sexta-feira, 3 de setembro de 2010

O Baile das Vindimas

Longe vão os tempos em que a ilustre Comissão Organizadora do Baile das Vindimas de 1961 deixava mostrar os seus rostos. Na sua maioria, dela faziam parte admiráveis senhoras, como se pode ver na fotografia, Raquel Ruas Rato, Margarida Quinas Guerra, Maria José Janeiro, Maria Arlette Pavão Bandeira, Maria Natália Viana Pinto, Teresa Martinho, Mercedes Quinas Guerra, Maria Odete Vasques Osório, Maria Fernanda Guichard, Maria Carolina Sampaio Vilela, Maria Nélia Penhor Janeiros Chaves que estavam acompanhadas pelos senhores Alberto Gonçalves Martinho, José Ernesto dos Santos, José Guedes Leite, Alfredo Baptista e Manuel Alves de Sousa – que contribuíam para o sucesso de um dos mais emblemáticos eventos sociais da região duriense, o mítico Baile das Vindimas, realizado vários anos, com o apoio dos bombeiros da Régua.

Quem teve o privilégio de assistir e de participar num baile das vindimas sabe que não era, como aqueles que se faziam um pouco por todo o lado, nas instalações dos bombeiros, um mais um dos bailes dos bombeiros, sempre frequentados por gente simples e de trabalho, que não tinham mais sítios para se divertirem. O baile das vindimas era um verdadeiro espectáculo de “glamour”, brilho, beleza, graciosidade que reunia pessoas distintas e com classe. Como dizia um jornal da época, “juntando senhoras das mais consideradas do meio, todas elas vistosas, elegantes e muitas de verdadeiro recorte parisiense”. Sem dúvida que atenção ia para a elegância do vestir das senhoras, de finas toilettes e vestidos compridos e cintilantes e os cavalheiros de fato e casaco, de laço ou de gravata, ávidos de exibirem os segredos da dança. Quando começava a tocar um tango, um bolero ou uma valsa, os cavalheiros com aquela postura de boa educação, abraçavam pela cintura as senhoras, para mais uma dança, enquanto esse encanto não se perdia e ficava a saudade de um momento único e inesquecível.
Dançava-se ao ritmo de orquestras e conjuntos musicais. Ao princípio, actuava a prata da casa, como os “Reguenses” e o Conjunto de José Armindo, mas depois vieram as mais famosas no país, a apreciada Shegundo Galarza e outras consideradas pela qualidade da música, como a Tony Hernandez, Pedro Osório, José Nóvoa, Tártaros e o irreverente Conjunto Aftas. Não chegou a cantar o Julio Iglesias, que foi contactado para estar num dos bailes, mas o seu “cachet” perto de duzentos contos, considerado muito dinheiro, fez hesitar os primeiros organizadores e aquele acabou por não vir actuar, se bem que, mais tarde, se tenham arrependido.

Em Setembro de 1956, realizava-se o primeiro baile das vindimas no Quartel dos Bombeiros. Na imprensa nacional, o espectáculo foi anunciado como o “Grande e Anual Acontecimento do Douro”. Nos anos seguintes, o baile continuou a realizar-se no Quartel dos bombeiros, pelo menos, até ao ano de 1970. Mais tarde, alguns aconteceram na Casa do Douro, no seu esplendoroso salão nobre, onde realizaram, em 1982, o último grande baile de gala. Em 2009, uma organização ligada ao turismo fez uma tentativa de ressurgir o baile, mais uma vez, na Casa do Douro. Quem foi convidado para baile, que teve a presença de outras estrelas da sociedade, garante que não se podia comparar com os de antigamente…!
Foi um grupo de irrequietos jovens, na casa dos vinte e poucos anos, que se lembraram de realizar um baile das vindimas, na Régua. No final dos anos 50, os filmes em cartaz no Cine-Teatro Avenida, eram o passatempo preferido do Fernando Magalhães, Elvira Pinto da Fonseca, a Bita, José Pinto da Fonseca, Tobé Sarmento, Fernando Carvalho, António Luís Correia, Armindo Lopes, Pôncio Monteiro (filho) e José Ernesto dos Santos e, fora desse ambiente, pouco ou nada de interessante mais tinham para se divertirem, depois de acabadas as Festas do Socorro.

