segunda-feira, 27 de setembro de 2010

Recortes - A Régua antiga e a Régua nova...

 
Clique na imagem para ampliar - Imagem publicada na edição do jornal "O ARRAIS" de 17 de Setembro de 2010.
Peso da Régua, Setembro de 2010, colaboração de J A Almeida para Escritos do Douro 2010

sábado, 25 de setembro de 2010

A CASA

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Todos, uns mais que outros, estamos ligados às casas onde morámos. As peripécias da existência levam-nos, muitas vezes, a geografias diferentes das que conhecemos na nascença. São as condições do destino, contrariando a vontade ou os desejos de mudança para a concretização (ou não) de um sonho. As casas são o canto das confidências ou o altifalante dos destemperos, a alcofa do amor ou o antro da repulsa, o espelho da harmonia ou da truculência, o retrato da ternura ou do gelo, a redoma das inocências ou o estilhaçar das más criações.

As casas são pedaços da nossa memória povoada de risos e de choros, de zangas e de perdões, de vida e de luto, de realizações inesquecíveis e injustiças traumatizantes, de brincadeiras e de recriminações, de opulência e de escassez, de grandezas e misérias – de tudo, afinal, de que é feita a roda da vida.

Quantas vezes uma casa é a referência de uma cronologia, o antes ou o depois de uma casualidade, a justificação de uma luta, o renascer de uma afirmação, o hiato de uma dificuldade, a certeza de uma vida inteira. As casas são sempre a moldura de uma época, figurantes imóveis da mobilidade do nosso filme.

Há dias, vi, na longa avenida onde moro, uma dessas casas, por onde passei, ser demolida como quem esmaga uma inutilidade. Subia-se por uma escada em cotovelo, que dava a um longo corredor, marginado por quartos, até terminar numa pequena cozinha aproveitada numa reentrância da sala de jantar, frente à qual se estendia uma frondosa ramada que, todos os anos, dava alguns almudes de vinho americano, e onde, à sombra dela, as crianças faziam tropelias diante da complacência de uma bondosa avó. Foi ali que escutei, enquanto o sono não vinha, o ruído dos eléctricos nas suas correrias nocturnas, no tempo em que passear à noite ainda era uma liberdade; que, surpreso, ouvi sagas africanas de esplendor e de debandada, contos de honra e de abdicação; que ri com satisfação e me silenciei nas preocupações; afaguei nascidos e chorei por quem abandonava o mundo; que confirmei o ensinamento da minha meninice aldeã: a partilha do pão tanto pode ser por dois como por quatro.

Quando o mastodonte de tijolos e cimento parar de crescer para o céu, vou pedir ao novo dono que ponha uma bandeira, lá no alto, com um coração desenhado. É A ÚNICA MANEIRA DE EU VOLTAR A OLHAR PARA LÁ.
- Texto de M. Nogueira Borges*, Porto, Setembro de 2010.
  • Também pode ler M. Nogueira Borges no blogue "ForEver PEMBA". *Manuel Coutinho Nogueira Borges é escritor nascido no Douro - Peso da Régua.

    quarta-feira, 22 de setembro de 2010

    Recortes - O Quartel Delfim Ferreira

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    Foto de Setembro de 2010 que mostra o quartel dos  Bombeiros Voluntários da Régua enquadrado no recente arranjo urbanístico que deu lugar à construção de um rotunda, na confluência da Av. Antão de Carvalho com as Ruas Serpa Pinto, Dr. Maximiano de Lemos e  Guedes de Amorim. É o novo visual de um espaço que envolve um dos mais belos edifícios da Régua. - José Alfredo Almeida, Régua, Setembro de 2010.

    segunda-feira, 20 de setembro de 2010

    O verão quente… do Comandante Cardoso

    É difícil imaginar do que falariam o Comandante Cardoso e o Adjunto de Comando Claudino Clemente, que nesse dia não vestiram as suas impecáveis fardas, enquanto no círculo mais imediato, o Chefe Armindo Almeida, o bombeiro auxiliar motorista António Pereira Araújo – conhecido por Rufino - e o senhor António Pereira, um distinto director da Associação, parecem seguir atentamente o fio dessa conversa.

