ACHEGAS PARA A HISTÓRIA DURIENSE
Quase em simultãneo, e, já lá vão nove anos, morreram nesta cidade, dois excelentes e prestimosos colaboradores do "Notícias do Douro" : - JAIME FERRAZ GABÃO e Engº. Técnico Agrário, JOSÉ CASTANHEIRA PELOTAS.
O primeiro colaborador antiquíssimo, vinha já dos primórdios deste semanário, mas recomeçou com mais assíduidade na Direcção do nosso querido e saudoso Amigo, NOGUEIRA GOMES, então Provedor do velho hospital, sediado no Peso.
Nesse recuado tempo, o nosso JAIME FERRAZ, escrevia muito, sobretudo sobre o Sport Club da Régua, tendo posteriormente ocupado um lugar de destaque nos corpos directivos. Foi funcionário do Posto Vitivínicula da Régua, como então se designava, sob a égide de um competentíssimo Engº. Agrónomo: - TABORDA DE VASCONCELOS. Todavia na ânsia legitíma de dar melhores condições de vida a seu agregado familiar, com a anuência de outro Engº. Agrónomo, GUEDES DE PAIVA, rumou às terras de Moçambique (Porto Amélia, hoje Pemba), e, por lá se conservou alguns anos. Um dia encontramo-nos casualmente na Avenida dos Aliados, aqui no Porto, ele vinha em gozo de férias, mas o tema da nossa conversa foi inevitavelmente a Régua e as suas gentes, que tanto idolatrava.
Com o 25 de Abril, após a "descolonização exemplar", como ele gostava de referir este termo nos seus artigos, recomeçou a sua colaboração sempre oportuna, neste semanário, como aliás também o fazia de Moçambique, de quando em vez, sobretudo quando as saudades da Terra se faziam sentir...e talvez por este seu apego notável ao "Notícias do Douro", ocupou o "topo" da pirâmide: - Foi nomeado seu Director.
Nos últimos tempos da sua existência, de passagem pela Régua, estivemos no seu "escritório de sempre": - A oficina deste semanário na rua da Ferreirinha. Notei seu semblante muito carregado, mas sempre com a caneta e o bloco (as suas armas) prontas para disparar, e, assim dar começo a mais uma crónica jornalística, mas...suas mãos, já trémulas, não iam ao encontro do seu grande sonho de sempre: - A Notícia Aqui e Agora, para o semanário que ele devotadamente serviu ao longo de algumas décadas: O SEU NOTÍCIAS DO DOURO.
OBRIGADO, JAIME.
- Carlos Ruela - Porto/Setembro/2001
Meu à parte: - Pouco convívi ao longo do tempo com esta personalidade típica da Régua e da inesquecível Rádio Alto Douro que dá pelo nome de Carlos Ruela.
A vida traçou rumos diferentes para todos nós. Mas, em minha infância, antes de partir no navio "Pátria" (1957) para Moçambique (Porto Amélia) com meus Pais, onde estivesse e chegassem as ondas dessa Rádio, também chegava o entoar dinâmico, exclusivo do Carlos Ruela... Não tinha paralelo em dedicação nem concorrente que o suplantasse nessa época de tecnologia antiquada para os padrões de hoje (com as inovações tecnológicas atuais, é fácil ser locutor de rádio). Sua voz era a verdade sem edições e encenações, do amor à Rádio Alto Douro.
Porque aprendi a admirá-lo através de minha infância e de meu saudoso Pai, tomei a liberdade de transcrever para a home "Régua" este "Recordando" enviado por meu Irmão Júlio Gabão e que inícia espaço dedicado ao, acima de tudo, jornalista JAIME FERRAZ RODRIGUES GABÃO.
Obrigado CARLOS RUELA... Lamentávelmente a memória dos homens de agora é curta. Mas a nossa não !
- Jaime Luis Gabão - Março de 2002.
O Jaime
Com a chegada do Outono, das primeiras chuvas e de uma friagem a despertar as alergias, inicio o meu luto do Verão. Atenuo a saudade nos arquivos da minha memória e atraco ou aterro nos lugares do sol. Deixem-me aterrar, por hoje, no Moçambique inesquecível.
