Os montes durienses
estão amarelecidos, uma desolação de uvas cortadas como se encerrado o ciclo da
criação. Escorre pelos socalcos, no contraste da cor do ouro velho, uma
nostalgia angustiada. Dos beirais das casas pingam lágrimas de saudade dos tempos em que o chão tinha um
sentido, passos guiados por olhos com esperança. Ano após ano enterram-se as (de)ilusões.
A PRECISÃO já não permite tratar as
vinhas, algumas nem vindimadas são; o Douro qualquer dia fica a monte. Regressou a emigração dos tempos
salazarentos, os rostos chupados pela necessidade, as almas escurecidas pelo
ódio da fome encolhida. Vão restar os que dominam a geografia, com mão de obra
estrangeira barata, e esperam que o mosto escorra sempre para o mesmo sítio, como um rio
a caminho da foz.
Podem os burocratas
bem instalados no cálculo orçamental, quais comissários político-partidários do
Terreiro do Paço, anunciarem regionalismos, grandes unidades hoteleiras, eventos
turísticos, lives e lifes musicais,
roteiros de heráldicas arquitectónicas, confrarias gastronómicas e vinícolas, elitismos
corporativos, que deles nunca será a História nem, sequer, a Estória. Nada se
faz contra o povo que suja as mãos e sua os corpos e anseia o preço recto para
o seu labor. Às vezes, até parece que esta terra nunca foi feliz, atazanada
pelos poderosos de ontem e de hoje, insuportáveis fortunas dos longes urbanos,
que se implantam para secar as raízes dos que aqui nasceram e querem morrer, ao
menos, com o fato preto limpo.
Os senhores do destino, comprado pelo dinheiro, prescreverão os seus interesses, mas só se sentirão
aceites se inverterem a lógica da condição.
Num trabalho de gelada
contabilidade, chantageando historicamente os filhos-cicatrizes do fatalismo
secular, que são os pequenos e médios lavradores com o seu operariado feito “lumpen“,
uma facção que recolhe os que enfeitam o sotaque na fleuma dos chás das cinco,
a incompetência da burocracia europeia e, mais pungente, autóctones que
desnaturam a procedência por uma intermediação de esmagamento económico da
Região Demarcada – todos eles estão a conseguir destruir uma natureza humana e orográfica
que nem a filoxera arrasou.
Vivemos um tempo de
fraqueza, entre o desgosto e a repugnância, em que temos de aprender novamente
a ser HUMANOS; mas é a hora de não
cruzar os braços e encolher os ombros; não impedir que se faça frente aos
grandes grupos, desde o esvaziar acintoso da Casa do Douro, que nem o fascismo
conseguiu, tirando aos lavradores a representatividade do seu ego, até entregarem tudo a um Instituto
e a um Comércio, não cativando os originários para o amanho dos
socalcos, que emigram para os bidonvilles
das cidades costeiras.
Os Sacerdotes da
nossa Região, no seguimento de uma atitude tão cara à Igreja Católica no País
em crise, decidiram, numa denúncia cristã, apontar as carências – alguns casos
mesmo de miséria – dos nossos pequenos e médios lavradores e, naturalmente, os
trabalhadores que vivem do amanho da terra. Fazem bem os Párocos das nossas
freguesias afirmarem bem alto, sem medos, com caridade e amor redentores, o
sofrimento do POVO, as desigualdades intoleráveis que o dilaceram, a fome de que
não queremos o regresso com uma sardinha para três bocas. Nos Altares ou na
rua, eles têm que anunciar a mensagem de Cristo, a sua libertação, que os
Livros Sagrados deixaram escrito para glória do Mestre. Não usam o seu múnus para
gerar discórdia, mas para ajudar na mitigação possível, na generosidade da
partilha. O bom combate é contra a pobreza, pois só somos felizes quando, a uma
mesa, todos podemos comer e sorrir. Assim, a Igreja Católica afirma-se e é
seguida no seu exemplo e no seu coração. Sempre ao lado – como Cristo – dos
necessitados e proscritos, das imoralidades negociais e das vergonhas sociais.
Cientes de que os
espíritos só sobrevivem se os corpos tiverem alimento e auto-estima, os
Senhores Padres da nossa terra apontam na direcção certa. Adegas, que
julgávamos financeiramente fortes, atrasam os pagamentos aos seus sócios, que todos
os anos entregam fiado as uvas que
já têm mais sangue, suor e lágrimas do que sumo. As migalhas que distribuem não
chegam para o pão quanto mais para o conduto. Não chegam para o sulfato, o
adubo, o herbicida, o pagamento dos salários dos trabalhadores. Não chegam
NUNCA para a serenidade de quem teima
alimentar-se «deste chão sagrado», como referia o poeta para outra latitude.
Por que espera o
Estado para, através do Ministério da Agricultura, apurar, auditar mesmo
aquelas Sociedades, sugerindo modelos de gestão, emendando erros, acusando
falhas? Parafraseando os Párocos da nossa Zona Pastoral: As Adegas Cooperativas
– e logo as de maiores dimensões - chegaram
a esta situação por culpa de
quem?
O grito do Clero Duriense tem razão e moral. É essa a sua Missão: apelar aos Justos, colocar-se não contra
ninguém, mas ao lado dos pequenos, com tolerância e sem medos dos falsos. São
gestos destes que emocionam os cristãos e os fazem acreditar que Cristo nasceu
para nos dar mesmo a SALVAÇÂO.
- M. Nogueira Borges - 10/10/2011.
Texto de M. Nogueira Borges publicado com autorização do autor neste blogue e no semanário regional 'O Arrais" (13/10/2011). Clique na imagem acima para ampliar. Imagem acima editada para este blogue e recolhida da net livre no link "Templos do Sol - Chãs". Edição de J. L. Gabão para o blogue "Escritos do Douro" em Outubro de 2011.
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