    Sabemos, no entanto, que estava preparado um jantar de confraternização, ao que parece marcado para a esplêndida Estalagem das Caldas do Moledo, uma velha e apreciada casa de turismo de arquitectura sóbria, situada naquele lugar termal, que desapareceu nas chamas de um violento incêndio, na noite de 31 de Maio de 1979. Depois desse grande fogo…. o Moledo começou também desaparecer. Sabemos também que a refeição foi acompanhada com vinho tinto e para a sobremesa, um doce de pudim.

    A conversa parece interessante e o Comandante Cardoso mostra a atenção, como se estivesse a escutar um conselho do seu abnegado adjunto, um dos melhores e mais brilhantes bombeiros, alistado a 3 de Maio de 1930 na corporação. Quando o Adjunto Claudino Clemente faleceu, a 11 de Novembro de 1982, deixava também um rol de histórias dos bombeiros do seu tempo…por contar. Agraciado com as medalhas de mérito e de sacrifício, de uma e duas estrelas da Liga dos Bombeiros Portugueses, e a medalha de ouro, de mérito municipal da Câmara da Régua, pela dedicação e competência que sempre demonstrou ao longo de 50 anos de serviço, foi sem dúvida e no dizer dos seus antigos colegas “um homem que nasceu para ser bombeiro”.

    Admite-se que Claudino Clemente estivesse a convencer o Comandante Cardoso dos malefícios de uma sua decisão que pensava tomar, à qual pela sua susceptibilidade não seria comentada com os demais bombeiros, para que tudo se resolvesse de forma discreta, com a salvaguarda do bom nome da instituição.

    A decisão do Comandante Cardoso seria expressa numa carta dactilografada – recentemente encontrada nos arquivos - que dirigiu ao Presidente da Direcção da Associação, Dr. Aires Querubim de Meneses, a pedir a sua passagem ao quadro honorário que, dito por outras palavras, significava pedir a sua demissão de comandante dos bombeiros.

    A carta tem a data de 24 de Julho de 1975. Redigida:

    “ Exmo Senhor :

    Presidente da Direcção da AHBV do Peso da Régua

    As minhas ocupações profissionais, não me permitem, presentemente, dedicar-me inteiramente à Corporação que comando há mais de 15 anos.

    Por tal motivo e nos termos do paragrafo 3º do artigo 5º do Capítulo I – Decreto nº 30 439, venho solicitar a V. Exª e da Exma. Direcção, a minha passagem ao Quadro Honorário, a partir de 3 de Agosto próximo, data em que me considero desligado do serviço e completo 15 anos e 10 meses de doação aos Bombeiros e a todos que precisaram da sua ajuda.

    Com os protestos da minha maior consideração e reconhecimento por todas as atenções que sempre me dispensaram, apresento os meus melhores cumprimentos.

    O Comandante Carlos Cardoso dos Santos”

    Quando se sabe que o pedido de passagem ao quadro honorário nunca se concretizou, a carta não deixa de causar alguma estranheza… e muita perplexidade. Na verdade, por maior que seja o esforço, custa acreditar, ainda hoje, que o motivo invocado pelo Comandante Cardoso, corresponda à verdade. Antes se admite que seja uma justificação diplomática para não revelar a contrariedade sucedida. Ninguém acreditava, que em 1975, o Comandante Cardoso quisesse abandonar os bombeiros, para se dedicar apenas às suas “ocupações profissionais”, na secretaria do Hospital D. Luís I. Sem que fosse conhecida uma explicação verdadeira, continuava envolvida em mistério a sua decisão. A dúvida adensava quando se descobriu que a sua carta tinha ficado esquecida, no meio de papéis inúteis, sem interesse para a história e sem merecer da Direcção uma resposta, o que significava que o assunto tinha morrido ali...!

