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sexta-feira, 6 de junho de 2014

Recordações de GODIM


Conheço Godim desde que me conheço. Mas, no tempo em que me criei, não se dizia Godim. Dizia-se Jugueiros.

Ramalho Ortigão, referindo-se com a maior veemência à Ribeira do Rodo, chama-lhe Vale de Jugueiros - risonho e pingue.

Acontece que as terras mudem de nome ou prefiram, de dois ou três, o que melhor lhes cante no ouvido. Lembram meninas do velho Romantismo, que inventavam, para seu uso, a graça que mais lhe agradasse. Houve graciosas Pulquérias que se crismaram, ficando Elviras durante meses e Genovevas nos meses seguintes.

Seja de Godim o nome da freguesia, e Jugueiros, ao pé da igreja, um dos lugares da mesma freguesia.

Faz-se em Jugueiros, vá lá o nome antigo, uma grande festa no dia da Ascen­são, festa móvel que sempre coincide com uma quinta-feira. Quinta-feira da Ascensão…

À parte o biscoito da Teixeira, muito queijo se vende nessa festa. Vende-se o queijo fino e o chamado queijo de batata.

Lembro-me de ver, em urna das festas da Ascensão, a uma e outra banda do caminho, da parte da manhã, entre a Quinta de Santa Maria e o recinto da igreja, duas filas de mendigos horrorosos. Vinham até ali da Idade Média, com repulsivos andrajos, aleijões de toda a qualidade e muita cegueira de olhos estoirados.

Eu tinha-lhes medo. Mas, chegando à igreja, logo esse medo se me desvanecia. Era raro, naquele tempo, que a festa da Ascensão se fizesse sem tumulto ou, como se dizia, barulho. Era o recontro de valentões, que ali convergiam, desafiados, com suas facas, rachas e, se bem me lembro, armas de fogo.

No auge da romaria, rebentava o conflito. Nesse momento, romeiros e romeiras da sangue acomodado começavam a gritar e a fugir.

No ano em que ali me levaram as Senhoras Monteiras, minhas saudosas mes­tras de primeiras letras, a fuga foi tão rápida, que chegámos num ai ao começo do Sal­gueiral. Já ali haveria uma farmácia.

Não tenho saudades de romarias tão perigosas. Mas, muitas vezes me lembro do tempo em que visitava, com minha mãe, o alto Senhor da Misericórdia.

Minha mãe tinha grande devoção com este crucifixo. De tempos a tempos, lembrava-se de o visitar, levando-me como pajem - teria eu nove anos.

Era para mim tocante a devoção de minha mãe. Penso que lhe devia o refrigério de padecimentos morais.

Não herdei a fé que amparou minha mãe. No entanto, posso dizer que herdei da sua santidade o sentimento religioso. Nos primeiros tempos da minha profissão, ia a pé, de vez em quando, até o adro da igreja de Godim e ali me sentava, à sombra de um plátano, recordando as visitas de minha mãe ao alto Senhor da Misericórdia. De vez em quando, dizia eu à minha gente, mulher e filhos, que devia ali uma promessa.

Herdei de meu pai a dedicação ao escritor Vieira da Costa, que penava no Salgueiral a infelicidade do isolamento, da pobreza, da surdez absoluta e da cegueira quase completa.

Muitas vezes o visitei, conversando com ele por meio de sinais - palavras que eu rabiscava, com o dedo, no seu lenço de doente.

Não quero aqui repetir o que tenho escrito sobre Vieira da Costa, hábil roman­cista cedo prejudicado por invalidez. Devo dizer no entanto, uma vez mais, que nem a Régua nem Godim deram ainda, à sua memória, uma luzinha de consideração.

Bem a merecia o escritor malogrado. Deveria ostentar o seu nome a Escola Secundária do Peso da Régua ou a Escola Agrícola do Rodo. Leia-se, para coonestar este preito, quanto escrevi sobre Vieira da Costa.

Foi na Ribeira do Rodo que um dia ouvi, ao amanhecer, uma inesquecível música de passarinhos. Estes defuntos hei-de lembrá-los enquanto me não morrer, no ouvido, a sua recordação. No mundo actual, não os posso ouvir, porque morreram. Matou-os a estupidez humana.

Ribeira do Rodo! Antes de desonrada por construções abusivas, fora de lugar próprio, foi uma das maiores belezas do país. Gozei-a, em rapaz, de uma das varandas da rua de Medreiros. Foi sonho que me não pode esquecer.

A chamada recta do Salgueiral, no tempo em que foi avenida, plantada de viço­sos olmos, foi também um dos encantos da terra portuguesa. Ouvi-o dizer a um senhor de Lisboa.

