terça-feira, 4 de janeiro de 2011

As Caldas do Moledo: Um lugar cheio de sentimentos

Regresso sempre às minhas origens, á minha terra, às Caldas do Moledo, quando tenho necessidade de me reencontrar com a minha vida.

Para lá chegar, conheço bem caminhos no mapa dos meus afectos e sentimentos mais íntimos.
Apetece-me voltar, algumas vezes, para respirar aquele ar puro e me encher da paz e serenidade que só aquela paisagem única, povoada de segredos e mistérios, me consegue dar.
Sempre que ali regresso procuro alguém que nunca dali conseguiu sair, o poeta nascido nas Caldas do Moledo, Antão de Morais Gomes que atingiu a Eternidade, o outro mundo, a escrever um pequeno livro de sonetos, esquecido no passar do tempo, a que chamou de "Antão era pastor..." como se procurasse uma parte de mim, que ali ficou na minha infância.

Desta última vez, encontrei-me no meio de rio Douro antigo, um rio que só existe nos mergulhos da minha infância e das aventuras de rapazes que no inicio do verão tinham por hábito colher as primeiras cerejas da Penajóia, aproveitando as ausências e a falta de vigilância dos seus donos.

Coisas de rapazes, mal feitas mas que não chegaram a causar danos e prejuízos maiores a ninguém. Desse tempo, aprendi mais uma verdade simples que registei no meu caderno de apontamentos : "se alguma coisa aprendi com o tempo, foi a respeitar e cuidar de quem mais gosto, mesmo que às vezes me pareça insuficiente".

Para mim, cada regresso que faço às Caldas do Moledo, é como voltar a  um lugar onde  fui  feliz.
Para mim, o meu Moledo não é só um lugar, são todos os sentimentos que ali aprendi e nunca esqueci.
- José Alfredo Almeida, Peso da Régua, Janeiro de 2011. Clique nas imagens para ampliar.

segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

A Vila da Régua em 1916

Aqui está retratada uma vila da Régua de um passado recente - ano de 1916- que faz ter saudades...!

Nesse tempo, a vila era uma urbe importante e a grandiosa como escreveu Júlio Vilela, na revista ilustração Portuguesa, que destacava a boa qualidade de vida para os seus habitantes, ao referir que tinha: "um caminho de ferro com um movimento espantoso (... ) pode ufanar-se de possuir água canalizada; iluminação eléctrica esplêndida; um bom hospital; uma Associação de Bombeiros Voluntários que é modelar, um edifício camarário (...), um asilo para velhos e, prestes, a inaugurar o "Asilo José Vasques Osório", para a infância dos dois sexos, obra verdadeiramente grandiosa".
Passado quase um século a Régua perdeu quase tudo. Se há água e luz em abundância, já lhe falta um hospital e os comboios na velha estação perderam movimento e a importância de um transporte moderno e rápido. O edifico camarário foi reabilitado e está mais funcional aos seus munícipes. O Asilo José Vasques Osório, agora nas mãos da Santa Casa da Misericórdia, continua a ser uma generosa casa de solidariedade para crianças desprotegidas. E, finalmente, a Associação dos Bombeiros Voluntários... continua sempre modelar. Um exemplo de força invencível para a população reguense que serve com magníficos bombeiros. Com os 130 anos de existência, encontra-se a requalificar todo o interior do belo quartel, desenhado pela mãos do prestigiado Arquitecto Oliveira Ferreira, com obras de beneficiação de vulto e prepara-se para realizar, em finais de Outubro de 2011, com com toda a pompa e circunstância, o 41º Congresso Nacional dos Bombeiros Portugueses.
-  Colaboração de J. A. Almeida* para "Escritos do Douro" em Janeiro de 2011. Clique nas imagens acima para ampliar.

quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

A SENHORA DAS DORES

Caminho sem relógio, procurando as sombras, turvado pela mornaça e um cheiro de flora que me lembra o caril. As vivendas, com avisos de empresas de segurança e grades nas janelas, têm as persianas semi-cerradas por onde escapa o ressonar das sestas. Os carros, de marcas alemãs e suecas de não sei quantos turbos, também dormem embrulhados em lonas escurecidas de pó, pintalgadas por cagadelas de pássaros e folhas ressequidas. Vê-se que é uma zona chique onde o dinheiro não tem ideologia, de tanto nem se conta, ou, então, de pouco se disfarça em muito. Ao lado, na Estrada da Mata que leva a Vila Real de Santo António, o parque de campismo diz-me que talvez haja quem viva com mais gosto, sem medo de assaltos, a cheirar o restolho, os pinheiros bravos e as sardinhas assadas. Percorro a longa avenida Vasco da Gama, de esplanadas vazias, onde destila um ou outro loiro ariano a atestar o depósito com enormes canecas de cerveja que só de olhar metem impressão. No vasto areal continuam os fanáticos do bronze grudados às areias a derreterem os cremes e a celulite. O chão escalda como piche, desvio-me para a zona pedonal, evito o largo das carroças à espera do fim do dia para os passeios turísticos, entoando chocalhos e empestando o ar com as necessidades cavalares. Um grupo de peruanos (ou bolivianos?) montam, já, a aparelhagem para o espectáculo nocturno de música andina; algumas bocas lambuzam-se de gelados num ritual de lábios e de línguas que envergonha os atrevidos quanto mais os pudicos. Mostruários de jornais e revistas do jet-set, raquetes e bolas, camisetas berrantes e óculos de sol, fios dentais e calções de banho, isqueiros e pilhas, cremes e preservativos, colchões de plástico e remos do mesmo, cadeirinhas e guarda-sóis, toalhas e almofadas, chinelos para meter entre o polegar e o indicador e sandálias para as unhas pintadas, bóias e flutuadores infantis - tudo o que cabe num armazém de chinas. Os restaurantes, pegados uns aos outros, atravancados de preçários, esplanadas de cadeiras e reclamos de visas e american express, não dão uma folga para as pessoas passarem.

Deixo o Monte Gordo cosmopolita, dos prédios altos como pinocos, ilhas verticais de camas-sofás, e meto-me pelas ruelas estreitas da povoação antiga, pertença da genitura piscatória, com casinhas renteadas aos passeios. É a zona dos cafés-tipo-tasca ao custo do Norte, dos pratinhos de tremoços e amendoins a acompanhar imperiais, do frango de churrasco, do bezugo nas brasas, dos idosos desfiando o tempo em cadeiras de lona às riscas, das crianças gincanando por entre os carros estacionados, das mulheres de crepes vitalícias.

Entro na pequenina Igreja semelhante a um adereço de presépio, de suave frescura, simples como tudo o que, em nome de Deus, devia ser. Custa-me a adaptar os olhos à penumbra. Vejo uma Senhora de Fátima num nicho à direita do Altar. Todas as Senhoras de Fátima são assim: rosto plácido, olhar terno, boca sem ofensas, mãos delicadas segurando um terço com as contas dos pecados do mundo. À esquerda, um Senhor dos Passos, transportando uma cruz, tem um rosto de sofrimento mas os olhos sem rancor. Um arranjo floral, mistura de gladíolos vermelhos e gerberas amarelas, está aos pés de uma Imagem ornamentada com um cónico manto roxo até aos pés. Aproximo-me para melhor A ver e paro, surpreso, com a presença de uma velhinha, cabelos todos branquinhos, vestido negro, um ciciar de Padre Nossos tão leve que nem a notara, sentada a um canto junto à porta da sacristia. Fiquei especado, sem me mexer, transportado aos vultos da minha infância. Esboçou um sorriso e disse-me: «É a Senhora das Dores... É linda não é?...» Sorri-lhe, também, agradecido, e respondi com os olhos afogueados: «É linda como a Senhora que me fez lembrar a minha Avó!...» A velhinha, então, num farfalho de saias, levantou-se, abriu-me os braços, beijou-me, e acrescentou: «Deus Nosso Senhor o acompanhe!»

Quando abri a porta, à saída, por entre o ranger das dobradiças, ouvi (ou foi um eco da memória?):  «Deus Nosso Senhor te acompanhe, Meu Filho!» Era a voz da minha Avó que vinha das profundezas da terra, ou das alturas do céu, e se manifestava à rutilância do sol.
- De M. Nogueira Borges* extraído com autorização do autor de sua obra "O Lagar da Memória".
  • Também pode ler M. Nogueira Borges no blogue "ForEver PEMBA". *Manuel Coutinho Nogueira Borges é escritor nascido no Douro - Peso da Régua. A imagem ilustrativa acima, recolhida da net livre e composta/editada em PhotoScape, poderá ser ampliada clicando com o mouse/rato.