Região que insere Portugal no mapa de grandes regiões vinícolas do mundo tem o que mostrar. (O crescente interesse pelos vinhos de mesa do Douro tem despertado a atenção das principais casas de Vinho do Porto)
(Clique na imagem para ampliar - Imagem original da publicação "Valor Económico")
Fala-se muito hoje sobre os vinhos tintos do Douro, e a coluna da semana passada não fugiu dessa tendência ao dar ênfase a alguns desses rótulos, responsáveis por inserir Portugal, ainda que por ora timidamente, no mapa das grandes regiões vinícolas do planeta. Não se pode, no entanto, esquecer o papel do vinho do porto nessa ascensão, até porque foi o que, historicamente, projetou o país no mercado internacional e é o que distingue a região do resto do mundo.
Apesar de ter um modelo consagrado, no Barca Velha, nascido em 1952, a produção de vinhos de mesa só começou a reunir interessados no final dos anos 80, com a revogação do decreto que impunha que as exportações deveriam partir obrigatoriamente dos armazéns de Vila Nova de Gaia, situação que criava uma divisão clara entre produtores e negociantes. Os primeiros cultivavam suas vinhas, elaboravam o vinho do porto e o vendiam para as grandes casas mesclarem e comercializarem. Com a liberação, abriu-se a possibilidade de engarrafar e comercializar diretamente os vinhos, medida que encorajou os produtores a se tornarem independentes e a se aprimorarem para poder conquistar espaço.
Houve, nesse meio tempo, uma contínua diminuição do “benefício”, um direito concedido ao produtor, definido pelo Instituto do Vinho do Porto, para produzir uvas para vinho do porto, norma que tinha como finalidade regular os estoques do produto — o que ultrapassasse a quantidade autorizada deveria ser direcionado para os vinhos de mesa comuns.
Aos poucos, e cada vez mais, foi se conseguindo encontrar o ponto de equilíbrio entre o que é possível e desejável produzir em termos de vinho de mesa e vinho do porto, e o que é quase obrigatório. Com o tempo, há melhor noção das parcelas com maior vocação para um ou outro, assim como, de eventuais redirecionamentos em função das particularidades de safra. A rigor, a flexibilidade de poder trabalhar os dois é uma benção que só mesmo o Douro tem.
Tanto que essa nova e vitoriosa geração de produtores de vinhos de mesa — Douro Boys, Jorge Serôdio e Sandra Tavares (do Pintas e Quinta da Manoela) e uma série de outros já consagrados — não esquece suas raízes e faz em paralelo, em menor quantidade, uma gama própria de vinhos do porto. Tê-los também em seu portfólio auxilia na distribuição, já que muitos importadores desses tintos e brancos de primeira linha são especializados e não têm estrutura para trabalhar com as grandes casas de vinhos do porto, mas consideram importante ter tais produtos para oferecer.
O crescente interesse dos mercados internacionais pelos vinhos de mesa do Douro tem despertado a atenção das principais casas de vinho do porto, fazendo com que elas invistam também no gênero. Por uma questão de princípios, praticamente o único grupo que até agora se mantém inflexível é o Fladgate Partnership, detentor das renomadas marcas Taylor’s e Fonseca, além da Croft. A Symington, por exemplo, principal produtor de vinhos do porto de categorias especiais — é proprietária da Graham’s, Dow’s e Warre’s (são distribuídos no Brasil por diferentes importadoras) — e dona de 25 quintas, num total de quase 1.000 hectares de vinhas, tem dois tintos de ponta, o Quinta de Roriz e o Chryseia, este em sociedade com o renomado Bruno Prats, que, logo depois de vender sua participação no famoso Château Cos d’estournel, elegeu o Douro para sua reestreia por acreditar que a região tinha grande potencial para produzir vinhos de alto padrão e diferenciados. A primeira safra comercializada do Chryseia foi a de 2000, e Prats está cada vez mais entusiasmado com o projeto, tendo comprado, junto com os Symingtons, mais parcelas no sentido de continuar aprimorando seu vinho.
