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terça-feira, 24 de setembro de 2013

O Quartel dos Bombeiros da Régua - obra benemérita do arquitecto Oliveira Ferreira

A Associação de Bombeiros Voluntários da Régua, fundada em 1880, teve, desde cedo, a necessidade imperativa de construção de uma sede própria, de forma a substituir as suas exíguas e inoperacionais instalações, primeiro num prédio do largo dos Aviadores e mais tarde, a partir de 1910, na rua dos Camilos. Porém muitos anos se passaram até a ideia se concretizar, num processo complexo e árduo que se prolongou por mais de duas décadas, desde a cedência do terreno na, então, avenida da Liberdade (hoje Dr. Antão de Carvalho), em 1930(1), até à inauguração do quartel em 1955.

Dois artistas assinam o desenho e execução de tão desejado edifício: o mestre pedreiro Anastácio Inácio Teixeira, reguense e admirável executante, e o arquitecto Francisco Oliveira Ferreira (1884-1957), ligado à cidade por laços familiares(2)  mas também profissionais(3). À data com uma obra extensa, em particular na zona do Porto e Vila Nova de Gaia, Oliveira Ferreira oferece o projecto à Associação, conduzindo à construção daquele que se julga ser um dos primeiros quartéis do país desenhado por um arquitecto e por muitos considerado um dos mais belos de Portugal.
Imagem 1. O arquitecto Francisco Oliveira Ferreira

Nascido a 25 de Setembro de 1884, Francisco Oliveira Ferreira inicia a sua formação em arquitectura na viragem do século, ingressando na Academia Portuense de Belas Artes com o seu irmão José (1883-1942)(4), aluno de escultura, e terá como destacado mestre o arquitecto José Teixeira Lopes (1872-1919). Com este colaborará, após a sua passagem pela École Nationale des Beaux-Arts de Paris, em obras como a Casa de Avelino Correia em Vila Nova de Gaia, ou a porta monumental do Museu de Artilharia em Lisboa(5).

Incluído na geração de arquitectos que, nascidos durante os movimentos românticos de exacerbados eclectismos, foram exemplo de tentativas embrionárias do modernismo no nosso país, Oliveira Ferreira aborda na sua obra os novos desafios programáticos e construtivos que confirmam o processo de modernização da sociedade portuguesa: estações ferroviárias, clínicas, centros de lazer, edifícios comercias e edifícios com representatividade institucional. Dos seus projectos destacamos: o edifício do café A Brasileira(6) (1915) e o Club Os Fenianos (1919), no Porto, os Paços do Concelho de Vila Nova de Gaia (1916), o Sanatório Marítimo do Norte (1916) e a Clínica Heliântia(7) (1926-1929) em Valadares, e o Hotel Astória em Coimbra.

Preocupando-se com problemas de desenvolvimento urbano, o arquitecto elabora também alguns planos de urbanização que, apesar de nunca chegarem a ser concretizados, não são de menor importância. Deles são exemplo o plano de arruamentos das praias de Valadares (1917), o plano de união de Vila do Conde e Póvoa do Varzim (1929), o plano de urbanização do Monte da Virgem (1929), ou o complemento para o escadório da Senhora dos Remédios em Lamego (1922).

Porém, Oliveira Ferreira caracteriza-se, sobretudo, pelas trabalhosas mas generosas empresas em que se envolveu, revelando ser um homem de múltiplos interesses, colaborações e preocupações. Neste âmbito destaca-se como: iniciador, impulsionador e membro da Comissão Executiva da Exposição Histórica do Vinho do Porto, realizada em 1932 no salão Silva Porto(8); membro da Comissão Organizadora da Exposição Antonina; fundador do Grupo dos Amigos do Mosteiro da Serra do Pilar, e arquitecto dos primeiros trabalhos de restauro que se fizeram no mosteiro; iniciador e membro da Comissão Organizadora da Exposição de Documentos Artísticos e Scientíficos e de Recordações do Barão de Forrester, realizada na Serra do Pilar em Julho de 1930; e iniciador e membro da Comissão Organizadora da Comemoração do Centenário da Fundação do Município de Vila Nova de Gaia.

Artista até à medula(9), ocupou igualmente longos e pacientes meses da sua vida a organizar uma colecção vastíssima e valiosa de desenhos, e respectivas maquetas, das pias baptismais das freguesias de Portugal(10), e dignas de leitura são ainda as cartas que dirige, em épocas diversas, a figuras da política, das artes e das letras, em defesa da arte nacional - não fosse sua cartilha pessoal o trabalho de Ramalho Ortigão “O Culto da Arte em Portugal” (1896), levando-o para todo o lado no bolso do casaco.
Imagem 2. O quartel em construção, anos 30, A.H.B.V.P.R.
Imagem 3. O quartel concluído, 1955, A.H.B.V.P.R.

Peça integrante da vasta e variada obra de Oliveira Ferreira, que figura no panorama do norte de Portugal como emblemática de uma época e hoje classificada como valor de património local, o quartel Delfim Ferreira(11) cativa a atenção de quem por ele passe, em particular pela singular beleza da sua fachada principal, embelezada com os granitos trabalhados à mão.

Pelo exterior o arquitecto, juntamente com o admirável trabalho do mestre pedreiro Anastácio Inácio Teixeira, recorre à sintaxe do classicismo para uma perfeita articulação do edifício com a cidade. Porém, sob um olhar mais atento, note-se a lenta emancipação dos padrões beauxartianos, substituindo-se o formulário academizante por um funcionalismo operante de que é exemplo o grande vão semicircular que, apesar de um tom monumental, permite, sobretudo, a abundante iluminação do salão nobre. Dentro desta lógica o interior não é menos surpreendente, concentrando-se o arquitecto na clarificação e reforço da dimensão utilitária e funcional desejada através de uma concepção espacial racionalista de apurada técnica construtiva.
Imagem 4. O projecto de ampliação do quartel, anos 80, A.H.B.V.P.R.

