(Clique na imagem para ampliar. Peso da Régua - Rua dos Camilos - anos 30)
Dedicado à empresária reguense viúva Vilela.
Não foi no volver das páginas dos álbuns da associação que encontrei a fotografia mais desejada, a do quartel dos bombeiros da Régua, quando ainda era na Rua dos Camilos ou, como os antigos diziam, no Cimo da Régua.
Tenho a certeza de que não consegui a fotografia ideal, a que me mostrasse todos os pedacinhos das memórias dos bombeiros desse tempo, mais ou menos intactas, que me permitissem um reencontro com o seu passado. Apesar de tudo, tive a felicidade de descobrir uma reproduzida na revista “Ilustração Portuguesa”, que me permite ver ao longe, com a Rua dos Camilos em festa, a entrada do quartel, no dia em que foi inaugurado: 5 de Dezembro de 1923.
Com pompa e circunstância, no dia em que a Associação festejava solenemente o seu 43º aniversário da sua fundação, Artur Gonçalves Martinho, Presidente da Direcção, figura distinta da sociedade reguense, casado com a benemérita D. Branca Martinho - a quem nesse dia se inaugurava o seu retrato de Presidente Honorária - e o comandante Camilo Guedes Castelo Branco, reconhecido poeta do nosso meio, inauguraram solenemente o novo quartel, que se situava no lugar mais central da Régua.
Em 1923, os bombeiros da Régua fechavam um ciclo sua história. Para trás, ficavam os tempos gloriosos dos heróicos fundadores, de grandes bombeiros como Manuel Maria de Magalhães, Joaquim Sousa Pinto, Afonso Soares, Joaquim Maria Leite e muitos outros, que nunca esmoreceram de levar o seu sonho até ao fim, com paixão, coragem e determinação perante todos os obstáculos, para que a Régua tivesse também uma das primeiras corporações de bombeiros voluntários. Pela última vez, fechavam as portas do quartel do Largo dos Aviadores, o primeiro, que abrigou os primeiros bombeiros da Régua e guardou as duas primeiras bombas de incêndio, oferecidas pela Câmara Municipal, e o pouco material com que deram início à sua missão.
Aquela casa, era muito mais que um quartel, era um ponto de encontro da sociedade reguense, onde se encontravam todas as pessoas. As salas amplas do primeiro andar eram assiduamente frequentadas pelos associados, amigos e conhecidos. Para muitos, serviram para fazer reuniões, amenas cavaqueiras para discutir o quotidiano, os negócios e as intrigas da política que dividia regeneradores e republicanos, enquanto outros preferiam entregar-se à diversão do jogo, das cartas, xadrez, quino e do dominó. Outros deleitavam-se na leitura dos jornais, nacionais e locais e os interessados na leitura do “Bombeiro”, de uma enciclopédia e dos romances de escritores na moda, acondicionados numa velha e larga estante. Os reguenses encontravam ali uma biblioteca pública, à medida dos seus gostos e necessidades culturais.
Tenho a certeza de que não consegui a fotografia ideal, a que me mostrasse todos os pedacinhos das memórias dos bombeiros desse tempo, mais ou menos intactas, que me permitissem um reencontro com o seu passado. Apesar de tudo, tive a felicidade de descobrir uma reproduzida na revista “Ilustração Portuguesa”, que me permite ver ao longe, com a Rua dos Camilos em festa, a entrada do quartel, no dia em que foi inaugurado: 5 de Dezembro de 1923.
Com pompa e circunstância, no dia em que a Associação festejava solenemente o seu 43º aniversário da sua fundação, Artur Gonçalves Martinho, Presidente da Direcção, figura distinta da sociedade reguense, casado com a benemérita D. Branca Martinho - a quem nesse dia se inaugurava o seu retrato de Presidente Honorária - e o comandante Camilo Guedes Castelo Branco, reconhecido poeta do nosso meio, inauguraram solenemente o novo quartel, que se situava no lugar mais central da Régua.
Em 1923, os bombeiros da Régua fechavam um ciclo sua história. Para trás, ficavam os tempos gloriosos dos heróicos fundadores, de grandes bombeiros como Manuel Maria de Magalhães, Joaquim Sousa Pinto, Afonso Soares, Joaquim Maria Leite e muitos outros, que nunca esmoreceram de levar o seu sonho até ao fim, com paixão, coragem e determinação perante todos os obstáculos, para que a Régua tivesse também uma das primeiras corporações de bombeiros voluntários. Pela última vez, fechavam as portas do quartel do Largo dos Aviadores, o primeiro, que abrigou os primeiros bombeiros da Régua e guardou as duas primeiras bombas de incêndio, oferecidas pela Câmara Municipal, e o pouco material com que deram início à sua missão.