Era um fim de tarde de um Março de sessenta e oito. O velho DAKOTA da DETA, com óleo a espirrar nos parafusos das asas, vindo de Nampula, fazia a aproximação a Porto Amélia, cidadezinha plantada numa escarpa sobranceira ao Índico. Desenhou um arco para apreciar a baía e, desacelerando sobre o Paquitequete, apontou ao Aeroporto, designação pomposa para um casarão ao lado (e mais ou menos a meio) de uma fita vermelha de terra batida, qual picada de capim aparado. Descemos por um escadote que me lembrou aqueles que, antigamente, se encostavam aos carros de bois para levar os almudes até às pipas. A noite caía com um pôr do sol arrebatador sobre as águas de Wimbe. Em África os dias acordam cedo e esplendorosos como um grito de felicidade e adormecem envoltos numa plangência que angustia as almas mais empedernidas. Cem anos que eu durasse nunca - mas mesmo nunca - esqueceria aqueles anoiteceres com os chiricos e os barucos silenciados pelo concerto das cigarras e uma ferida de sangue inocente a despedir-se do mundo.
Eu viera à frente, feito explorador de logística, na companhia do Pires, furriel alentejano, esfuziante e solidário, sem futurar (mos) a sua morte numa curva da Serra do Mapé, nas terras de Macomia, deixando-me, estupidificado, com o seu fio de ouro no bolso que, numa trágica premonição, me confiara. O resto da tralha e do pessoal chegaria no Pátria(*), aproveitando a sua passagem por Nacala, em rota, desde Lisboa, carregado com mais um contingente.
Foi em Porto Amélia - esqueçamos más recordações - que conheci um dos grandes Amigos da minha vida: o JAIME. Para os leitores deste semanário, a quem devotou o melhor da sua colaboração, e dos reguenses em geral, a quem prestou variados préstimos: o JAIME FERRAZ GABÃO. Labutava nos escritórios de uma empresa algodoeira - a Sagal - e como correspondente, para toda a província de Cabo Delgado, do DIÁRIO (de Lourenço Marques). Com ele reencontrei as minhas (as nossas) raízes e mutuamente nos amparamos nas saudades delas. Saído da Capital Vinhateira em busca de uma vida mais desafogada... Pertencia aos cabouqueiros de África que se misturavam com as raças e as etnias numa confraternização de que só duvidavam os que nunca tiveram a oportunidade de serem felizes naquelas paragens. Não me admirava, assim, que, mesmo com a lembrança dos socalcos, ele desejasse morrer na terra onde readquiria a dignidade, acariciado pelas manhãs claras e as noites cacimbadas.
Passamos horas, nas cadeiras da pensão Miramar, ouvindo "estórias" das savanas, bebemos cerveja no Marítimo e café no Pólo Sul derramando o olhar para o pequeno cais à espera de um dia de "S. Vapor", vimos "E o Vento Tudo Levou" no cinema-barracão, subimos e descemos as escadinhas que ligavam a parte alta à Jerônimo Romero do comércio, abriu-me a porta e sentou-me à mesa de sua casa sem horas nem lugares marcados, relacionou-me na sociedade civil e facilitou-me as páginas do seu jornal sem uma censura ou "sugestão".
Mal sabia ele que haveria de acabar os seus dias na terra que o viu nascer, obrigado ao regresso por uma descolonização exemplar, com os olhos húmidos pelas lembranças dos corais da praia dos coqueiros e dos campos de algodão.
Quando vou ao Peso(**) visitá-lo, trago comigo o seu sorriso moçambicano.
- Por M. Nogueira Borges - In Arrais de Novembro de 2003
(*) Pátria - Navio de passageiros português da antiga Companhia Colonial de Navegação e que fazia o transporte de cargas e passageiros entre o continente europeu (Lisboa) e a costa Africana (antigas colônias de Portugal).
(**) Peso - Parte alta da cidade de Peso da Régua. Ali se localiza o cemitério onde Jaime Ferraz Rodrigues Gabão está sepultado.
(Transferência de arquivos do sitio "Peso da Régua" que será desativado em breve)