Em 1980 o edifício é ampliado com a adição de um novo corpo, de acordo com o projecto inicial de Oliveira Ferreira, ajustando-se o quartel às necessidades de uma maior área social e operacional. Actualmente no piso de entrada encontramos as variadas viaturas de operações, a central de comunicações e os balneários masculinos e femininos; no 1º andar o amplo salão nobre, a sala de reuniões, a secretaria, gabinetes, bar e o espaço museológico; e por último, no 2º andar, encontramos a biblioteca, com a sua varanda em loggia, outros gabinetes, salas de reuniões, salas de formação, e as camaratas, também masculinas e femininas.

Este distinto quartel dos Bombeiros Voluntários da Régua merece a visita de todos nós e deve ser visto, em paralelo com as funções humanitárias desta associação, como importante centro cultural da região duriense, apoiado na sua Biblioteca Maximiano Lemos(12) e no Museu João de Araújo Correia, espaços repletos de objectos e documentos que evocam os nomes, os momentos e o património secular desta instituição.
- Arqª Ana Isabel Ferreira Pinto

1 Terreno cedido pela Comissão Administrativa da Câmara Municipal da Régua, presidida pelo Dr. Mário Bernardes Pereira, ao presidente da Associação de Bombeiros Voluntários da Régua, o Dr. Ernesto José dos Santos e ao comandante Camilo Guedes Castelo Branco;
2 Sobrinho do reguense Sr. Pereira da Costa - VALENTE, Alberto. Crónica Penso que não!, in Boletim “Vida por vida”, ano XIII, nº 142, Julho de 1968);
3 Julga-se ser autor da capela do Asilo José Vasques Osório e do Palacete dos Barretos (actual Biblioteca Municipal da Régua) – GOMES, Paulo Varela. Regresso à Régua, in Jornal de Notícias, 15 Julho 2012; ALMEIDA, Jaime A. O Quartel dos Bombeiros da Régua – notas para a sua história, Peso da Régua, Novembro 2009;
4 Francisco Oliveira Ferreira tem outros dois irmãos: António Oliveira Ferreira e Rita Oliveira Ferreira; mas é com José que realiza frequentes parcerias, de entre as quais o projecto do notável monumento aos Heróis da Guerra Peninsular (1909), em Lisboa;
5 Hoje Museu Militar de Lisboa;
6 Com uma fachada de características Arte Nova, é um dos poucos exemplares da cidade do Porto;
7 Considerada a sua obra mais madura, nela estão presentes valores pouco frequentes na arquitectura portuguesa da época. Assume especial relevo o tratamento racional da estrutura, tornada elemento expressivo por excelência;
8 Com colaboração do pinto Alberto Silva, do comendador António Pacheco da Silva Moreira, do professor Emanuel Ribeiro e do saudoso amigo Dr. Pedro Victorino;
9 GUERRA, Oliveira. O Arquitecto Oliveira Ferreira, in Girassol, Setembro 1955, Vila Nova de Gaia;
10 Cerca de 4.000, desenhadas com absoluto rigor e à escala, de modo a poderem ser executadas em quaisquer dimensões;
11 Curiosamente, Oliveira Ferreira é autor do desenho da capela tumular de Delfim Ferreira, no cemitério do Repouso, no Porto;
12 Criada pouco após a fundação da Associação e enriquecida em 1960 com o apoio da Fundação Gulbenkian, conta hoje com mais de dez mil livros – in Jornal de Notícias, 15 Março 2011;

Clique  nas imagens para ampliar. Texto e imagens cedidos pelo Dr. José Alfredo Almeida. Edição de J. L. Gabão para o blogue "Escritos do Douro" em Setembro de 2013. Este artigo pertence ao blogue Escritos do DouroSó é permitida a reprodução e/ou distribuição dos artigos/imagens deste blogue com a citação da origem/autores/créditos.

sexta-feira, 24 de maio de 2013

O HÁBITO E OS MONGES - O Edifício e os Bombeiros da Régua

(Imagem do "Escritos do Douro" publicada em SEGUNDA-FEIRA, 26 DE NOVEMBRO DE 2012 - 132º. aniversário da Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários do Peso da Régua)

Nas minhas deslocações  profissionais e de lazer, tenho visitado – como a maioria dos leitores – diversas vilas e cidades. Para além de Tribunais, Museus, Igrejas, Câmaras, Hospitais etc., etc. são de notória utilidade pública os Quartéis dos Bombeiros.

Há quartéis e quartéis. Conhecem-se quartéis dos soldados da paz que têm o aspecto dum Armazém no rés-do-chão para aparcamento de viaturas e telecomunicações e dum exíguo 1º Andar para serviço administrativo, reuniões da direcção e salão nobre. Conhecem-se terras de iguais ou de maiores dimensões que a Régua mas não têm um Quartel igual ou semelhante. Não vou nomear nenhuma dessas terras por respeito à solidariedade, ao voluntariado e ao bem-fazer, apanágio a todos os bombeiros. Mas, é fácil ajuizar que há poucos Edifícios (dos Bombeiros) no nosso país, com o belo desenho e amplo espaço (cada vez menor no rés-do-chão) do Quartel Delfim Ferreira, na Av. Dr. Antão de Carvalho, na Régua. O Hábito (entenda-se por Edifício) com uma fachada principal granítica bem concebida e ornamentada, suficientemente iluminado e arejado por janelas com padieiras de cantaria, destaca-se na arquitectura da cidade.

Os Bombeiros reguenses e demais Equipa (os Monges) trabalham esforçadamente para servirem, o melhor possível, a Comunidade. Há tempos recebi do Dr. J. Alfredo Almeida uma fotografia histórica que documenta uma das fases da construção; por este meio, lha agradeço. Mas a riqueza e beleza do Edifício não se limitam ao exterior. São extensivas ao seu interior.

O rés-do-chão acolhe: central de comunicações, balneários, sanitários, 8 ambulâncias para doentes (5 de socorro e 3 de transporte), 5 viaturas de combate a incêndios (3 a fogos urbanos e duas a florestais), 2 barcos de socorro a náufragos com uma carrinha de mergulhadores, 1 carro de desencarceramento e ambulância do INEM.