Aquela casa, era muito mais que um quartel, era um ponto de encontro da sociedade reguense, onde se encontravam todas as pessoas. As salas amplas do primeiro andar eram assiduamente frequentadas pelos associados, amigos e conhecidos. Para muitos, serviram para fazer reuniões, amenas cavaqueiras para discutir o quotidiano, os negócios e as intrigas da política que dividia regeneradores e republicanos, enquanto outros preferiam entregar-se à diversão do jogo, das cartas, xadrez, quino e do dominó. Outros deleitavam-se na leitura dos jornais, nacionais e locais e os interessados na leitura do “Bombeiro”, de uma enciclopédia e dos romances de escritores na moda, acondicionados numa velha e larga estante. Os reguenses encontravam ali uma biblioteca pública, à medida dos seus gostos e necessidades culturais.
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A casa que albergou o primeiro quartel ainda resiste ao tempo, mas o seu estado de conservação não lhe augura grande futuro. A ruína apercebe-se no telhado e nas madeiras das portas e janelas, não sendo de estranhar que o seu destino esteja marcado em ambicioso projecto de arquitectura. É uma preciosa memória viva da cidade que caso seja demolida vai levar na poeira dos escombros os restos do passado dos primeiros bombeiros. Se ninguém tiver o cuidado de a preservar ou, de pelo menos, assinalar nela a existência do primeiro quartel dos bombeiros, para memória futura, apenas ficam as velhas fotografias, a amarelecer no tempo, e as recordações do escritor João de Araújo Correia, vividas quando menino, o frequentava com o seu pai, um bombeiro que fez parte das primeiras corporações. O escritor recordou as suas visitas na fantástica crónica “Uma velha Estante”: “Quando o quartel dos bombeiros funcionou modestamente numa casa situada no actual Largo dos Aviadores, frequentei-lhe as salas recreativas com o meu pai - era eu rapazinho.
Na sala dos jogos, inofensivos jogos de cartas, dominó e quino, lembro-me de ver, encostada a uma parede, uma alta e larga estante de madeira rica, toda envidraçada e repleta de livros.
Creio que ninguém lhes tocava. Quem se entretinha com a sueca, o dominó e o quino talvez nem reparasse na volumosa estante, abarrotada de livros.
Reparava eu... E o meu regalo seria abrir aquela estante e colher de lá um livro para o folhear e ler antes de me deitar. Assim eu o percebesse. Era ainda tão novo… Teria onze, doze anos.
Os meus encantos, naquele clube, eram aquela estante. Mas, sempre fechada e muda. Até que uma noite, e em noites seguidas, a vi abrir. Um senhor, que usava óculos, ia retirando e colocando de novo, no seu lugar, rimas de volumes. Arrecadava-os depois de lhes escriturar os títulos num grande livro de papel almaço.
Livros que nunca mais esqueci. Quando, depois de instalados os bombeiros no quartel novo, alguém me disse que todos esses volumes estavam à matroca, empilhados num monte, sem o mínimo vislumbre de arrumação, caiu-me a alma aos pés. E assim, esteve, de rastos uma porção de anos.
Até que ontem, dia que marquei com uma pedra, vim a saber que os livros já estão arrumadinhos na estante – bela estante de mogno.”
Com a abertura do quartel na Rua dos Camilos, os bombeiros ainda ficavam mal aquartelados, sem as condições merecidas para o movimento dos serviços que prestavam à comunidade. Como a fotografia nos deixa ver, a casa era velha e modesta e nunca seria o local ideal, nem desejado para os bombeiros instalarem o seu quartel. A única razão que fez mudar de residência deve ter sido o aumento da renda no edifício do Largo dos Aviadores.
Nos anos 20, os bombeiros da Régua viviam de fracos recursos, tinham pouco apoio da câmara e sobreviviam da generosidade dos benfeitores. Tendo necessidade de reduzir algumas despesas, encontraram uma oportunidade de se instalarem graciosamente numa casa pertencente à empresária e abastada viúva Vilela – de nome completo Margarida Gomes Vilela - uma “reguense castiça, de palavra rude e alma branca, que morreu com 93 anos de idade(…) estabelecida na Régua com uma prestimosa aquilaria marcou uma época servindo os transportes públicos com uma frota de carros, tirados por cavalos que adquiria nas famosas feiras de Salamanca(…), os quais serviram no fim do século transportaram o Rei D. Luís quando visitou a Régua(…) e que pela sua bondade prestou muitos serviços gratuitos à Associação, emprestando cavalos e cocheiros que puxavam o Carro Grande, para onde as chamas irrompessem”. Esta anónima benemérita dos bombeiros – a quem nunca foi prestado póstumo reconhecimento - ao tomar conhecimento das suas dificuldades, prontamente emprestou a sua casa para servir de quartel.
