João
de Araújo Correia
A Régua actual, tornemos a
dizer, não é muita antiga. Nasceu com a Companhia
Velha, cujo edifício e armazém, à beira do nosso rio, são uma espécie de
quartel-general do país vinhateiro.
Era à Régua o foro de capital do Douro.
Mas, por hoje, vamos lá
recordar a botica do Anastácio, situada na Rua dos Camilos, defronte da antiga
loja do Valente Novo. Loja que mudou
de nome português para nome francês, mudando o proprietário. Deus lhe perdoe!
A botica do Anastácio! Já
toda a gente lhe chamava farmácia. Mas, o meu pai, amigo de termos velhos ainda
lhe chamava botica. Assim como chamava Rua
da Bandeira à Rua dos Camilos, porque os terrenos, por ali situados, tinham
pertencido aos Portocarreiros, fidalgos da Bandeirinha,
lá em baixo, na cidade do Porto.
A Régua não é muito antiga.
Mas, já se pode ir falando da Régua de ontem aos actuais reguenses. Como tudo
quanto nasceu, também, a Régua vai envelhecendo.
A botica do Anastácio é de
ontem. É do tempo em que não havia clubes ou só havia um clube. É do tempo em
que os mentideiros, os soalheiros, os centros de cavaco, eram as farmácias ou
mercearias. Memorável ponto de reunião foi a botica do Anastácio - como lhe
chamava meu pai. Memorável clube improvisado.
Anastácio, de pé, do lado de
dentro do mostrador, deitava aos contertúlios, de vez em quando, uma palavra
mansa.
Era homem calmo, correcto,
farmacêutico limpo e honesto como não havia segundo. Receita aviada por ele
saía das suas mãos como obra-prima em forma de garrafa, hóstias ou pomada.
Morreu bastante novo, com uma diabete quase fulminante.
Contertúlios reunidos à noite
eram aí meia dúzia. Além de meu pai, conto o Dr. Vasques Osório, mais conhecido
por Doutor Galego, por ser filho de
Domingos, galego de nação; Joaquim Lopes da Silva, homem de grande tino
comercial, uma energia oriundo de Ovar; Cardoso Mirandela, então ajudante de
notário, homem esperto e positivo; Joaquim de Sousa Pinto, merceeiro bem
disposto, dedicado comandante de bombeiros; Joaquim Penhor, a quem chamavam o Tio Rico, e outros.
Conversavam sobre a política
do tempo, contavam anedotas recessas, etc.
Tio
Rico
morava lá em cima, no Poeiro, numa casa que veio a ser residência paroquial.
Creio que vivia com mulher e cunhadas. E, como não tivesse filhos, deixou a
casa ao Cardoso Mirandela, sobrinho dele por afinidade.
A Régua não é muito antiga.
Mas, como se vê, começa a ter que contar.
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Nota: Esta crónica foi publicada no jornal O Arrais, de Peso da Régua, com o pseudónimo de Joaquim Pires.
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Nota: Esta crónica foi publicada no jornal O Arrais, de Peso da Régua, com o pseudónimo de Joaquim Pires.
Colaboração de texto e imagem do Dr. José Alfredo Almeida e edição de J. L. Gabão para o blogue "Escritos do Douro" em Agosto de 2011. Clique na imagem acima para ampliar.