No 1º andar ficam instalados a sala de reuniões da direcção, o salão nobre, a secretaria, gabinete e bar. Ainda aí fica o museu da Corporação denominado “Museu João de Araújo Correia” com uma exposição permanente dum acervo numeroso de peças: antiga bomba extintora braçal, motobombas, extintores, macas antigas, condecorações, prémios, prendas, fotografias, diplomas, bandeiras, estandartes, galhardetes, medalhas, a sineta de Canelas etc. etc. que despertam a curiosidade de visitantes, coleccionadores e são motivo de admiração doutras associações de bombeiros.
(Imagem do "Escritos do Douro" publicada em QUARTA-FEIRA, 4 DE NOVEMBRO DE 2009 - O Quartel dos Bombeiros da Régua - Notas para a sua história)

No 2º andar situam-se a biblioteca, gabinetes, sala de reuniões e formação, e camaratas. Noutras ocasiões, o 2º Andar teve um dinamismo cultural apreciável. Antes da existência da Biblioteca Municipal, ele serviu de alimento espiritual à sociedade da Régua e arredores com o funcionamento activo da biblioteca. Houve um tempo de inactividade, mas tal não lhe retira o merecimento. Muito boa gente leu e estudou nesse Salão ou levou emprestados para casa: jornais, revistas e livros da Biblioteca cujo patrono é Maximiano Lemos. Apesar deste ilustre reguense ser um santo não conseguiu o milagre do regresso de almas fugitivas ao espaço que baptizou. Quanto aos “Monges” (Bombeiros, Comando e Direcção) que há para dizer? Que são donos da protecção civil nas seguintes áreas: saúde, incêndios e acidentes (nas vias e no rio) no perímetro do concelho do Peso da Régua. Nunca é demais lembrar a sua formação na emergência pré-hospitalar e a sua preparação no socorro dos doentes que transportam aos hospitais e centros de saúde. Nos incêndios florestais os Bombeiros respondem também aos apelos do Centro Distrital de Vila Real de Operações de Socorro (CDOS).

O corpo de Bombeiros da Régua, entre voluntários e profissionais, ronda os 80, sendo estes cerca de 20. Tenho conhecimento da atenção que dispensam ao cidadão comum prestando-lhes uma ajuda de cinco estrelas. Se “o hábito não faz o monge” como diz o ditado, neste caso o hábito faz parte do monge. A grandeza e a nobreza do Edifício (o Hábito) de uma Associação de Bombeiros das mais antiga do país (28-11-1880), têm sido bem interpretadas pelos Soldados da Paz, Comandante e Direcção (os Monges), pois, prestando, dedicadamente, os seus imprescindíveis serviços sabem honrar os pergaminhos da memória e da história do concelho do Peso da Régua.

O Hábito e os Monges constituem um riquíssimo tesouro a preservar.
Nota: Como se depreende da leitura, este artigo não trata da Edificação “Sala Museu – Bombeiros Voluntários – Peso da Régua”, sita em frente da sede da Junta de Freguesia da Régua.

- Peso da Régua, 19/5/2013, M. J. Martins de Freitas.


Clique  nas imagens para ampliar. Imagens e texto editados para este blogue. Sugestão de texto do Dr. José Alfredo Almeida (JASA). Edição de J. L. Gabão para o blogue "Escritos do Douro" em Maio de 2013. Este artigo pertence ao blogue Escritos do DouroSó é permitida a reprodução e/ou distribuição dos artigos/imagens deste blogue com a citação da origem/autores/créditos. 

quinta-feira, 29 de novembro de 2012

A terceira vez…

Já cá tinha estado duas vezes, mas não passara de um olhar de relance, que apenas aguçara a minha curiosidade, alimentada pelas múltiplas referências aos Bombeiros da Régua que lera em crónicas de João de Araújo Correia e na monografia de Oliveira Soares.

A primeira vez foi há uns bons quinze anos, atraído pela vontade de conhecer a obra humanitária, movida pelo espírito colectivo de acção cívica, de voluntariado e de solidariedade, para lá da elegância da fachada dos anos trinta, desenhada pelo esquecido arquitecto Oliveira Ferreira, autor de obras notáveis, como os edifícios dos Fenianos e da Brasileira, no Porto, a Câmara de Gaia, o Sanatório de Valadares, o Hotel Astória, em Coimbra, o Monumento à Guerra Peninsular, em Lisboa, e outras. Mas dessa primeira vez, não passei da entrada. Um telefonema urgente desviou-me, contrafeito, para outras prioridades.

A segunda vez, recordo-me bem, foi há quase uma década, nas comemorações do 25 de Abril de 2003, em que tive o prazer de proferir uma conferência intitulada Douro: Património, Democracia e Desenvolvimento, a convite do Dr. José Alfredo Almeida, então vereador da Câmara Municipal de Peso da Régua. Dessa vez, senti vontade de percorrer o edifício e de saber mais sobre os bombeiros da Régua. Mas a circunstância era de festa cívica, com programa oficial a cumprir. A visita teria de ficar para momento mais oportuno.

Passaram quase dez anos. E eu terei passado centenas de vezes por aquele edifício, sempre a correr, com os problemas que me absorviam, nessa altura, todo o tempo de que dispunha. Além disso, a visita que desejava fazer à sede dos Bombeiros da Régua exigia vagar e recolhimento, pouco compatíveis com a vertigem do trabalho no Museu do Douro e as viagens quase diárias ao Porto, para cumprir as minhas obrigações docentes na Universidade do Porto.

Diz o povo que «à terceira é de vez». Foi esse adágio popular que me ocorreu, quando, no Verão passado, consegui, finalmente, fazer a visita desejada às instalações dos Bombeiros Voluntários da Régua, guiado pela amizade do Dr. José Alfredo Almeida, presidente dessa associação benemérita. Tínhamo-nos cruzado, casualmente, à saída do café, com a promessa de voltarmos a encontrar-nos no dia seguinte, com tempo para pormos em dia conversas sempre inacabadas, sobre os problemas do Douro, a Régua, as iniciativas culturais e, claro, a «sua» Associação de Bombeiros, a que tem dedicado uma devoção sem limites. Lá estávamos no dia a seguir. Estendeu-me um livro — É para si. Eram as Memórias dos Bombeiros Voluntários do Peso da Régua, que publicara em 2011. Várias vezes me falara desse projecto, que concentrara o seu entusiasmo durante anos a fio, e eu podia antecipar o valor daquelas memórias, repletas de personalidades, acontecimentos, tenacidades e heroísmos. Afinal, o sentido fraterno de humanidade, corporizado numa instituição associativa de voluntariado, em que o lema «vida por vida» congrega a abnegação individual e a força dos laços de comunidade.