    Mas, para se compreender este momento difícil da sua vida, tornava-se necessário conhecer quais os reais motivos que levaram o Comandante Cardoso a escrever essa carta e, depois, saber o que fez mudar de ideias, de não abdicar o seu lugar de Comandante dos Bombeiros da Régua.
    Começamos por enquadrar a carta com os acontecimentos de 1975. De 11 de Março a 25 de Novembro, o país viveu a um ritmo alucinante, num clima entre o apaixonante e o assustador. Ideologias antagónicas e modelos de sociedade divergentes confrontavam-se na rua, contavam-se as espingardas nos quartéis, as greves paralisavam as empresas, os retornados das ex-colónias desembarcavam com poucos haveres, sucediam-se os golpes militares, faziam-se manifestações e comícios a toda a hora e as sedes dos partidos de esquerda eram assaltadas e saqueadas. Foi o verão quente de 1975, um período conturbado, em que o país esteve à beira de uma guerra civil.

    Na Régua, o Comandante Cardoso viveu também, de uma outra forma, o verão quente… de 1975. Habituado no seu comando a resolver os problemas e conflitos disciplinares com autoridade, mas sem autoritarismo, não conseguiu evitar um lamentável incidente com um velho bombeiro. Os pormenores da discussão nem interessavam se não lhe tivesse chamado de “fascista”. O uso insulto era corriqueiro, usado por tudo e por nada com e sem conotações politicas. A intenção de o rotular de adepto do Estado Novo não fazia sentido, mas denegria-lhe a sua impoluta conduta cívica. O ambiente social da época, tenso e repleto de ódios políticos, provocava instabilidade no relacionamento pessoal. Ofendido pelo insulto, o Comandante Cardoso sentiu-se indignado, sem vontade de continuar no comando. Depois de se ter aconselhado, tomou a tal inesperada decisão de abandonar, de imediato, o comando dos bombeiros da Régua.

    A resposta para outra dúvida é mais simples. O que o fez mudar de ideias, é aquilo que conhecemos da sua vida: a paixão pelos bombeiros. Foi essa paixão que o fez desistir do pedido da sua carta e continuar a comandar os bombeiros até ao limite da idade permitida nos regulamentos, em Março de 1990. Sem ele a comandar, a história da Associação não teria registado um dos importantes e gloriosos momentos, a memorável realização do 24º Congresso Nacional dos Bombeiros Portugueses.

    Esta carta é um documento raro que se conhece do Comandante Cardoso para aqueles que o admiram como cidadão empenhado e comandante dos bombeiros da Régua, ao longo de 31 anos de serviço. Como bem escreveu, Damas da Silva, no seu livro biografia “O Comandante Carlos Cardoso”, confirma que os testemunhos escritos pelo comandante não abundam.

    Se uma simples carta do Comandante Cardoso não ajuda a revelar as lacunas nem os espaços em branco da vida pode, ao menos, permitir avaliar uma das suas decisões mais imprevistas e inesperadas e, sobretudo, compreender melhor a grandeza humana e moral de um “cidadão de medida grande”, como alguém o definiu, para fazer sair da penumbra o que ficou menos iluminado no seu foro íntimo: a sua grande Alma.
    - Colaboração de José Alfredo Almeida*, Peso da Régua, Setembro de 2010. Clique nas imagens acima para ampliar.
    • *José Alfredo Almeida é advogado, ex-vereador (1998-2005), dirigente dos Bombeiros Voluntários de Peso da Régua entre outras atividades, escrevendo também crónicas que registram neste blogue e na imprensa regional duriense a história da atrás citada corporação humanitária, fatos do passado da bela cidade de Peso da Régua de onde é natural e de figuras marcantes do Douro.
    Jornal "O Arrais", Sexta-Feira, 08 de Outubro de 2010
    Arquivo dos Bombeiros Voluntários do Peso da Régua
    O verão quente… do Comandante Cardoso
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    O verão quente… do Comandante Cardoso