Não quero pôr ponto neste escrito, das minhas recordações de Godim, sem amaldiçoar, uma vez mais, os inimigos das árvores.

- Texto de João de Araújo Correia, publicado num opúsculo dedicado às Festas da Ascenção de Godim. Colaboração de J A Almeida para "Escritos do Douro 2011". 

quinta-feira, 29 de maio de 2014

Desabafo!

Queria ter poderes infinitos para levar comigo as cores, o corpo, a simplicidade e o toque apetecido de minhas raízes...
Clique nas imagens para ampliar. Texto e fotos de Jaime Luis Gabão para o blogue "Escritos do Douro" em Maio de 2014. Este artigo pertence ao blogue Escritos do Douro. 

sábado, 15 de fevereiro de 2014

Tombou uma árvore - José Coutinho Pinto Júnior

Paulatinamente, no inverno da vida, vão tombando e desaparecendo das velhas ruas da Régua, árvores fortes, com raízes profundas, que foram abrigo frondoso em nossa infância e estruturadoras da personalidade de muitos de nós que exaltamos o Douro... Neste entardecer melancólico de todos os dias, abraçamos a saudade a cada árvore que desaparece... a cada folha que cai como lágrima, nas ruas frias de uma Régua diferente, a caminho do esquecimento... 
- Jaime Luis Gabão - Fevereiro de 2014.
Um amigo da Régua

Na vida é sempre assim: chegamos e partimos, vivemos e sonhamos, vencemos e perdemos, esquecemos e lembramos. Por isso, o nosso tempo de vida é sempre fugaz e efémero, mesmo quando acreditamos que somos capazes de alcançar a Eternidade. Assim, não faz sentido dizermos que a morte  de alguém é o fim. O mais certo, é pensarmos que apenas faz sentido chorar a morte de alguém que amamos, se antes nos regozijarmos com a sua vida, com o que construíram, com o exemplo de vida e de valores que nos deram, com a obra que nos legaram. Quando morre um amigo assim, sentimos que perdemos uma parte de nós, mas quando esse amigo é um homem bom e justo e que dedicou  a sua vida inteira à  terra que foi o berço, às pessoas simples e humildes e às organizações sociais, de solidariedade e culturais, quem mais perde é a humanidade.

Na Régua, no dia 11 de Fevereiro, a humanidade perdeu o nosso amigo José Coutinho, um reguense dos "quatro costados". Tinha 85 anos e, como alguém escreveu, o Senhor Coutinho, como era carinhosamente tratado, será lembrado na história pela sua acção grandiosa como Presidente da Junta de Freguesia do Peso da Régua, lugar que pela vontade do povo desempenhou durante três décadas. Mas, o seu nome será também lembrado pelo seu exemplo cívico, pela solidariedade afectiva com as pessoas mais desfavorecidas e pela sua cidadania activa em prol do bem comum e do progresso da sua terra que muito amou, servindo-a com paixão em diversas  instituições, tais como o Sport Clube da Régua, a Cruz Vermelha, o Clube Caça e Pesca, a Associação da Região do Douro para Apoio aos Deficientes e a sua Associação Humanitária de Bombeiros.

A vida do José Coutinho teve sentido. A Régua precisa de homens como ele. Só estes fazem grande a terra onde nasceram. Foi isso que fez o José Coutinho como político e, sobretudo, um exemplar cidadão. Morreu um amigo da Régua. Que da sua vida saibamos colher o que tanto semeou e, acima de tudo saibamos aprender, a  sua  grande lição de civismo e dignidade.

Hoje, que lembro o nosso amigo José Coutinho,  estou mais certo que morrer, como dizia o poeta Fernando Pessoa, é só não ser visto... E foram estas as palavras que gostei de ouvir ao padre Luís Marçal no dia em que o seu corpo foi a enterrar ou, melhor, ele já ia a caminho da Eternidade.
- Régua, 15 de Fevereiro de 2014, José Alfredo Almeida (In "Patria Pequena")

sexta-feira, 14 de junho de 2013

Recortes ...

Saudade!
Com o tempo não vamos ficando sozinhos apenas pelos que se foram: vamos ficando sozinhos uns dos outros. 
Mário Quintana

Clique nas imagens para ampliar. Imagens de autoria de J. L. Gabão e editadas para este blogue. Edição de J. L. Gabão para o blogue "Escritos do Douro" em Junho de 2013. Este artigo pertence ao blogue Escritos do DouroSó é permitida a reprodução e/ou distribuição dos artigos/imagens deste blogue com a citação da origem/autores/créditos.