João de Araújo Correia
É indispensável e até urgente que os nossos Bombeiros adquiram uma ambulância nova! A que aí têm é ainda um bom carro, foge que voa pela estrada fora e trepa ao cimo dos nossos montes como um gato, mas é inóspita para doentes e pessoas que os acompanhem. Não tem defesa contra o frio e o calor externos. Em viagens longas, consoante a estação, é frigorífico ou crematório. Pode matar o doente primeiro que lhe acuda a solicitude hospitalar. É carro útil para viagens curtas e utilíssimo para vencer árduas subidas à maior parte dos povos do concelho e dos concelhos vizinhos. Para estiradas viagens, para ir ao Porto, Coimbra ou Lisboa, não serve. Tanto mais, que é um lobo a devorar gasolina. Pode-se dizer que não há carburante capaz de o saciar. Para essas viagens, fora de vila e termo, é um vampiro. Suga, até o último tostão, o cofre dos Bombeiros. É um perdulário…Não pode competir, em despesa, com ambulâncias de menor sustento. Vila Real e Lamego, nesse capítulo, batem o nosso velho e ainda bonito e ligeiro carro.
Tornou-se angustiosa a necessidade de se adquirir nova auto-maca. A velha ficará para serviço rápido, subir a Poiares ou a Sedielos num rufo, suprir ou auxiliar o veículo novo em caso de necessidade. Para levar um doente à Misericórdia do Porto, aos hospitais de Coimbra ou Lisboa, pôr-se-á a caminho ordinariamente uma ambulância capaz de o agasalhar e proteger com a maior carinho e o menor dispêndio.
De todos os fogos, o que lavra no corpo ferido ou doente é o mais credor de imediato socorro. Não há casa que valha uma vida humana. Levar a uma enfermaria o semelhante é acudir-lhe com o coração. Levá-lo de modo que não faleça à míngua de cuidados é acudir-lhe com o coração guiado pelo espírito. É acto que transcende da simples caridade. È uma obrigação própria da nossa inteligência esclarecida. Deixar morrer é matarmo-nos. O bem comum mais precioso é o homem. Como quem diz: somos nós todos. No caso de auxiliarmos os Bombeiros, na compra da auto-maca, o que lhe dermos será economia nossa que vamos pôr a juros. Imaginemos, à nossa vontade, que somos beneméritos. O que seremos, em boa análise, é egoístas. O óbolo que sair do nosso bolso é um seguro de vida. Reverterá, quando mal nos precatarmos, a nosso próprio favor. Ninguém dirá, vendo passar a auto-maca: de ti, estou eu livre.
- Fevereiro de 1958
Nota: Esta magnifica crónica do médico e escritor reguense, inicialmente publicada no extinto jornal “Vida por Vida”, faz parte do livro Pátria Pequena, editado pela Imprensa do Douro (1977).
Clique na imagem acima para ampliar. Sugestão de texto e imagem feita pelo Dr. José Alfredo Almeida (Jasa). Edição de J. L. Gabão para o blogue "Escritos do Douro" em Agosto de 2012. Permitida a copia, reprodução e/ou distribuição dos artigos/imagens deste blogue só com a citação da origem/autores/créditos.
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