Quem conheceu este quartel dos bombeiros e, algumas vezes, o frequentou foi o Dr. Camilo de Araújo Correia, antigo presidente da direcção. Com o seu fino humor descreveu-o uma das suas crónicas assim: “velho, modesto e pequeno, mas muito querido dos seus frequentadores e visitantes fortuitos, sem falar do rapazio, incapaz de passar adiante sem se deslumbrar com o pronto-socorro de cadeirinha e com a ambulância, uma caranguejola esquinuda, de um branco duvidoso e um conforto ainda mais duvidoso… Os carros entravam à justa na porta estreita, sempre com grande vozearia de indicações e avisos."
Os bombeiros desse tempo muito tiveram de improvisar para dar conta do seu trabalho. As condições precárias impunham voos arrojados para a sua solução. Nasceu o sonho da construção de quartel de raiz. A Direcção e Comando procuram apoios na sociedade e na Câmara Municipal. Em 1930 conseguiram uma parcela de terreno para edificarem o novo quartel. Elaborado o projecto pelo consagrado arquitecto portuense Oliveira Ferreira, é iniciada a obra no ano seguinte, mas o empreiteiro, por falta de dinheiro, abandona-a inacabada. Assim ficou a obra até 1954, ano em que a direcção do Dr. Júlio Vilela mete mãos à obra para a acabar. Em 1955, os bombeiros da Régua inauguram o seu novo quartel, onde permanecem até aos dias de hoje.
Há alguns anos, a casa que serviu de quartel na Rua dos Camilos foi demolida. Em seu lugar ergueu-se um edifício de rendimento (onde loja da Singer). Os seus vestígios desapareceram, nem um ficou. Desse tempo, os únicos sinais da actividade humanitária no lugar, que restam são os breves traços e as pinceladas do ambiente circundante, que o Dr. Camilo de Araújo Correia inseriu na sua crónica “O Cimo da Régua”: “Hoje em dia, já não se usa muito entre nós a designação toponímica de Cimo da Régua. Como foi com ela que me criei, ainda hoje me sabe bem ouvi-la ou vê-la escrita.
O Cimo da Régua ia, mais ou menos, do Valente Novo à Casa da Fortuna, de um lado. Do outro, estendia-se do Valente ás lojas de ferragens do João Guerra e Domingos Figueiredo. Perpendicularmente, na rua Serpa Pinto, chegava à loja do Antão, frente a frente com a Associação Comercial.
Pelo seu intenso e variado comércio, o Cimo da Régua era, pode dizer-se, a nossa “Baixa”. Toda a gente se via, toda a gente comprava isto e aquilo no Cimo da Régua. O ponto nevrálgico desta nossa “Baixa” era a loja do Zé Pinto, onde se podia comprar do melhor arroz ao melhor café, do melhor papel de carta à melhor escova. Também se podia engraxar os sapatos em cadeirão episcopal montado num pequeno estrado. O “Vintecinco”, mesmo com um grãozinho na asa, engraxava a preceito, dava novidades e vendia cautelas delicadamente.
(…)
Muito perto do Zé Pinto ficava o Quartel dos Bombeiros. Aí se reuniam estudantes, empregados e artífices. Além de mesas de jogo, havia um bilhar e uma grande estante de livros. As instalações eram de tal maneira exíguas que os carros se viam e desejavam para sair e entrar. Quando tocava a fogo, toda a gente que andasse por ali se juntava para assistir às manobras. O globo da entrada era tão baixo que o Justino Nogueira, garboso porta-estandarte, o partiu algumas vezes com a ponta do mastro.
- Ó Justino! Ó Justino… agacha-te! -avisavam os companheiros.
Junto dos Bombeiros ficava a oficina do João Latas.”
Como mais ninguém o soube fazer, Camilo de Araújo Correia deixou-nos uma saudosa memória do quartel dos bombeiros…! Ele que faz parte das recordações dos mais velhos e dos que apreciavam fazer as compras nas lojas e mercearias tradicionais no Cimo da Régua.
- Peso da Régua, Abril de 2010, J. A. Almeida.
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