamente que, quando tomei conta da freguesia (há 22 anos!…) as minhas impressões sobre a religiosidade da Associação dos Bombeiros eram más…
Uma instituição cujo problema religioso não contava… Mas agora, passados vinte e dois anos, o meu modo de pensar, quanto a ela e quanto à freguesia, é bem diverso, muito diverso mesmo. Radicalmente diverso…
Em contacto com essa Associação, em especial e em contacto com a freguesia em geral, a minha convicção é de que há sentimento religioso bem radicado.
A luta da vida, esta preocupação do material, por vezes faz esquecer a vida do espírito. Mas surge uma ocasião dessas ocasiões extraordinárias, e essa Fé, essa Religiosidade, aparece com todo o seu vigor.
Foi o que se deu com a imagem de Nossa Senhora de Fátima Peregrina.
Como se dá (digamos de passagem) quando Nossa Senhora do Socorro sai na Sua Festa.
A Régua ressurge com a sua Fé e Religiosidade.
Agora, considerada a distância essa grandiosa manifestação de Fé, em honra de Nossa Senhora de Fátima, pareceu-nos maior, pareceu-nos um sonho lindo.
A Régua parecia uma grande catedral, onde quase só se rezava.
Oh! A Régua não é, não é essa freguesia que diziam. É uma freguesia talvez de pouca persistência nos seus anos. Com a facilidade que as aguas do Douro correm para o mar, assim ela deixa que se esvaia uma resolução tomada. Mas, na ocasião propícia mostra o que é…
E assim deixou-se possuir do entusiasmo comunicativo. A crença não havia perdido o domínio sobre as almas – na frase de Le Bom… Era uma enorme labareda de Fé, de amor à Virgem.
…Se se tratava de labaredas… de um incêndio, embora espiritual, os Bombeiros não podiam faltar… Eles nunca faltavam ao seu dever… A rir, marcham para os perigos como heróis que são…
Agora o incêndio era de maneira diversa. Não incendiava as casas, incendiava os corações, e por isso eles apareceram com a sua Fé, com o seu entusiasmo, de machados em punho (símbolos do seu heroísmo) eles lá estiveram toda a noite, revezando-se, aprumados, a pé firme, como firme é a sua Fé.
Não cansaram… Não hesitaram, como não hesitarão perante o perigo. Enquanto a Virgem Peregrina esteve na Régua, seguiram-na sempre a seu lado como que a protege-la, como dizendo-lhe – aqui estamos para vos defender se tanto fosse preciso…
A Imagem Peregrina e os Bombeiros não mereciam uma, pobre pena como a minha. Não mereciam um pobre artigo como o meu. Mereciam mais. Muito mais…
Mereciam ficar arquivados nos factos históricos da vila a letras de ouro. Mereciam ficar perpetuamente gravadas no granito das nossas montanhas, que na sua altura nos apontam para o que é imorredouro… para o Céu…
Eu, se fora artista, terá assim perpetuado o facto histórico da vinda de Nossa Senhora Peregrina à Régua: em uma coluna artisticamente trabalhada, alta, muito alta, terminada em agudíssima flecha, em estilo gótico, como mãos erguidas para o Céu. E, ao meio da coluna, um escudo, onde, em letras de ouro, se perpetuasse a data, escudo que seria colocado entre dois machados cruzados.
Onde melhor estariam os machados do que ali, ladeando essa data histórica, como os heróicos bombeiros, soldados aprumados, cheios de Fé, rodearam a Imagem de Nossa Senhora Peregrina?
- Colaboração de José Alfredo Almeida*, Peso da Régua, Julho de 2010.
NOTAS:
- Este texto foi publicado na revista do 75º Aniversário da Associação – Bodas de Diamante - publicada em 28 de Novembro de 1955.
- A primeira fotografia ilustrou o presente texto com a seguinte legenda: ”Guarda de honra ao andor de N. S. de Fátima, quando na sua viagem peregrina em Maio de 1954”.
- A segunda fotografia é da autoria do fotógrafo António Monteiro Júnior, que foi colega de outro grande fotógrafo amador, Noel de Magalhães, na Casa do Douro, e foi-nos oferecida por reguense que tem em seu coração os bombeiros da Régua.