Há, por detrás daquela farda de calças azuis escuras e
casaco vermelho, um altruísmo invejável. É esse espírito feito de dedicação e
missão que, aos meus olhos, engrandece cada bombeiro. Dar o melhor de si em
prol de quem precisa é uma lição difícil de ensinar ao comum dos cidadãos,
porém, o mais surpreendente é quando alguém está disposto a aprender desde
tenra idade.
No último ano e por questões profissionais, acabei por conhecer
de perto algumas associações humanitárias do distrito de Vila Real, mas os
Bombeiros de Peso da Régua ficaram-me nos trilhos da memória.
O dinamismo inscrito nas páginas da história da
corporação impressionou-me. Foi curioso saber que à data da sua fundação,
corria o ano de 1880, dona Antónia Adelaide Ferreira (a Ferreirinha) se revelou,
uma vez mais, uma visionária. Acreditou que a Associação podia ser a força
motriz daquela terra e, hoje, volvidos tantos anos, os membros orgulham-se se
ter essa grande mulher do Douro como sócia nº 1.
Enquanto recolhia retratos
a sépia que pudessem ser interessantes para a reportagem, desfilavam,
incontroláveis, imagens no meu pensamento. Imaginava, então, o renovado quartel
Delfim Ferreira como palco do Baile das Vindimas, de sessões de teatro e de cinema
e, ainda mais inusitado, como espaço eleito para dar o nó na década de 60.
Imaginava os salvamentos épicos que serviriam de manchete ao jornal “Vida por
vida”, editado mensalmente de 1956
a 1974, ou os olhares de deslumbramento perante as estantes de livros da
Biblioteca Maximiano de Lemos, que ainda hoje resiste.
Ao escutar os relatos das ocorrências, percebia a
grandiosidade daqueles homens que, mal apetrechados, enfrentavam o rebuliço das
águas para acudir a população desesperada. As cheias do rio Douro deixaram
marcas que ainda hoje são visíveis nas fachadas de muitas casas, inundaram ruas
à sua passagem, levaram bens e talvez vidas. Mas os bombeiros estiveram lá,
estendendo a mão, com segurança, controlando o seu próprio medo. Imagino o
estoicismo, o heroísmo silencioso daqueles homens.
Depois, foi bom perceber que os dirigentes da casa
continuam a querer honrar o passado, lutando com determinação pelos objectivos delineados
para o presente e para o futuro.
A corporação reguense é das mais antigas do País, mas não se furta à perda de vitalidade do voluntariado. Contudo, nesta Associação, a esperança estende-se, com toda a legitimidade, para as gerações mais novas. É Ana Margarida, na altura com os seus 7 anos, que guardo com mais carinho. As feições da sua meninice explicavam-me que, quando crescesse, queria ser médica, mas “não uma médica qualquer”. “Tem de ser do INEM para curar os avós e outras pessoas”, esclarecia. Filiou-se em 2009 na camada dos infantes e, entre a timidez e um sorriso fácil, contava-me que tinha sido divertido porque tinha aprendido a marchar. Agora, que releio estas declarações, olho também com esperança para a pequena Ana Margarida.
Num mundo cada vez mais individualista e indiferente às dificuldades alheias, é reconfortante perceber que há excepções que podem fazer a diferença. E, nisso, a Ana pode ser inspiradora. Ela é, seguramente, uma criança privilegiada por crescer nesse ambiente de entrega incondicional a uma causa, de atitudes responsáveis, de diálogo franco. Coleccionará muitas vivências nesse corpo de bombeiros onde a união se conjuga no plural e saberá reconhecer, um dia, que essa experiência só é permitida a corações nobres.
Patrícia Posse
- O blogue da Patrícia Posse - www.POSSE.pt
Clique nas imagens para ampliar. Sugestão de JASA (Dr. José Alfredo Almeida) para o blogue "Escritos do Douro". Edição de J. L. Gabão - "Escritos do Douro" em Fevereiro de 2012.
Este artigo pertence ao blogue Escritos do Douro. Todos os direitos reservados. É proibido copiar, reproduzir e/ou distribuir os artigos/imagens deste blogue sem a citação da origem/autores/créditos.
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