Mostrar mensagens com a etiqueta MEMÓRIAS. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta MEMÓRIAS. Mostrar todas as mensagens

terça-feira, 5 de junho de 2012

MEMÓRIAS…

Falar das minhas memórias dos Bombeiros Voluntários de Peso da Régua é recuar no tempo e mergulhar no mais fundo de mim, tal é o entrosamento entre a sua história e a minha meninice.

Tive sempre uma admiração enorme pelos "soldados da paz", por aqueles homens que, de forma solidária, voluntária e abnegada, acorriam ao chamar da sirene para socorrer o próximo.

Das primeiras memórias que tenho é de estar ao colo do meu pai a ver o fogo num edifício - que era cor de rosa - ao fundo da rua do latoeiro, perto do cruzamento com a Avª João Franco. Dividida entre o medo e a sedução, lembro os tons avermelhados das labaredas e a correria, entre escadas e mangueiras, daqueles homens que tentavam dominar aquele monstro em chamas.

Recordo o entusiasmo com que o Bairro dos Bombeiros começou a ser sonhado - o meu Pai era Presidente da Direcção e o Sr. Cardoso era o Comandante - com o intuito de dar aos que serviam os outros condições de habitabilidade condignas e ainda por cima perto do Quartel.

Recordo os desfiles em dia do aniversário, com os capacetes a reluzirem, os carros lavados e as fardas impecáveis. A minha mãe, pouco dada a devoções de outros santos, punha sempre uma colcha na janela, dizendo-nos que aqueles "santos" de carne e osso mereciam tal honra e reconhecimento. Ainda hoje me saltam as lágrimas quando vejo um desfile de Bombeiros! O Sr. Cardoso marchava à frente e ainda recordo a figura do Sr. Claudino, em lugar de honra, nobre, solene, mas tímido: a prova de quem é realmente GRANDE permanece humilde.

Naquele tempo em que as mulheres ainda viviam na sombra dos homens, acalentei, junto com as minhas irmãs, o sonho de um dia ser Bombeira. O Sr. Cardoso, com bonomia, dizia que aquelas tarefas não seriam próprias para meninas, mas que sempre poderíamos - quando crescêssemos - vir a ajudar no transporte de material ou em tarefas de arrumação. Viveu o tempo suficiente para ver as Mulheres serem bombeiras e tropas e juízas e diplomatas, trabalhando a par com os Homens e provando as suas capacidades! Como o mundo mudou!

Depois acompanhei outro sonho: o da ampliação do Quartel. Obra de arquitectura notável, o Quartel encheu de orgulho os que dirigiam e dignificou os que ali trabalhavam, propiciando melhores condições de socorro e de operacionalidade.

No andar de cima existia uma Biblioteca em que passei largas horas, vasculhando novos livros e entretendo-me a viver com as personagens em cenários imaginados, num tempo em que se vivia sem computadores e a televisão era a preto e branco. Também namorei alguma coisa, enquanto esperava a abertura, ao cima das escadas, onde o recato e o sossego alimentavam o enamoramento de quem tem 15 anos!

Com imensa emoção acompanhei a realização do XXIV Congresso dos Bombeiros Portugueses. A Régua, por esses dias, parecia uma cidade cosmopolita e a rotina dos dias foi animada pelas celebrações. Relembro a Missa campal, celebrada em frente ao Tribunal e o desfile de todas as corporações: nessa altura é que foi chorar a valer!!!!

Aprendi com os Bombeiros a ser solidária, a dar sem pedir nada em troca, a socorrer sem perguntar a quem, a respeitar todos e cada um e a considerar todos como iguais porque no sofrimento a alma humana não tem títulos, nem dinheiro, nem condição social!

Não posso deixar de referir, porque essa imagem me inunda a memória e me traz uma imensa saudade, a figura do Comandante Carlos Cardoso que era, sobretudo, um Homem Bom. A sua figura distinta e elegante e o seu coração de oiro são uma referência da minha vida.

Nós vivíamos na Rua da Ferreirinha. Em linha recta, a nossa casa ficava a cem metros do quartel. Por isso, às vezes, em noites raras de insónia, ainda julgo ouvir a sirene, rompendo o silêncio como um grito aflitivo. Nós - quatro miúdas de idades próximas - aproveitávamos sempre a oportunidade para nos metermos na cama dos Pais ou da Avó, porque tínhamos medo daquele toque e íamos sempre à janela tentar descobrir onde era o fogo. Na negrura da noite, a visão das labaredas nos montes de Loureiro ou de Fontelas era dantesca e alimentava as primeiras representações do Inferno que a nossa imaginação de meninas era capaz de elaborar.

Memórias doces são as que guardo dos Bombeiros da Régua. Terra onde nasci e onde me fiz mulher e onde gosto de voltar para mergulhar no oiro do rio, na calma dos montes e no bordado das vinhas.

Desejo que a terra seja capaz de continuar a honrar os seus Bombeiros e que estes continuem a servir com a mesma grandeza e a mesma dedicação.

Para mim fica sempre a doçura das memórias!
Lisboa, 29 de Maio de 2012, Paula de Menezes Soares

Clique nas imagens para ampliar. Sugestão de JASA (José Alfredo Almeida) para este blogue. Edição de J. L. Gabão para o blogue "Escritos do Douro" em Junho de 2012. Texto também publicado na edição do semanário regional "O Arrais" de 7 de Junho de 2012. Este artigo pertence ao blogue Escritos do Douro. Todos os direitos reservados. Só permitida a cópia, reprodução e/ou distribuição dos artigos/imagens deste blogue com a citação da origem/autores/créditos.