A Casa do Douro está sem oxigénio, dizia-se aqui há uns dias em alguns jornais. Está ela sem oxigénio, mesmo a desfalecer se é que já não se finou mesmo, e estamos nós na região com muita falta de vergonha por permitir que assim tratem a outrora pujante casa comum da lavoura duriense.
O Estado quando não mais precisou dela, tratou-a como uma velha criada que se despede por falta de préstimo, e todos os agentes regionais assobiaram para o lado, assim como se semelhante assunto mais não fosse do que do interesse de ninguém. À nossa velha maneira, atiraram-se as culpas para terceiros, dispararam-se à primeira tiros de pólvora seca para alvos indefinidos, e cada qual tratou do seu próprio umbigo.
Num rosário quem vem sendo desfiada já há duas décadas, governo atrás de governo, nada se tem feito para se tirar a castanha do lume. Ao costume, pelo nosso lado, quando se vem a terreiro, nada mais se diz ou faz, do que endereçar as culpas para Lisboa, com queixumes acerca do abandono a que nos deitam.
Ao longo dos anos, sempre que aportam por aqui os governantes, por sua vez juram-nos o seu amor eterno por causa das belezas paisagísticas que nos envolvem, assim como se a região fosse uma dama muito bela susceptível de arrebatar corações a torto e a direito, mas depois logo esquecem as promessas e as referências às nossas aperreações que afiançam como sendo igualmente suas.
Nem o facto de por via dos compromissos bancários assumidos o próprio Estado ser parte integrante dos prejudicados, faz com que por parte dos decisores políticos surja medida que se veja tendo-se como finalidade a resolução quer do problema da situação da Casa do Douro, quer da própria e essencial definição da forma de organização da lavoura duriense.
No Parlamento os legisladores arranjam tempo para tudo e mais alguma coisa, mas não arranjam tempo para legislar acerca dos Estatutos da Casa do Douro. Não estivéssemos em Portugal, e seria de assombro, o haver inscrição obrigatória num organismo moribundo para o exercício de uma actividade profissional, no caso, a de viticultor. Que o seja, não serei conta, mas pelo menos que definam os contornos e o contexto, ajudando a que a organização se erga e caminhe pelo seu pé.
Por outro lado, pelas nossas bandas, ninguém se tira de cuidados nem deixa de dormir por causa de problemas que mesmo sendo de todos, são sempre tidos como dos outros. Nem o facto de dezenas de pessoas estarem sem ordenados vai para dois anos e meios, faz com que alguma palha se mova, ou alguma brisa agite o remanso do quotidiano a cuidar de videiras e de vinho, julgando-se cada um dono do melhor néctar.
No Alto Douro vinhateiro, consegue-se uma coisa quase sem igual, à semelhança do vinho que é que nem sol engarrafado. A maior e se calhar mais rica, organização profissional do país, não tem quem dela cuide. Se tudo corresse como deve, receberia em quotas uma “pipa de massa”, mais do que qualquer congénere, tem activos que serão rés vez com os passivos se quiserem fazer contas, mas na região prefere-se voltar ao tempo de antigamente, quando se de chapéu na mão, o lavradores mendigava para lhe ficarem com o vinho.
Ninguém quis fazer ver na União Europeia que numa actividade económica com um produto único que somente concorre com ele mesmo, e na qual meia dúzia de empresas compram o que dezenas de milhar de produtores produzem, se impõe um quadro regulador forte e eficaz. Nem o saber de experiência feito, nem os exemplos mostrados na História, foram suficientes. Podia-se ter argumentado por aí, mas ninguém quis ou soube.
A Casa do Douro começou a mirrar aí, para ir agonizando em sucessivos acontecimentos. Negócios eventualmente bem pensados mas mal sucedidos, promessas de compensações nunca cumpridas mas também tenuemente exigidas, protocolos nunca levados à prática, mais não foram do que golpes em corpo estatelado entre a indiferença de quem é fraco porque se não sabe unir.
Falta-lhe a estocada final. O golpe de misericórdia. Está à tona porque não é barco em mar revolto, mas nada tarda a ir ao fundo, levando consigo a prova provada de uma pobre região, que sendo rica, permite desde que a demarcaram que lhe suguem a riqueza deixando-lhe as migalhas.
A questão da Casa do Douro é uma questão nacional, deve envergonhar o país, mas é antes de tudo, um assunto regional. Devia motivar-nos, mas parece que não. Pelo menos que nos envergonhe. Será sinal de que ainda temos alguma dignidade.
mail: Manuel Igreja
Clique na imagem para ampliar. Texto de Manuel Igreja publicado no Diário de Trás-os-Montes. Edição de imagens e texto de J. L. Gabão para o blogue "Escritos do Douro" em Fevereiro de 2013. É permitido copiar, reproduzir e/ou distribuir os artigos/imagens deste blogue desde que mencionados a origem/autores/créditos.
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