Ao folhear as Memórias dos Bombeiros Voluntários do Peso da Régua, que entremeiam crónicas, muitas delas publicadas no jornal Arrais, e imagens da longa história da associação com mais de 130 anos, percebe-se que se trata de uma história vivida, essencial para a compreensão não apenas da instituição em que se centra mas também de momentos marcantes na vida da Régua e da região. Lá estão referências às cheias grandes, como a de 1909 ou a de 1962. Ou ao desastre de Caldas de Moledo, de 1904, ao incêndio de Lamego, em Junho de 1911, que destruiu vinte casas da Rua de Almacave, ao incêndio do Asilo Vasques Osório, em 1919, ao incêndio da Câmara da Régua em 1937, à tragédia de Rio Bom, em 1959, e tantos outros acontecimentos em que o lema «vida por vida» mobilizou os bombeiros da Régua. Já conhece a nossa sede? — perguntou-me. Não, ainda não conheço, mas gostava de conhecer — respondi ao Dr. José Alfredo. Se tiver tempo, podemos lá ir agora. E pegou-me pelo braço, já a sair para a Rua dos Camilos: fizemos obras, mas procurámos respeitar o património, temos um pequeno museu e uma biblioteca.

Pelo caminho, apreciámos o modesto edifício que serviu de primeiro quartel dos bombeiros da Régua, no Largo dos Aviadores.

Em pouco tempo, já estávamos a subir a escadaria da torre do edifício da actual sede, ao cimo da Avenida Antão de Carvalho. E passámos lá o resto da manhã, entrando em todas as salas, parando aqui e acolá, porque havia sempre um pormenor — um quadro, um livro, uma condecoração, uma velha mangueira, uma farda antiga, um recorte de jornal… — a evocar histórias, que o Dr. José Alfredo me ia contando. Não podia ter tido melhor cicerone na visita há muito prometida e sempre adiada.

Nessa manhã de Agosto, poucas pessoas se encontravam no edifício. Talvez por isso, à medida que o Dr. José Alfredo ia acompanhando a nossa observação de quadros, objectos e documentos com a evocação de nomes de bombeiros da Régua que fizeram a história secular da instituição, ressuscitassem na minha memória outros rostos e imagens, encarnando os mesmos ideais de heroísmo, abnegação e solidariedade. E rememorava fogos na Mantelinha, há umas boas três décadas, as labaredas altas subindo a encosta, desde a Fraga Ruiva ao cimo do serro, lambendo pinhais e matos, num Agosto quente, a aflição da gente de Covas, imprecações, súplicas a S. Domingos, uma correria desordenada no meio da noite, a aldeia sufocada de fumo. E o povo a subir em magotes pelos caminhos da serra, gritos roucos abafados pelos lenços molhados que confundiam os rostos, a seguir os bombeiros, só eles pareciam serenos naquele combate incerto contra as chamas. Provavelmente, seriam bombeiros do Pinhão ou de Sabrosa, mas isso pouco ou nada importava, se a memória os trazia de regresso àquelas salas da corporação da Régua, onde se acumulavam medalhas de outros heróis e heroísmos…

Afinal, a visita tão adiada ao quartel dos Bombeiros da Régua ultrapassou tudo o que podia imaginar. Bem me dissera o Dr. José Alfredo do seu empenho na preservação do património histórico da associação a que preside. Pude testemunhar o carinho devotado a cada elemento desse património já secular, tanto como a vontade de realizar novos projectos, como a organização da biblioteca, onde se guardam relíquias vindas da Biblioteca de Maximiano Lemos. Por tudo, bem-haja Dr. José Alfredo!

Porto, 28 de Novembro de 2012,
- Gaspar Martins Pereira, professor e historiador do Douro.








Clique  nas imagens para ampliar. Edição de imagens e texto de J. L. Gabão para o blogue "Escritos do Douro" em Novembro de 2012. Este artigo pertence ao blogue Escritos do Douro. Texto e imagens originais cedidos pelo Dr. José Alfredo Almeida (JASA). Também publicado no jornal regional semanário 'O ARRAIS', edição de 5 de Dezembro de 2012. Atualização em 6 de Dezembro de 2012. Só é permitida a reprodução e/ou distribuição dos artigos/imagens deste blogue com a citação da origem/autores/créditos.

quarta-feira, 17 de outubro de 2012

O Primeiro Presidente da Direcção

Na primeira vez que entrei na casa da família Magalhães, na Quinta D. Leonor, na encosta de Remostias, encontrarei uma fotografia antiga, pendurada numa parede de uma confortável sala que despertou a minha atenção. De repente, quando olhei o rosto daquele homem sério, de barbas, de olhar algo melancólico e distante no tempo, que pressagiei ser José Braz Fernandes, o primeiro Presidente da Direcção dos Bombeiros da Régua.

Há muito que esperava ver o rosto do homem que considerada uma figura destacada na história da Associação dos Bombeiros da Régua. Até aquela data, verão de 2011, não tinha encontrado nenhum seu retrato, por mais que o procurasse aquele retrato de José Braz Fernandes surgia-me inesperadamente. Eu tinha ido àquela casa para conversar um pouco sobre António Rafael de Magalhães e a sua opereta “O Milagre do Cruzeiro”, que fora representada, pela primeira vez, nos anos 50, com enorme sucesso, no Quartel dos Bombeiros da Régua, que serviu como se fosse um Teatro.

Se a era uma boa razão para estar muito satisfeito, confesso que, sem contar, ter perto de mim o retrato do meu primeiro antecessor me fez sentir um tanto deslumbrado e bastante honrado com a sua companhia, que um pedaço de fio da história nos aproximava e nos unia.

À minha frente, sabia que estava o retrato bisavô do meu amigo, uma preciosidade de antepassado da família, da vida do qual pouco sabiam. No meu indisfarçado encanto, estava diante do meu olhar o retrato do Primeiro Presidente da Direcção.

