Fixo-me nesta pedra tumular, branca-escura de quantos lustres, ervas à espreita misturadas com cera derretida e flores campestres caídas de uma jarra. Debruço-me no gradeado que delimita o jazigo e penso: “A minha geração paternal está toda aqui, com o meu Pai à frente, há mais tempo do que eu tenho de vida. Estão no silêncio da eternidade, indefesos, noites e dias sem uma Avé-Maria, sequer um ciciar dos que não esquecem. Uns, partiram, ainda jovens, sem a oportunidade de um arrependimento, um adeus; outros, velhos, cansados de tanto esperarem. O meu Pai foi sem ouvir o meu primeiro vagido (imaginou-me apenas), derrotado pela doença maldita a que chamam prolongada. Morreu sem me beijar, fazer uma festa na moleirinha, pegar-me ao colo, imaginar parecenças, mudar-me uma fralda, alvitrar um nome baptismal, embalar um sono, viver a maior seriedade amorosa da existência.
O que faz, afinal, a ilusão da vida? O que a dimensiona na escassez ou na lonjura dos anos? É a substância da dádiva e do amor, mesmo na brevidade biológica, ou o vazio desafectado no prolongamento biográfico? A vida nem ao menos tem lógica. Há quem morra sem uma ruga, com o sol e o pranto a adornar a despedida; há quem parta encolhido por remorsos velhos sem uma réstia de deixar saudades.
Morreu-me antes do tempo, sem tempo para lhe pedir um conselho, uns tostões para rebuçados ou para uma bola de futebol, para divergirmos quando não estivéssemos de acordo, para nos amarmos, sempre, até o sangue secar.
Aqui estou, só, com um sol fraquinho encoberto pelas nuvens de Dezembro a lembrar o Natal. Um Natal que nunca partilhei com ele e já nada me diz porque o transformaram numa hipocrisia, numa feira de vaidades, num símbolo pagão, materialista, sem solidariedade e sem virtude. Resta-nos as cruzes dos Cristos vivos e mortos, exemplos e memórias contra o ódio e a inveja que nos consomem. Um dia aqui estarei desde o nascimento sem ti até à morte contigo “.
Um vento agreste varre o alto da Corredoura. O sussurro da folhagem dos eucaliptos acentua o abandono do palacete envelhecido onde brinquei em criança, diante do qual encolho um grito inominável e pergunto por que vendem os homens as histórias das suas vidas? Lá ao fundo, para os lados de Rio Bom, há uma paisagem amarelecida, desamparada, com os fumos das chaminés a acentuar o deserto dos caminhos. O Douro, esse, não morre, continua a correr, leva nostalgias, sonhos e destroços. Há muitos Meninos Jesus na encosta-presépio de Loureiro, mas eu nunca tive um Pai Natal Vivo.
Também pode ler M. Nogueira Borges no blogue "ForEver PEMBA". *Manuel Coutinho Nogueira Borges é escritor nascido no Douro - Peso da Régua. Manuel Coutinho Nogueira Borges faleceu em 27 de Junho de 2012. A imagem ilustrativa acima é recolhida da net livre. Actualização em Dezembro de 2013.