Numa conversa, no Café Nacional, onde se encontravam nas longas tardes de tédio, para ler o jornal e ver quem passeava pela movimentada Rua dos Camilos, surgiu-lhes a magnífica ideia de organizarem um baile de gala, como faziam alguns clubes sociais do norte. As vindimas costumavam trazer ao Douro muitas famílias, uns para férias e muitos outros para o trabalho nas quintas. Mas não havia eventos sociais e culturais que fizessem despertar a pacata vila. A realização de um baile dançante, abrilhantado com boa orquestra musical, podia entusiasmar as pessoas que permaneciam ou vinham visitar as belezas e encantos do Douro.
Nenhum desses jovens fazia parte da associação dos bombeiros, pelo que alvitram Casa do Douro, como lugar mais indicado para o baile se fazer, aliás haveria uma melhor opção. A instituição representativa dos lavradores durienses, sediada num soberbo edifício de arquitectura imponente, típica do estilo e gostos do nosso Estado Novo, tinha disponível um salão de dimensão e de esmerado requinte. Depois, seria natural, que ela aproveitasse o evento para fazer a promoção turística da região duriense e do negócio do vinho do Porto. Só que os directores, por certo, alheados à realidade e ao fluir das ideias do tempo, não anteviram qualquer interesse, o que deixou os jovens surpreendidos com a indiferença e a impassividade, mas não desanimados no seu inabalável propósito.
Os jovens determinados esforçaram-se por encontrar uma alternativa. Dirigiram um novo pedido, desta vez, à direcção dos bombeiros para que emprestassem uma sala do novo Quartel, situado na então Av. Sebastião Ramires, onde haviam sido realizadas indispensáveis obras de acabamentos. Naquele tempo, o edifício estava dotado com salas espaçosas que se podiam adaptar para salão de danças. Avaliado e examinado numa reunião de direcção, o pedido e o programa do baile, ninguém exibiu reservas nem barreiras à vontade firme desses jovens. Da parte dos bombeiros, pensando que também obteriam ganhos, houve um empenho para deixar realizar o baile nas suas instalações.

Nesse ano, como o salão nobre se encontrava inacabado, aguardando benfeitorias, o baile das vindimas teve de fazer-se no rés-do-chão do Quartel dos Bombeiros, que foi, antecipadamente, desocupado das suas viaturas e ambulâncias e transformado numa pista de dança, ornamentada e iluminada. Os receios e as incertezas só desapareceram quando, surpreendentemente, perto de 400 pessoas compraram o seu bilhete, com um preço para os cavalheiros, de 70 escudos e para as senhoras, de 50 escudos, encheram o recinto, dançaram e se divertiram até altas horas da madrugada. Alcançava, assim, sucesso o primeiro baile de vindimas um estrondoso sucesso, que continuou por mais anos.

Estávamos em 1956 e, a partir desse ano, a direcção dos bombeiros passava a assumir a organização do baile das vindimas. Para facilitar o trabalho, decidiram constituir uma comissão organizadora que se encarregasse de manter um programa de qualidade. Estavam incluídas sempre muitas senhoras sobejamente conhecidas e de mérito pessoal e profissional, que garantiam o brilhantismo desejado e o êxito nas receitas e os lucros a favor dos bombeiros. Isto fez provocar mudanças de pessoas na sua organização. Assim, a direcção dos bombeiros descobria uma forma simpática de conseguir mais fundos, sempre necessários para superar dificuldades económicas e fomentar mais obras. Um outro objectivo do baile das vindimas, previsto pelos organizadores, seria a promoção turística da região, para “enaltecer a beleza da Região do Douro e fazer propaganda do seu maior embaixador o Vinho do Porto”.