Nessa tarde de Julho, entre José Braz Fernandes e mim, separava-nos mais de um século, precisamente cento e trinta e um anos, e naquele momento, nada sabia da sua via. Ignorava tudo da sua biografia, apesar de ter procurado alguns rastos de seu percurso pessoal, familiar e profissional. No cemitério municipal, onde sabíamos que jazem as cinzas do seu corpo, procuramos no jazigo da família uma lápide com o seu nome e a data do seu falecimento, mas dali só veio um silêncio profundo. Quando menos esperamos, o Arquivo Distrital de Vila Real dava-nos conhecimento que tinha o assento do seu óbito. Quisemos ter uma fotocópia desse documento que foi preenchido pela mão do Abade Miguel António da Fonseca e Sousa que, assistindo espiritualmente à sua morte, nele registou estes dados: “Aos 30 dias do mês de Septembro do ano de mil oitocentos e noventa e quatro, à uma hora da manhã, nas casas da morada no lugar de Remostias, desta freguesia de São Faustino do Peso da Regoa, concelho do Peso da Regoa, diocese de Lamego, falleceu, tendo recebido o Sacramento da Extrema Unção, um individuo do sexo masculino, por nome de Jose Braz Fernandes, de idade de cinquenta e oito anos, viúvo de Dona Maria da Natividade Candida (…)”.

Para a sua família, José Braz Fernandes era um antepassado longínquo, com quem não tinham havido nenhumas relações de intimidades. Lembravam-no apenas pelo que ouviram contar aos seus descendentes mais próximos. Tinham conhecimento que fora proprietário, dono de uma área extensa vinhas, algumas das quais fazem parte da Quinta D. Leonor. E que sempre viveu aí viveu e educou oito filhos que teve do seu casamento, a Leonor, a Felicidade, a Elisa, a Cândida – também ela uma ilustre benemérita dos Bombeiros da Régua -, o Augusto, o Joaquim, o Romão e o José.

Na única história da Régua, da autoria Afonso Soares, o seu nome está recordado como um cidadão empenhado activamente nas causas sociais, aparecendo ligado à primeira administração do Hospital da Régua e aos órgãos sociais da prestigiada Associação Comercial.

Mas, como o primeiro Presidente da Direcção dos Bombeiros da Régua, ninguém o tinha evocado, para o distinguir num cargo de relevo social. Uma falha que, até hoje me parecia, ser injusta para um cidadão que tinha dedicado, uma pequena parte da sua vida, a servir uma causa cívica e humanitária que, apesar de muitas vicissitudes, ser afirmara no seu tempo.

Ao lado do primeiro Comandante Manuel Maria de Magalhães, seu amigo pessoal, José Braz Fernandes, teve como espinhosa missão, a organização um corpo de bombeiros voluntários, com formação e material adequado. Sem quer fazer uma conjectura do seu trabalho nos quatro anos em que esteve à frente da Direcção, sabemos que concretizou muitos projectos, aqueles que na época eram o objectivo essencial e recebeu das mãos do Rei D. Luís I, uma honrosa distinção para Associação.
Nas entrelinhas das actas da sua Direcção, que chegaram intactas até nós, não ficaram assinalados os resultados do seu trabalho. Quem tiver atenção, ficou bem explícito o traço do seu carácter, a verticalidade e a sua determinação. O exemplo cívico de um homem que viveu uma espantosa experiência humana, a genuína causa do voluntariado.

Desde a fundação, os Bombeiros da Régua mudaram muito. Apoiados numa Associação modelar, que evoluiu e se transformou num sector em mudança permanente, é actualmente uma organização social e de socorro moderna. Para aqui chegar, ser uma instituição sólida e grande, precisou que ele erguesse os primeiros pilares. Quando tudo começou, no dia em tomou posse, o património da Associação era pouco mais que as duas bombas de incêndios pela autarquia. Os sócios contribuintes e os beneméritos, como a famosa viticultora Ferreirinha, contribuíram para comprar as fardas e pagar as rendas da casa que, no Lago da Chafarica, serviu de instalar a sede, a biblioteca e, como se chamava ao quartel, a Estação das Bombas.

Como actual Presidente da Direcção dos Bombeiros da Régua, com cinco mandatos feitos, tenho o dever, mesmo a obrigação, de preservar a memória colectiva da Associação e de todos os cidadãos, bombeiros, directores, associados e beneméritos – que a ela e à sociedade reguense deram muito das suas vidas.

Conhecer o que foi o passado de José Braz Fernandes estimula-me a persistir no engrandecimento da Associação e do Corpo de Bombeiros. Orgulho-me do que foi legado, um empreendimento social, benemérito, generoso e abnegado que continua a existir para proteger as pessoas e bens, assente no associativismo, cidadania e voluntariado.

Em 28 de Novembro de 1880, os Bombeiros da Régua foram pioneiros no distrito de Vila Real. A sua Associação foi a primeira a ser fundada. E, a única, a quem foi atribuído o título honorífico de Real Associação.

Por isso, fiquei contente quando o olhar mesmo distante de José Braz Fernandes, naquele retrato, se cruzou com o meu, quase de um presidente para outro presidente, voltou a pairar – eu penso que com admiração e orgulho - pelo presente da nossa Associação e do Corpo de Bombeiros que, há mais de um século, persistem em ser uma referência ética, cívica e cultural da sociedade reguense.
- José Alfredo Almeida*, 
Peso da Régua, Outubro de 2012



PS - A partir de agora, por gentileza da família Magalhães, uma cópia daquele retrato de José Braz Fernandes está exposto numa galeria do Quartel Delfim Ferreira.
*O Dr. José Alfredo Almeida é advogado, ex-vereador (1998-2005), dirigente dos Bombeiros Voluntários de Peso da Régua entre outras atividades, escrevendo também cronicas que registram neste blogue e na imprensa regional duriense a história da atrás citada corporação humanitária e fatos do passado e presente da bela cidade de Peso da Régua.

