Chegou a ser efervescente, no século
XIX, a publicação de folhas periódicas reguenses. Já me passou pela vista um
exemplar da Régua em Camisa, vários
números da e, se bem me lembro, algum número do antigo Douro, fundado em 1863. O novo só muito
mais tarde, em 1900, reapareceu.
Valerá a pena a qualquer estudioso,
dotado de paciência, estudar meticulosamente o que foi, na Régua, a imprensa
periódica no século XIX. Terá, para esse efeito, de recorrer às bibliotecas
públicas, a algum particular e ao Instituto do Vinho do Porto. Esta casa, tão
importante, deve ter adquirido, in illo
tempore, uma boa porção de jornais velhos publicados na Régua.
Diga-se, antes que esqueça, que todos
esses jornais, publicados nesta vila e veementes defensores do Douro, provam
que a capital do país vinhateiro foi sempre a nossa terra. Valem como
pergaminhos comprovativos. Régua, capital do Douro… Assim se disse e há-de
dizer sempre.
Mas, vamos lá ao tema desta crónica.
Tema particular, será a recordação de jornais que eu conheci, aqui na Régua, no
tempo em que me criei.
Foram três bi-semanários, que se
chamaram, a contar do mais velho, O
Independente Reguense, O Douro e O Dissidente.
O Independente
vinha do século passado, o Douro
reaparecera em 1900 e o Dissidente, o
mais novinho, era então, pode-se dizer, recém-nascido.
Independente
e Dissidente
entravam em minha casa duas vezes por semana. E eu, rapazinho da escola
primária, recebia-os e lia-os com avidez. Neles saboreava as poesias de Camilo
Guedes, algum artigo de Pinto Pereira e as eruditas notas de Gabriel Gouveia
sobre Camilo, que denominava imortal
humorista.
Folhas saídas de prelos arcaicos,
movidos a pulso, entravam-me em casa húmidas como se tivessem acabado de tomar
banho. E eu, deixem-me assim dizer, respeitava-lhes o pudor. Mal as encarava
para as deletrear.
Cada um dos jornais era entregue, em
minha casa, pelo rapaz da redacção – rapazinho descalço que eu respeitava e
admirava por ver nele alguém que conhecia o segredo de fazer jornais.
Sabedores desse segredo eram homens
feitos como o Chico Cego, do Dissidente,
e o Luís Ribeiro, do Independente.
Vi algumas vezes, à janela do jornal O Douro o tipógrafo Queirós, homem de
rosto magro e cabeleira rica, levantada como trunfa.
Dizia-se que bebia vinho pela medida
grande. Dizia-se até que o contacto com os tipos era mais puxavante que
azeitonas e bacalhau cru. Mas, nem todos os tipógrafos se deixariam tentar.
Luís Ribeiro, do Independente, era
morigerado. Já o Chico cego, enquanto compunha, ia molhando a palavra para
melhor insultar o aprendiz.
Tudo se perde, em terras de província,
quando deixa de se usar. De certo se perderam as colecções dos três
bi-semanários. Se não houver quem as procure à luz da candeia, rezem-lhes por
alma os antigos leitores das três folhinhas.
Mas, aqueles prelos gementes? Não será
possível que o Museu do Douro, agora em formação, venha a possuir, em bom
estado, um exemplar desses objectos?
Merece memória quem lidou com eles a
favor da Régua e do douro. Mas, os prelos, obedientes ao pulso duriense, também
a merecem. Primitivos como eram, não imprimiam mal. Davam de si folhas húmidas
muito asseadas.
Como não há museu municipal, cumpre ao
Museu do Douro, agora em formação, adquirir velhos jornais da Régua e um
exemplar do prelo que os deu à luz. Valeu?
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