O baile das vindimas passou a ser um símbolo. Entusiasmou muita gente da sociedade reguense e não só, algumas pessoas deslocavam-se de Resende, Alijó, Vila Real, Tabuaço, Lamego e até do Porto e Lisboa. A sua fama tornou-o num acontecimento social de prestígio, de nível elevado e de bom gosto, atraente para quem visitava o Douro, e obrigatório para os que gostavam de deslumbrar-se num ambiente fino e requintado.
Se ele continua a ser evocado e elogiado, deve-se em grande parte aos que o sonharam e tudo fizeram para que fosse mais um emblemático cartaz das vindimas do Douro. Não podem ser olvidados os seus pioneiros organizadores, hoje alguns com a idade de avós simpáticos e respeitáveis, como o Magalhães, o Nano e o Pôncio, nem os directores dos bombeiros dessa época - em especial, o Sr. Alfredo Baptista - que merecem ser louvados pela ousadia e o contributo para uma maior divulgação do baile das vindimas. Se os bombeiros não facilitassem o seu Quartel, o baile das vindimas seria contado só como uma história de grandes amigos, imaginada nas mesas de um velho café, por maior que fosse a iniciativa dos seus criadores.
Pela importância social que alcançou no passado, os bombeiros da Régua têm a obrigação natural de fazer ressurgir o brilho perdido do baile das vindimas, no seu genuíno modelo, sem a intenção de fazer reviver os bons velhos tempos, mas para não deixar cair uma tradição que, sem abandonar a preservação dos valores humanistas e solidários, pode voltar a atrair mais pessoas a este paraíso peculiar que é o Douro, no tempo das vindimas.
- Colaboração de José Alfredo Almeida*, Peso da Régua, Setembro de 2010. Clique nas imagens acima para ampliar.
O Baile das Vindimas no "Arrais" - 1
Poderá ampliar para "tela inteira" (full screen) utilizando as "ferramentas" disponíveis no "box" acima.
(Link - http://embedit.in/fzHP4XEa3P - Arquivo em formato "pdf".)
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O Baile das Vindimas no "Arrais" - 2

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  • *José Alfredo Almeida é advogado, ex-vereador (1998-2005), dirigente dos Bombeiros Voluntários de Peso da Régua entre outras atividades, escrevendo também crónicas que registram neste blogue e na imprensa regional duriense a história da atrás citada corporação humanitária, fatos do passado da bela cidade de Peso da Régua de onde é natural e de figuras marcantes do Douro.

        1 comentário:

        joana disse...

        Esta foi uma das crónicas que me deu mais prazer ler, e porque sei bem quanta pesquisa e trabalho tiveste que realizar para chegar a este texto, ele tem para mim um sabor muito especial.


        De uma forma descontraída e risonha vi-me num baile organizado e levado a cabo ainda antes de eu ter nascido. Este tipo de evento vai ser sempre uma memória roubada aos meus pais e aos meus avós…era deles este glamour, esta delicadeza e elegância…. As gerações seguintes perderam por completo a tradição de realizar este tipo de bailes …talvez pela necessidade de os tornar acessíveis a toda a gente, perdeu-se este ambiente todo especial, refinado e único…e é uma pena que assim seja!

        O cachet do Júlio Eglesias fez-me sorrir, e concordo contigo: teria sido um momento grande na história dos Bailes das Vindimas, seria recordado para sempre como o melhor baile de sempre…paciência!


        Fica-me a vontade de ver renascer um baile de gala no Douro, e agora, que já começamos a deixar para trás uma época de “caça ás bruxas” talvez seja altura de os recuperar e voltar a dar-lhes o brilho e esplendor que tiveram outrora. Tenho a certeza de que há, entre tantas pessoas notáveis, quem esteja disponível para tornar a organizar um evento desta natureza e de novo despertar toda a beleza e elegância de um verdadeiro baile de gala.

        Parabéns por mais esta crónica… é um prazer ler-te…sempre!