Clique nas imagens para ampliar. Edição de J. L. Gabão para o blogue "Escritos do Douro" em Outubro de 2012. Também publicado no semanário regional "O ARRAIS" edição de 18 de Outubro de 2012. Este artigo pertence ao blogue Escritos do Douro. É permitido copiar, reproduzir e/ou distribuir os artigos/imagens deste blogue desde que mencionados a origem/autores/créditos.

quarta-feira, 22 de setembro de 2010

Recortes - O Quartel Delfim Ferreira

(Clique na imagem para ampliar)
Foto de Setembro de 2010 que mostra o quartel dos  Bombeiros Voluntários da Régua enquadrado no recente arranjo urbanístico que deu lugar à construção de um rotunda, na confluência da Av. Antão de Carvalho com as Ruas Serpa Pinto, Dr. Maximiano de Lemos e  Guedes de Amorim. É o novo visual de um espaço que envolve um dos mais belos edifícios da Régua. - José Alfredo Almeida, Régua, Setembro de 2010.

quarta-feira, 4 de novembro de 2009

O Quartel dos Bombeiros da Régua - Notas para a sua história

Instalaram em 1880 os bombeiros da Régua o seu primeiro quartel no rés - do chão e primeiro andar de  uma casa d que ainda existe no Largo dos Aviadores. Apesar de não haver informações exactas, mantiveram-se na naquele local até ao final do ano1923, sem aí terem as condições para guardarem o seu pouco material de combate incêndios e os bombeiros não terem condições para prestarem um serviço de socorro de qualidade à população.

Em 1923, durante o as cerimónias do 43º aniversário da Associação, os bombeiros mudavam o quartel para uma velha casa que existiu na Rua dos Camilos – o Cimo da Régua - onde se encontra, actualmente,  construído um prédio em propriedade horizontal. Esse quartel era exíguo e estava instalado numa exigia e velha casa.

Em matéria de operacionalidade, esse quartel seria muito inferior ao primeiro. Por regra, as formaturas de bombeiros faziam-se no meio da rua e “os carros entravam à justa na porta estreita sempre com grande vozearia de indicações e avisos”. Como o quartel era um lugar com espaço disponível e sem condições para os fins de socorro, mas serviu para o convívio dos associados e amigos que aí se reuniam para conversar, jogar as cartas, fazer a leitura de um ou outro livro que se guardavam nas estantes ou pelo prazer de merendar no improvisado bar uns bons petiscos.

É desse tempo, o conhecido quarteleiro e bombeiro Zé Pinto, que tomava conta desse quartel, servindo-se de num minúsculo quarto e, a partir daí, ficou e a dedicar-se à corporação até à velhice. Desde tempo, era o comandante do corpo activo era Camilo Guedes Castelo Branco, um cidadão reguense, reconhecido como poeta e dramaturgo de talento que, quem o conheceu, dizia que a sua “presença criava uma atmosfera de respeito e afectividade”.

Desde a fundação que a Associação ganhava mais prestígio quer a nível local quer distrital e a corporação aumentava os seus equipamentos e o número de bombeiros alistados no seu quadro activo. A construção de um quartel era uma obrigação que se imponha à direcção e ao comando. Apesar dos esforços e inúmeras tentativas dos dirigentes associativos com o poder político de então – o Governo e a Câmara Municipal -  para  resolução desta necessidade não encontravam  vontade nem  qualquer intenção de querem mudar esta realidade,  situação que  prejudicava a missão dos bombeiros.

Os bombeiros não desistiram e não perderam a esperança. Orgulhosos da sua missão tudo fizeram para que esse sonho se concretizasse. Em 1925, o Comandante José Afonso Oliveira Soares, no génio de artista, deu um contributo, ao fazer um anteprojecto de um quartel da sua autoria. Se segundo os seus registos, se este novo quartel, se fosse construído, deveria ser erigido no fundo do jardim municipal, o desaparecido Jardim Alexandre Herculano. O certo é que esse belo desenho, guardado em arquivo, não foi concretizada não tão desejada obra. A razão para tal deveu-se ao facto de não haver vontade politica da autarquia  nem de  a Associação  possuir os  necessários meios financeiros para a pagar a sua construção.

Nessa época, as dificuldades financeiras dos bombeiros eram mais muitas. O relato que o presidente da direcção, Dr. Ernesto José dos Santos, fez nas suas memórias que intitulou “Ao Correr da Pena”, comprova o mau momento que a Associação vivia em termos de recursos. Considera que a Associação estava sem meios e sem actividade, já que “tinha os seus órgãos de execução em mau e deficiente estado económico, faltando-lhe a todos os títulos a diligencia, dinamismo, ponderação e maleabilidade”. Aliás, um outro presidente da direcção, o Dr. Mário Bernardes Pereira, confirmava essas deficiências ao divulgar nas memórias, “Evocação”, o seguinte: “ pouco podia realizar-se naquela casa pobrezinha, onde faltava pecúnia e sobravam aspirações e boa vontade”, Com uma certa mágoa acrescentava: “era injusta a atitude da Câmara para com os bombeiros” porque na sua opinião, “tudo se resumia à concessão de um subsidio mensal demasiado pequeno, em face dos encargos que o município viria a contrair se viesse a organizar os seus serviços de incêndios, no dia em que a Associação, privada de recursos, tivesse de findar”.

Como cidadão e médico na Régua sabia que a associação não se extinguia assim, mesmo por maiores que fossem as crises ou a falta de meios. Os beneméritos que a rodeavam de protecção e ajudas e os seus bombeiros abnegados eram os valores seguros que a mantinha viva e actuante. Aquele seu discurso que reivindicava aos políticos locais ajuda para os bombeiros de nada valeu, pois tudo ficou na mesma por mais alguns anos. Ainda chegou desabafar “ninguém estranhou e nem eu não estranhei”.

Nas primeiras três décadas do século passado, o relacionamento dos bombeiros como poder local foi problemático. Os dirigentes de então sentiram falta de apoio e até um certo desdém pelos destinos da instituição. Se a protecção civil era uma obrigação da autarquia, a falta de verbas fazia com que não fosse considerada uma das suas prioridades. Contudo, a nomeação do Dr. Mário Bernardes Pereira para presidir a Comissão Administrativa da Câmara Municipal, os bombeiros serão finalmente reconhecidos. São-lhe concedidos os auxílios para resolver os seus problemas. Encontrando-se na Comissão Administrativa, Jaime Guedes Castelo Branco, como vogal, que havia sido director da associação e conhecia bem as dificuldades dos bombeiros, foi  ele que elaborou  as propostas  para,  que nas reuniões da Comissão Administrativa,   fosse concedido o aumento do subsídio e a cedência de uma parcela de terreno s para que os bombeiros  edificassem o seu quartel, o que está documentado nas actas das sessões de 12 e 19 de Novembro de 1930.

