Não sei há quantos anos - talvez desde que me conheço – que transporto uma imagem-memória sem definição.
Bem me esforço por lhe encontrar a forma, a cor e o conteúdo, mas, sempre em vão.
Bem me esforço por lhe encontrar a forma, a cor e o conteúdo, mas, sempre em vão.
Nessa procura me perco sem relógio, num suor pegajoso, numa dor de impotência, numa íntima aflição.
São momentos de luta interior que tanto ocorrem numa noite de espertina ou na balbúrdia do dia, sem resposta para as minhas dúvidas, convencido de que nunca alcançarei o descanso da solução.
Umas vezes, aquela imagem surge-me num revivalismo do já experimentado, mas, quando a aprofundo, logo se me dissipa a objectivação e tudo é engano, mistura de pensamento e de lembrança no esbatimento da monotonia.
Tanto me aparece no roxo da revolta como no rubro da injustiça, no negro da ingratidão como no cinzentismo da apatia.
Tanto chora numa premência de tristeza como grita numa brevidade de alegria.
Há, porém, uma minúcia que já apreendi: o sentimento da ausência. É isso: a ausência como uma fome nunca satisfeita, uma falta insuprível, um espaço sem tempo e sem modo, continuamente à espera de quem a possa preencher.
Será a ausência de uma alma que na minha se devia encaixar? Será uma incompreensão atávica perante a frieza de um mundo que não há meio de entender?
Será uma desarmonia entre uma época sem sentido e uma consciência inadaptada?
Um vazio, aquém (e além) do nascituro, como se o corpo fosse apenas o invólucro de um nome destinado ao cumprimento de uma obrigação gerada?
Mas se, afinal, isto não se explica, por que buscar, então, no intervalo da vida e da morte, a pacificação do entendimento, essa imagem-memória, se ela é uma ausência ausente, que é o mesmo que afirmar uma incapacidade racional – não uma subjectivação incomunicável -, uma omissão que se sofre no envelhecimento de um retrato que escurece tão veloz que só damos por ele quando o espelho se fende?
Vem-me de longe essa nuvem, esse tempo sem tempo, como uma sombra dos dias, como uma angústia de exílio. Queria-a na sua substância, demorar-me na sua presença para a saber inteira, porque só assim decifraria o seu sentido no relacionamento comigo.
Bastava detê-la no meu (e no seu) conhecimento e, depois de esclarecido, largá-la definitivamente.
Bastava detê-la no meu (e no seu) conhecimento e, depois de esclarecido, largá-la definitivamente.
- De M. Nogueira Borges* extraído com autorização do autor de sua obra "O Lagar da Memória".
- Também pode ler M. Nogueira Borges no blogue "ForEver PEMBA". *Manuel Coutinho Nogueira Borges é escritor nascido no Douro - Peso da Régua. A imagem ilustratrativa acima, recolhida da internet livre é composta/editada em PhotoScape, poderá ser ampliada clicando com o mouse/rato.
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