Não menos importante é a entrada no segmento de vinhos de mesa da Quinta do Noval (importado pela Grand Cru, www.grandcru.com.br), uma das marcas de vinho do porto mais antigas e prestigiadas em termos mundiais, cujas origens datam de 1715, antes, então, da demarcação da região, ocorrida em 1756 pelo marquês de Pombal. Vale ressaltar que o fato de constar o nome “Quinta” implica vinhos elaborados a partir de uvas procedentes de uma só propriedade, no caso a Quinta do Noval, ao contrário do habitualmente praticado no que se refere a portos. É de lá, por conseguinte, que sai o mais raro, caro e almejado vinho do porto, o Quinta do Noval Nacional.
Ele provém de uma pequena parcela de cerca de dois hectares dispostos em quatro terraços mais um trecho em meia lua numa parte privilegiada da encosta, ao lado da velha edificação onde estão os lagares de granito utilizados para sua vinificação. Não são plantas centenárias, como se poderia imaginar. São, na verdade, parreiras plantadas em pé franco, sem enxertia portanto, e tratadas segundo a técnica pré-filoxérica, que consiste em doses de enxofre injetadas no solo com o objetivo de impedir a ação da praga (a filoxera, inseto presente no solo que ataca as raízes). O local, o tipo de tratamento e a implantação em pé-franco levam a cachos e bagos pequenos, o que significa baixos rendimentos — por volta de 12 hectolitros por hectare, em vez de 40 hectolitros por hectare nos demais rótulos — e, por consequência, vinhos ricos e concentrados. São produzidas em média apenas 3 mil garrafas por ano. A primeira safra foi a de 1931, considerada excepcional — e a melhor de todas —, como devem ser, por princípio, todas que permitam obter um Nacional. De lá para cá (a última foi 2003) foram apenas 29. Caso a qualidade não atinja o nível exigido o vinho entra no lote do Quinta do Noval, que, embora tenha um grau de exigência não tão extremo, também não sai todos os anos.
Situada no vale formado pelo rio Pinhão, um afluente do Douro, a Quinta do Noval está numa zona favorável também a grandes vinhos de mesa, como é o caso do Pintas e do Guru (o branco do Pintas) e de algumas parcelas utilizadas em rótulos da linha mais nobre da Niepoort. Com a recente propensão à diversificação, era de se esperar que a Noval não ficasse atrelada só a vinho do porto. Seguindo essa diretriz, foi lançada uma gama encabeçada pelo Quinta do Noval tinto e complementada pelo Cedro do Noval — “homenagem” à belíssima árvore centenária localizada bem à frente da edificação principal e de onde se tem um panorama notável do vale e das vinhas em terraços que a rodeiam — e do Labrador (não conheci o homenageado). O responsável técnico por todo o setor de vinhos, de mesa e do porto, desde 1993, é o competente António Agrellos.
Os vinhos vêm num visível crescendo, ganhando em equilíbrio e expressando um estilo sofisticado, em especial o rótulo principal, o Quinta do Noval. Nas duas versões provadas na recente visita, o 2008, composto de 50% de touriga nacional, 40% de touriga franca e 10% de tinto cão, e o monocasta touriga nacional 2009, apresentaram um belo conjunto, com madeira muito bem dosada, taninos firmes bem integrados, sustentados por adequada estrutura. Dentro do preço mais acessível, o mesmo vale para as duas amostras do Labrador, 2008 e 2009, moldados com syrah. Necessitando de mais tempo de garrafa, não decepciona o Cedro do Noval 2008, que contém 90% de castas portuguesas (50% de touriga nacional, 30% de touriga franca e 10% de tinta Roriz) e 10% de syrah. Os Portos dispensam comentários, inclusive os dois Nacional, 1994 e 1967, que finalizaram a visita.
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