A proposta para a expropriação amigável de uma parcela de terreno, sito então na Av. da Liberdade – hoje Av. Antão de Carvalho – foi fundamentada nestes termos: “Tendo a Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários do Peso da Régua necessidade imperiosa de um edifício próprio que sirva de quartel e arrecadação de todo o seu importante material de incêndio, que se encontra disperso por vários locais com reconhecidos prejuízos para os rápidos serviços do cargo…”

Na cerimónia solene, realizada no dia 30 de Novembro de 1930, na então Av. da Liberdade, a Comissão Administrativa da Câmara do Peso a Régua fez a entrega pública, ao presidente da direcção, Dr. Ernesto José dos Santos e ao Comandante Camilo Guedes Castelo Branco, de uma “ faixa de terreno, sito nesta Avenida, com cerca de duzentos metros quadrados, terreno que vai ser destinado à construção da sede da mesma Associação”.

Com esta doação, os bombeiros estão em condições de concretizar o seu sonho, o de construir o seu quartel. A sua Direcção mandava elaborar, em 1929, ao conceituado arquitecto Oliveira Ferreira o projecto de arquitectura do edifício e, de imediato, lanço o concurso para a construção da obra. Não há conhecimento se houve mais propostas, mas a empreitada da construção obra foi adjudicada ao empreiteiro Anastácio Inácio Teixeira, mestre pedreiro, natural da Régua.

Iniciava-se a construção do quartel. O momento ficou registado num curioso imagem que permite que observemos a erguerem-se as primeiras paredes e o arco frontal em granito. Esperava-se que a obra fosse concluída num curto prazo, o que não veio a acontecer. Devem ter sido várias as circunstâncias para tal acontecesse. Um erro no valor da proposta apresentada pelo empreiteiro, segundo consta, muito abaixo do valor previsto em orçamento, o qual também estaria errado, fez com que surgissem os problemas. Sem recursos financeiros, a Associação mandou parar as obras. Apenas estavam erguidas as paredes exteriores, mas sem telhado o edifício não podia receber os bombeiros nem guardar o seu material, os carros de fogo e as ambulâncias. 

Custa a crer, mas é verdade! Sem que ninguém faça mais nada, o edifício vai permanecer como obra inacabada até 1954. O quartel vai ficar reduzido a um esqueleto, sem portas, sem janelas e sem telhado. Durante mais de vinte e cinco anos, os bombeiros vão ainda ficar a trabalhar no quartel da Rua dos Camilos.


Para se entender os passos lentos da construção do quartel, recordamos o testemunho do Dr. Manuel Alves Soares, antigo presidente de Câmara Municipal da Régua, que o encontrou nesta situação: “ Aí por volta do ano de 1947, quando por circunstancias varias (…) me vi alcandorado no lugar de primeiro magistrado do concelho, tive ocasião de ajudar no seu arranque definitivo, o edifício inacabado daquela prestimosa associação…Tinha-se erguido um esqueleto de aspecto arquitectónico que prometia brilhar no futuro, mas durante alguns anos assim se conservou, sem portas, sem janelas e sem telhado. Servia unicamente de sentinas públicas mas sem saneamento (…) Logo no primeiro dia e por mera curiosidade, entrei nos baixos, para ver o seu interior que contrastava tristemente com aquela magnifica frontaria tão bem trabalhada, revelando o excelente artista que a tinha concebido. Fiquei indignado e enojado com o que vi! Grandes buracos abertos junto aos alicerces onde se lançavam as mais variadas porcarias e muita gente ali fazia as suas necessidades, e de tal maneira, que o cheiro lá dentro era repugnante e pestilento. Vindo que os bombeiros estavam pessimamente instalados na Rua dos Camilos, e ansiavam por ter a sua sede, tratei imediatamente de contactar a sua direcção, nomeadamente Jaime Guedes (…) no sentido de acabar o quartel”.

Não foi ainda desta vez que se concluíram as obras do quartel. De qualquer forma, esse presidente de câmara conseguiu do Ministro das Obras Públicas, Eng. José Frederico Ulrich, que veio a Régua visitar essa obra e não gostou nada do que viu -  um subsídio  para realizar mais umas obras de beneficiação no quartel. Mas como a verba era insuficiente para acabar a obra e a permitir a sua normal utilização como um quartel pelos bombeiros. Por mais anos, os bombeiros continuaram a fazer o seu serviço num quartel que não dignificava a sua missão e sem condições para prestarem melhores serviços à comunidade.

Em 1954, uma direcção presidida pelo Dr. Júlio Vilela (1954-1963) assume os destinos da Associação tendo como preocupação principal realizar a “primeira e mais premente fase de acabamento” do quartel. Numa hábil negociação política, obtém do Ministro das Obras Públicas, Eng. Arantes de Oliveira – que se fez deslocar numa vista à Régua - um subsídio no montante de 54.000$00,  o qual  possibilitou fazer algumas das obras  necessárias, isto é,  acabar o arranjo das fachadas e fazer todas as infra-estruturas no do rés-do-chão do edifício e primeiro andar do edifício.


Nas comemorações do 75º aniversário da associação, realizadas em 4 de Novembro de 1955, - ainda com uma segunda fase de trabalhos de acabamentos para concluir  - é feita a inauguração do quartel dos bombeiros da Régua.  O senhor bispo do distrito de Vila Real celebrou a bênção das novas instalações.

Finalmente, nesse ano de 1955, os bombeiros mudavam-se de casa. Deixavam, sem saudades, o velho quartel no Cimo da Régua para estrearem o novo – baptizado de Quartel Delfim Ferreira – que tinha todas as condições para prestarem à população um moderno serviço de socorro e de protecção civil.

Mas, em 1980 uma direcção dinâmica, liderada pelo Dr. Aires Querubim (1972-1981), com o apoio do Ministério da Administração Interna, tomava a decisão ampliar o quartel, construindo um novo corpo contíguo ao existente, a imitar rigorosamente a estética do projecto original. O edifício, para além de ficar com uma maior área social e operacional, tornava-se mais espectacular na dimensão das linhas arquitectónicas, fazendo-se sobressair o seu desenho na paisagem urbana da cidade.

