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quinta-feira, 28 de março de 2013

Páscoas Passadas

Não se compreende que se festeje tanto o Natal e tão pouco a Páscoa. Se é que a Páscoa ainda se festeja… E os festejos de Natal têm, de ano para ano, uma expressão mais consumista que religiosa. Ainda o 25 de Dezembro vem longe, já as ruas se iluminam feericamente e se animam com músicas ternurentas, repetidas até à exaustão. As lojas oferecem os seus artigos até à porta da rua e os shoppings são autênticos formigueiros de pessoas entontecidas com as compras. É preciso cumprir a tradição de oferecer aos familiares, aos amigos e a quem se deve qualquer favor ou cortesia. Acima do intenso bruaá, ouve-se constantemente o guincho de uma criança contrariada. O guincho só se extingue, quando o pai, a mãe ou o avô fazem a vontade ao tiranete. Nas casas, a opulência da árvore de natal vai fazendo cada vez mais sombra à ternura do Presépio. A consoada e o almoço do Dia de Natal são os pontos altos da reunião familiar em redor de iguarias tradicionais. À Missa do Galo já pouca gente vai. Não por falta de fé, mas por falta de missa. Raras são as terras a poder dispor de pároco, fixo ou itinerante.

Seria mais compreensível a decadência das comemorações de Natal que as da Páscoa. O nascimento do Menino Jesus é uma grata memória, vivida em cada ano, com a maior ternura no mundo cristão. As comemorações poderiam ser limitadas ao fervoroso sublinhar de uma das mais vultuosas datas da História da Humanidade. Ao passo que a Semana Santa, a começar no Domingo de Ramos e a findar no Domingo de Páscoa, é um tempo de reflexão sobre o que Jesus Cristo foi como inexcedível exemplo de amor e sacrifício. Entre o presépio de Belém e a cruz do Gólgota, há uma curta vida de trinta e três anos marcada por um apostolado de amor ao próximo e as perseguições de quem não aceitava o alcance da palavra e da humanidade de Jesus Cristo.

Apesar de todas estas razões para celebrar e reflectir, a Páscoa que hoje temos é, praticamente, a que nos entra pela televisão.

Mas eu tenho na memória uma Páscoa só para mim. A que vivi alguns anos em rapaz na ridente aldeia de Poiares, diante do solene negrume da Serra do Marão.

O Seminário Salesiano exercia ali a sua pedagogia e o seu apostolado. E era com grande rigor que os seus padres cumpriam toda a liturgia da Semana Santa.

Recordo, como quem folheia ao acaso um velho álbum de gravuras sépia, as cores e o aroma da luminosa igreja no Domingo de Ramos, o silencioso recolhimento da Procissão do Senhor dos Passos, o misterioso temor das Trevas, o repicar dos sinos e o estralejar dos foguetes no Sábado de Aleluia, a humildade na Cerimónia do Lava Pés, o esplendor da Missa da Páscoa, com as raparigas muito tesas no seu vestidinho acabado de estrear, a passagem do Compasso, de opas a esvoaçar e o tinir da sineta sempre interrompido…

Um ano, fui convidado, entre outros estudantes em férias, a figurar na Última Ceia. O cenáculo foi o refeitório do seminário, onde nos esperava o senhor padre Paulo, a representar Cristo com a figura de grande bondade e respeito.

Ao saber-me designado para representar Judas Tadeu, fiquei tão nervoso e tão pálido que dei nas vistas ao nosso improvisado Jesus Cristo. Mas logo o bondoso padre me sossegou:

- Não te aflijas… o apóstolo mau foi Judas Escariote. Judas Tadeu veio até a ser um grande santo!

E a paz voltou ao meu espírito. Mas agora que Judas Escariote foi reabilitado, voltei a preocupar-me por ter sido Judas Tadeu. Eu sei lá o que a História me reserva!
- Camilo de Araújo Correia,  In jornal “O Arrais”, Peso da Régua.

CAMILO DE ARAÚJO CORREIA neste blogue.

Clique nas imagens para ampliar. Texto cedido por Dr. José Alfredo Almeida (JASA). Edição de imagens e texto de J. L. Gabão para o blogue "Escritos do Douro" em Março de 2013. É permitido copiar, reproduzir e/ou distribuir os artigos/imagens deste blogue desde que mencionados a origem/autores/créditos.