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POEMA A PORTO AMÉLIA
(À Memória de Jaime Ferraz Rodrigues Gabão, escrito em Junho/70)
Terra suada pelo fogo do sol e esquecida lá no norte,
onde tantos ganharam a coragem para refazer a vida
e teimam em ficar, unidos e em comunhão com os lá nascidos.
Terra que ouve tiros ecoando na selva
e sepulta corpos vestidos com sangue de guerra,
poetas gritando justiça e paz, mesmo que ninguém os ouça,
nem os que trincam a alma no amanho da machamba,
nem os que mastigam o tempo no amanho da esperança.
Terra vermelha com cemitério debruçado sobre o mar,
cruzes escurecendo no desfilar da memória,
epitáfios de números e de nomes esquecidos além.
Terra que sente os espaços limitados,
as angústias das palmeiras seculares,
abrigando a sombra de olhos fixos nos corais
e suspirando horizontes na quietude triste de um cais.
Terra que ajudou a criar o poeta, a fazer o poema
e a construir a filosofia do abraço e do sorriso.
Terra que também é minha porque nela chorei de solidão,
chorei amigos que foram mortos sem razão
e nela joguei sem deserções o xadrez da vida;
vi crianças de olhos esbugalhados pelo espanto
e homens hipnotizados pelo minuto seguinte.
Ó terra excitada pelos batuques das gentes negras,
sons perdidos na cumplicidade das tembas!
Eu te lembro deste continente que se chama Europa,
meto o poema numa carta e pergunto quantos selos leva,
sem selos a palavra escrita não salta mares,
deito-a num saco de correio azul – azul como o teu céu
e espero, meu AMIGO, que me respondas do outro lado.
Seria bom – ó terra dos ecos nocturnos! – voltar às tuas manhãs de luz,
aos teus entardeceres como quem fecha os olhos para sonhar,
perder-me nas picadas de fins ignorados e ouvir o eco do meu grito,
aliviar o meu alvoroço oprimido e poder dizer: «Viva a vida!».
M. Nogueira Borges* – Porto, Junho/1970
- Outros post's neste blogue que falam de Jaime Ferraz Rodrigues Gabão, cidadão português nascido na cidade de Peso da Régua em 13 de Abril de 1924, falecido em 18 de Junho de 1992, dia do Corpo de Deus e sepultado no Cemitério do Peso.
- *Manuel Coutinho Nogueira Borges é escritor e poeta do Douro-Portugal. Nasceu no lugar de S. Gonçalo, freguesia de S. João de Lobrigos, concelho de Santa Marta de Penaguião, em 12.10.1943. Frequentou o curso de Direito de Coimbra, cumpriu o serviço militar obrigatório em Moçambique, como oficial mil.º e enveredou pela profissão de bancário. Tem colaboração dispersa por diversos jornais, nomeadamente: Notícias (de Lourenço Marques); Diário de Moçambique (Beira), Voz do Zambeze (Quelimane), Diário de Lisboa, República, Gazeta de Coimbra, Noticias do Douro, Miradouro, Arrais e outros. Em 1971 estreou-se com um livro de contos a que chamou "Não Matem A Esperança". (In 'Dicionário dos mais ilustres Trasmontanos e Alto Durienses', coordenado por Barroso da Fonte. Manuel Coutinho Nogueira Borges está no Google. Pode ler também os textos deste autor no blogue ForEver PEMBA. Outros textos de Manuel Coutinho Nogueira Borges neste blogue!
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