Este processo de construção do quartel dos bombeiros da Régua foi demorado, complexo e árduo. Foram precisos muitos anos de trabalho, empenhamento, sacrifícios e, sobretudo, uma conjugação de vontades de gerações de pessoas, para que os bombeiros da Régua tivessem ao seu dispor um magnífico quartel – o Quartel Delfim Ferreira -, uma obra  que cativa a atenção de todos pela  excepcional beleza  da sua fachada principal, embelezada com granitos trabalhados à mão, é que por muitos é considerada a mais bonita  Casa dos Bombeiros Portugueses.

Deve reconhecer-se que o processo de construção do quartel foi demorado, complexo e árduo e cheio de vicissitudes. Foram precisos muitos anos de trabalho, empenhamento, sacrifícios e, sobretudo, uma conjugação de vontades de gerações de pessoas, para que tivessem ao seu dispor um magnífico quartel, uma obra que cativa a atenção pela singular beleza da sua fachada principal, embelezada com os  granitos trabalhados à mão, e  que é  por muitos é considerada a mais bonita  Casa dos Bombeiros Portugueses.

As grandes adversidades vividas pelos directores e os bombeiros foram evocadas pelo Chefe António Guedes. Na sua crónica, “Bombeiros Voluntários: Recordando…”, escrita no jornal O Arrais evoca passagens do o velho quartel da onde serviu como bombeiro e, em especial, de factos relacionados com a construção do novo quartel, para ele considerado, o primeiro e gigantesco passo para a concretização do grande e sublime sonho há muito embalava os velhos bombeiros:

O quartel dos Bombeiros Voluntários da Régua encontrava-se pessimamente instalado no rés-do-chão de uma velha e acabada casa, situada num local imprópria, não só devido à pouca largura da rua como, ainda, pelo transito intenso e continuo que por ela passava.
De facto, na estrangulada rua dos Camilos, quase na confluência com a rua Serpa Pinto, tornava-se extremamente difícil e, por vezes, perigosa a saída das viaturas, as quais eram forçadas a executar lentas e arreliadoras manobras para entrarem ou saírem do quartel. Por vezes produziam-se “engarrafamentos” de trânsito, que davam lugar a aborrecidos atrasos e que eram causados por condutores repontões, que se insurgiam contra nós, atribuindo-nos a culpa do que sucedia.
Era uma arrelia, uma constante dor de cabeça.
Em vista disso, a direcção e o Comando da Corporação concluíram que eram absolutamente necessário, para se acabar com aquele inferno, construir um quartel, embora modesto, mais situado num local amplo e apropriado, no centro da vila. Essa resolução veio precisamente ao encontro dos desejos do Corpo Activo, que se comprometeu (e cumpriu briosamente), a trabalhar para esse seu tão grande anseio se concretizasse.
Jaime Guedes, ao tempo presidente da Direcção dos Bombeiros e simultaneamente vereador da Câmara Municipal, aproveitou essa feliz oportunidade e falou sobre o assunto, com os restantes vereadores – Dr. Mário Bernardes Pereira, Capitão Afonso Alves de Araújo, Alberto Gonçalves Martinho e Dr. Abel Duarte Teixeira de Araújo -  e solicitou-lhe a sua concordância no pedido que em breve iria fazer (…)
De facto, numa das primeiras sessões realizadas, ele apresentou uma proposta, na qual solicitava que o município adquirisse e entregasse aos bombeiros um pequeno prédio, situado na Av. Sebastião Ramires, onde em tempos esteve instalada a Associação de Socorros Mútuos 1.º de Maio, e terrenos anexos, afim dos Bombeiros Voluntários ali construírem o quartel de que tanto careciam.
Essa proposta foi aprovada por unanimidade, demonstrando a vereação, por essa forma, a sua simpatia pela velha e gloriosa Corporação (…)

Mas, Jaime Guedes, não deixou arrefecer o entusiasmo do momento, numa outra proposta, que igualmente foi aprovada, solicitou a concessão, aos Bombeiros, de um subsidio de cinquenta mil escudos, destinado a custear as primeiras despesas da construção do tanto desejado quartel.

Estava dado o primeiro e gigantesco passo para a concretização do grande e sublime sonho que a nós, velhos bombeiros, há muito nos embalava.
Jaime Guedes, filho de bombeiro e irmão de bombeiros, iniciou imediatamente as necessárias demarches, destinadas a levar a cabo essa grande obra, que hoje constitui um motivo de orgulho para a gente da Régua – e que é o modelar quartel dos seus bombeiros.
A planta do prédio foi i imediatamente executada pelo distinto arquitecto Oliveira Ferreira, autor do projecto da capela do Asilo José Vasques Osório, e a empreitada da obra adjudicada ao mestre pedreiro Anastácio Inácio Teixeira, reguense de gema e artista admirável, que burilava a cantaria com primor, o mesmo enlevo e carinho como que as nossas lindas minhotas consagram às suas artísticas e primorosas rendas de bilros.
A sua proposta foi, muito sensivelmente, a mais baixa que se recebeu.
Já o prédio estava muito adiantado quando se constatou, com enorme surpresa e desgosto, que havia errado o orçamento que figurava na sua proposta e que, nessas circunstâncias, não poderia concluir a obra pela qual tanto se interessava e tanto o envaidecia.
Restavam-lhe, pois, duas alternativas:
A primeira, que muito a amigável e sinceramente lhe foi sugerida pela própria Direcção dos Bombeiros, era que parasse imediatamente com a obra e que se tranquilizasse, pois nada lhe seria exigido, - sugestão essa que terminantemente rejeitou.
E a segunda – que ele seguiu sem vacilar – foi concluir a obra, vendendo ou hipotecando os seus modestos bens, para poder cumprir com a sua palavra.
E não houve forças humanas que o demovessem, que o fizessem mudar de ideias.
E assim terminou a obra.
Sabe Deus com que desgosto, com que sacrifício esse homem, já velho e cansado, nessa altura, se despojou de um pequeno património (que levara a vida inteira a construir) para poder cumprir com a sua palavra”.
- Peso da Régua, Novembro de 2009, J. A. Almeida.  Texto revisto em Abril de 2011.
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