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quinta-feira, 5 de maio de 2011

Os Esturjões

                                                                                                         João de Araújo Correia


O que mais se pede ao leitor é que não confunda esturjões com intrujões.

Se estes abundam, a ponto de se tornarem insuportáveis, os outros, que são inestimáveis peixes que vão rareando. Temerosos de barragens, desertam dos nossos rios, que procuram para desovar ou apenas chocar ovos.

O nosso rio, o Douro, foi mimoso de esturjões antes de as barragens o interceptarem ao longo do percurso. Esturjão que o demande, recua. Irá por ou chocar em outra água doce.

É crível que o duriense não conheça o esturjão. Mas, conhece-o com outro nome. Conhece-o como sôlho. Se nunca o viu, conhece-o do prolóquio dormir como um sôlho.

Digam os sábios se o sôlho dorme profundo ou leve, se dorme sempre ou parece que está a dormir. Será o come-e-dorme?

É natural que pareça sopitado. Tem muito peso e é pouco rico em barbatanas. É crível que lhe não apeteçam grandes deslocações, quanto mais correrias… O tempo que vivem em água doce, à parte da função inerente à choquice dos ovos, passa-o a caçar peixe miúdo e animáculos escondidos no lodo. Por isso lhe apetecem as águas profundas.

Há anos, quando o rio Douro ia secando, mercê de longa estiagem, descobriram os pescadores, nos poços a que ficou reduzido o leito fluvial, uma riqueza em esturjões. E toca a pescá-los para vender a peso como a vitela nos talhos. Belos exemplares, de muita soma de quilos, foram assim vendidos e saboreados. Foram superiores à melhor carne de açougue.

Deu-se este regabofe na parte superior do rio compreendida entre a foz do Tua e a Barca de Alva – zona de eleição do principesco sôlho. Principesco, sim, senhores, que o esturjão, como comida, foi sempre manjar real.

Não se lembraram os pescadores de deixar para semente um esturjão. Procederam como portugueses, que não se cansam de perseguir as espécies. No Gerês, só depuseram a arma depois de matarem o último cabrito. No Marão, depois de matarem a última águia.

Perseguir as espécies, mesmo que não seja até o extermínio, equivale a afugentá-las para nunca mais. À parte das albufeiras, que impedem a migração dos peixes, o persegui-los de morte pode ser causa de fuga. O pescador do Douro, para riba do Tua, pode ter afugentado o esturjão por ter sido bárbaro com ele. Sem esta ferocidade, é crível que alguns sôlhos preferissem à água salga a água doce. Há variedades de enguias que não regressam ao mar.

Seja como for, está hoje o rio Douro sem esturjões como sem sáveis, enguias e lampreias. Culpa do homem ávido ou da barragem, mais materialista que humanitária, o Douro perdeu uma riqueza.

Rezai-lhe por alma, ó gentes…
NOTA: Esta crónica está publicada no jornal O Arrais, na edição de 9 de Agosto de 1979, sob o pseudónimo de Joaquim Pires. Matéria enviada para "Escritos do Douro" por J. A. Almeida em Maio de 2011. Imagem acima recolhida da net livre.



Complementando:
Já houve esturjões em Portugal - Extinção foi na década de 1980


Vivia no mar e, na altura da reprodução, subia os rios portugueses para desovar. As bacias do Douro e do Guadiana eram então a casa do Acipenser sturio, a espécie de esturjão que já existiu em Portugal.


Era apanhado para ser comido, não para fazer das suas ovas a famosa conserva chamada caviar, explica a bióloga Fátima Gil, do Aquário Vasco da Gama, em Lisboa. Mesmo assim, um dos seus nomes vulgares era peixe-do-caviar. Chamavam-lhe também esturjão, esturgião, esturião, esturjão-real, peixe-cola, solho, solho-grande e solho-rei.


Em Portugal, hoje está extinto na natureza. O último rio que visitou foi o Guadiana, na década de 1980. "O desaparecimento deveu-se à pesca na época da reprodução, às barragens que os impediram de subir os rios para locais propícios à desova e à sobrevivência das larvas e juvenis, e à poluição", refere Fátima Gil. "Junto dos nossos grandes estuários encontram-se também as maiores cidades."


Nos países onde ainda existe o Acipenser sturio, como a bacia do rio Gironde, em França, e a do Guadalquivir, em Espanha, está criticamente ameaçado de extinção.


Mas há várias espécies de esturjões na Europa e na América do Norte, e de quase todas se faz caviar. A principal fonte desta delícia para muita gente é, porém, o esturjão-beluga - com o nome científico Huso huso -, que vive nos mares Cáspio e Negro e no rio Volga. É o maior de todos, podendo atingir nove metros de comprimento.

- 31.03.2011 - Por Teresa Firmino - "Público.pt"