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quinta-feira, 4 de abril de 2013

AS VIRTUDES DOS ANTEPASSADOS - VIRTUTIBUS MAJORUM

O Sr. António Guedes Castelo Branco, nosso conterrâneo, a quem nos liga mútua e velha estima e consideração, as quais se processaram ao longo de larga vivência, a nível de duas famílias quiçá o único sobrevivente de uma geração que, mercê de polifacetadas eclosões espirituosas – a que não foram alheias os manes de Pai Camilo e sua brilhante contemporaneidade -, sacudiram a então pasmaceira provinciana do burgo reguense, vem abordando, em substancial e não menos relevante colaboração, no Arrais, situações inerentes a um passado naturalmente saudoso, para quem ultrapassou os 80 anos de idade.

De passo que fixa e retrata tipos locais dos quais o decantado polícia da Régua é expressão superlativa, inserta na estruturação, revisteira da época, em situações pouco sérias, tocadas de certo sentimentalismo inevitável, em ordem a caracterizar estilo próprio, não lhe é possível abstrair de outros que, com perpassarem, pé ante pé, pelos recôncavos de um feliz anonimato o qual, em todas as épocas, se assinalaram e assinalarão, nas sociedades humanas, não lograram o propósito, neles visceral, dado o rasto luminoso, que deixaram, e se oferecerem à admiração dos coetâneos e vindouros, interessados nos valores culturais dessas épocas.

É o caso de Anastácio Inácio Teixeira, cuja personalidade, impregnada de humildade, só aos eleitos está reservado por condicionalismos predestinatórios, os quais se furtam, por vezes, à penetração do comum dos mortais.

Vimo-lo, de óculos encavalitados no nariz, curvado, em atitude ascética, à maneira do Aleijadinho(1), no Santuário do Congonhas, sobre o bloco de cantaria, com mãos peritas, munidas de escopro e macete, silenciosamente, quase furtivamente, ir afeiçoando aquele aos motivos ornamentais, que enriquecem a fachada do edifício sede dos nossos Bombeiros Voluntários. E quando havia dúvidas técnicas a respeito da exequibilidade de determinado pormenor de obras(2), Anastácio, sentindo em si a firmeza dos obstinados, lá ia prosseguindo na tarefa, a que votara toda a alma, quiçá sorrindo, interiormente, convicto, por longa e profícua experiência e devoção, que dele fez um Artista, de que é no caso, precisamente, que  o sol irradia os revérberos mais fulgentes, até que chegou o momento no qual, parafraseando Afonso Domingues, na Batalha, poderia afirmar – o arco não caiu… o arco não cairá.

Remonta, como é sabido, à pré-história o momento em que o homem, ao adquirir consciência do seu destino, passou a expressar, por via da Arte os anseios quer de ordem material, quer de ordem espiritual.

No âmago das civilizações que no mundo antigo se estabeleceram nas margens dos grandes rios e, posteriormente, na bacia do Mediterrâneo, de par com Artistas cujo nome passou à posteridade, vinculada a obras de  projecção indelével no consumar dos séculos, outros não menos fecundos e relevantes permanecem ignorados. Se é conhecida a paternidade do Partenon, de Pietá e da Mona Lisa, por exemplo, não é a dos templos de Karnak e Luxor, a dos baixos relevos do vale do Nilo, a dos palácios da Babilónia e Assur, a que animou igualmente o fogo sagrado.

Pelo que ao nosso país e, particularmente, respeita à nossa região, solares, cruzeiros, tempos, oleografias e mais partes estéticas, com ir de encontro ao asserto, documentam a capacidade conceptiva de ascendentes os quais, em época pouco propícia ao acesso de artistas consagrados, cuja acção se confinava aos grandes centros populacionais, mormente Lisboa e Porto, e, na verdade, a Capital do Alto Douro, não obstante se afirmar, desde que o vinho brotou dos seus geios, como centro de actividade marcante na economia nacional não passar era, então, modesta Póvoa a qual aponta, hoje, para promoção cabal.

Há qualquer coisa de místico nestes artistas ignorados, que tudo sacrificaram e sacrificam, numa renúncia sobrelevante a paixões materialistas, demiurgos de um idealismo, o qual, nem sempre, se abre à prospecção anímica de quem os observa. E Anastácio, ao jogar, na mesa da consciência, a cartada dos bens adquiridos através de sacrifícios inauditos, para ganhar bens espirituais, polarizados na catedral dos seus sonhos, bem merece que o recordem os vindouros, no local, onde, do holocausto, resultou a obra da qual, irmanados com os nossos Soldados da Paz, nos orgulhamos.

Erguida sob o risco de Oliveira Ferreira sedia-se a Associação Humanitária dos Bombeiros do Peso da Régua, na verdade, em autêntica catedral. Se as outras são catedrais da fé, que revela aos humanos os mistérios da escatologia transcendente, esta é catedral do bem, do qual, no plano terreno, é susceptível de os libertar de paixões mesquinhas e, em contrapartida, de lhe ir buscar ao subconsciente o que de bom lá se encontra oculto, em circunstâncias conjunturais.

À virtude dos nossos maiores! Que a legenda seja farol que guie o deambular dos homens, pelas vereadas do porvir.
- José António de Sousa Pereira - Publicado no jornal o Arrais, edição de 19 de Janeiro de 1979.
  1. - António Francisco Lisboa, o qual, vítima de lepra nervosa, que lhe mutilou as mãos, com os instrumentos de trabalho amarrados aos cotos esculpiu, em pedras de sabão, as estátuas dos doze apóstolos, que adornam o átrio daquele Santuário.
  2. - O pormenor reportava-se ao fecho da corda do grande arco da volta redonda, que realça na fachada, hoje repetido na segunda fase da obra.
Clique nas imagem para ampliar. Imagens e texto cedidos pelo Dr. José Alfredo Almeida. Edição de imagem e texto de J. L. Gabão para o blogue "Escritos do Douro" em Março de 2013. Atualizado em 4 de Abril de 2013. É permitido copiar, reproduzir e/ou distribuir os artigos/imagens deste blogue desde que mencionados a origem/autores/créditos.