cobria as ruas que levavam ao liceu.
Dentro da confeitaria, as luvas de cabedal
no tampo de vidro, o vapor da respiração
ligava-nos entre as conversas de mesas indiferentes.
E querias olhar para mais dentro de mim.
Os pombos escondidos nos beirais tapavam
a cabeça na plumagem de chumbo, cor do ceú.
Calados, afeitos ao silêncio, enlaçámos
em cada um dos nossos livros a primeira letra
dos nossos nomes, de modo a desenharem
uma única letra que não havia em alfabeto nenhum.
Que bem que estávamos tão mal ali sentados,
a faltar às aulas, nessa primeira vez
em que nos acontecia, sem sabermos, um amor.
Tu não ias adivinhar as leis secretas
que já nos separavam. Tu não podias
lutar na via de sangue da minha vida.
Mas sempre que tombar a neve em Vila Real
e desceres a avenida a caminho do café
de alguma destas coisas, quem sabe, te hás-de lembrar.
- Joaquim Manuel Magalhães
Joaquim Manuel Magalhães nasceu em 1945 no 
Peso da Régua. Poeta, ensaísta, crítico de poesia e tradutor, doutorou-se em 
Literatura Inglesa, pela Universidade de Lisboa, com a tese «Consequência da 
Literatura e do Real na Poesia de Dylan Thomas» (1980). Professor 
catedrático da Faculdade de Letras de Lisboa, rege seminários de Poesia 
Contemporânea. Os primeiros poemas apareceram em 1974, num Envelope 
concebido pelo pintor António Palolo. Também participou na elaboração do 
Cartucho (1976). Mais tarde, Alguns Livros Reunidos (1987) 
colige grande parte da obra publicada até então. Essa recolha inclui os poemas 
inaugurais, bem como os de Consequência do Lugar, Dos Enigmas, 
Vestígios, Pelos Caminhos da Manhã, António Palolo, 
Uma Exposição (este com João Miguel Fernandes Jorge e Jorge Molder) e 
Alguns Antecedentes Mitológicos, colectâneas que desaparecem como obras 
autónomas depois da ampla operação de rasura a que foram submetidas. De fora 
ficam dois títulos emblemáticos: Os Dias, Pequenos Charcos (1981) e a 
2ª edição de Segredos, Sebes, Aluviões (1985), muito diferente da 
versão de 1981. Considerado o mais influente crítico da sua geração, a sua 
actividade ensaística faz a síntese do ethos puritano e da pulsão 
libertária. É autor de uma extensa antologia de poesia espanhola (Poesia 
Espanhola de Agora, que, em dois volumes, reune sessenta e oito autores 
nascidos entre 1942 e 1976). Também traduziu Kavafis, Seferis e Ana Akhmatova, 
bem como inúmeros poetas de língua inglesa. De 1968 a 1970 e de 1975 a 1976, 
apresentou na RTP um programa semanal de sua autoria, sobre poesia, intitulado 
«Os Homens, Os Livros e As Coisas». (Joaquim Manuel Magalhães na Wikipédia).
Texto cedido pelo Dr. José Alfredo Almeida (JASA) e editado para este blogue. Edição de J. L. Gabão para o blogue "Escritos do Douro" em Dezembro de 2012. Este artigo pertence ao blogue Escritos do Douro. Só é permitida a reprodução e/ou distribuição dos artigos/imagens deste blogue com a citação da origem/autores/créditos.