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quinta-feira, 14 de novembro de 2013

Recordando… O incêndio na Casa Viúva Lopes

António Guedes

Quem era, na Régua, que não conhecia o João dos Óculos? João Figueiredo era o seu verdadeiro nome, sendo natural de Vila Pouca de Aguiar. Há meia dúzia de anos atrás alistara-se na Corporação dos Bombeiros Voluntários, da qual era um valioso elemento, de comportamento exemplar.

Era um belo e leal camarada. Tipógrafo de profissão, tinha a particularidade de ser um exímio tocador de gaita de beiços. Tinha arte e jeito para aquilo. Várias vezes tocara para a Emissora Nacional, que transmitia depois, para todo o país, as inúmeras e bem executadas músicas do seu sortido e selecto reportório.

Era míope e, para corrigir essa deficiência, usava uns óculos demasiadamente grandes para a sua estatura, pelo que dava a impressão de que trazia uma bicicleta escarranchada quase na ponta do nariz.

Gostava de passear, segundo me disse. Mas tinha a infelicidade de a escala nunca o contemplar quando se tratava da saída de qualquer piquete de representação para qualquer terra do país. E tão desiludido ficava quando isso acontecia que um dia, no quartel, me falou sobre o assunto.

- Não te aflijas, amigo João. Na primeira ocasião em que eu seja escalado, levo-te comigo, - respondi-lhe.

Até a alma se lhe riu, ao ouvir estas palavras, ficando demoradamente, como era seu gesto habitual, a esfregar as mãos de contentamento.

E um dia, de facto, caiu-lhe a sopa no mel. Fui escalado para, com um piquete, representar a Corporação numa festa qualquer que se realizava em Lisboa.

Um dia antes da partida fui até ao quartel, verificar se tudo estava em ordem e procurar o João, para lhe dar a boa nova.

Lá o encontrei, indolentemente encostado a uma viatura. Dirigindo-me a ele, informei-o de que, desta vez, a «cautela» lhe tinha saído premiada, pois que o levaria comigo, como lhe prometera.

Estou a ver a sua cara, radiante de felicidade. E, num abrir e fechar d’olhos, pôs o capacete e os botões da sua farda a brilhar como diamantes.

Na madrugada do dia imediato, partimos para a capital, levando o João, pequeno e franzino, entre mim e o motorista, visto que a lotação da viatura estava completa.

A viagem correu bem. E em Lisboa, após a parada, destroçámos e, com o Gastão e o Cristiano, fomos a Cascais e, depois, a Cacilhas, onde, como «aperitivo», comemos umas frescas e deliciosas sardinhas assadas. Foi um verdadeiro «magusto».

O João dos Óculos demonstrava a sua satisfação e alegria num constante sorriso, e não se separou de mim um instante, na eventualidade de vir a precisar dos seus serviços.

Não permiti que ele despendesse um centavo, contrariando a sua vontade.

E foi este, afinal, o único passeio que deu, pois que, passados tempos, a importuna sirene convocava-nos para um incêndio na Casa Viúva Lopes desta vila, e ele, - tal como no passeio que deu a Lisboa - para lá seguiu precisamente entre mim e o motorista.

Ao aproximar-me do prédio incendiado verifiquei, com infinito pesar, que já a nada podíamos valer, apesar da rapidez da nossa saída, pois as labaredas, alterosas, saindo por todas as janelas, envolviam totalmente o prédio sinistrado.

Se, como sucedeu, em vez de tentarem apagar o fogo, nos tivessem chamado imediatamente e, entretanto, tivessem desligado o quadro da electricidade, talvez se tivesse feito qualquer coisa proveitosa e não tivéssemos de lamentar, agora, a perda de uma vida preciosa. Mas não sucedeu assim, infelizmente.

À uma hora e meia da manhã, um bombeiro pediu para ser substituído, pois já estava há quatro horas de agulheta em punho.

Mandei chamar outro bombeiro para isso, mas o João, que estava ali próximo, ofereceu-se para substituir o camarada.

O pavimento da casa, naquele lugar, era de cimento, pensávamos nós. Era de cimento, sim, mas este de pouca espessura, aplicado sobre o soalho, o que constituía uma verdadeira e fatal armadilha. Se a derrocada se tivesse dado cerca de vinte minutos antes, lá ficariam o Comandante Lourenço Medeiros e o seu colega Neto, dos Bombeiros de Salvação Pública, de Vila Real, que tinham andado a vistoriar o prédio, interiormente.

O João tomou conta da agulheta, estando, assim como eu, colocados absolutamente como manda o regulamento, ou seja, sobre a soleira da porta e debaixo da sua padieira. O pé do João um pouco mais adiantado, talvez, e a derrocada do sobrado arrastou-o para aquele horrível inferno de labaredas.

Fiquei, eu e dois bombeiros que estavam presentes, envolvidos num mar de fumo, cinza e faúlhas, que quase nos cegavam.

A seguir, ouvi gritos horrorosos do João, não vendo este no lugar que ocupava. Vi a agulheta caída no chão e, então, avaliei o que havia sucedido. Quase às apalpadelas apanhei a agulheta e assestei o seu jacto em volta do João, que divisei, na penumbra, entalado por escombros, em cima de um tonel. Mandei os dois bombeiros buscar um lanço de escadas para tentarmos salvar o nosso camarada. Quando se colocava a escada para o Claudino descer, pois que se ofereceu para isso, com enorme fragor ruiu o pavimento do primeiro andar, cujos escombros, em escassos segundos, sepultaram completamente o pobre do João, cujos gritos deixaram de se ouvir.

Estes eram lancinantes, pavorosos e parece que ainda hoje estou a ouvi-los.

Quando vi baldados todos os nossos esforços para salvarmos o infeliz João, corri à procura do Comandante, para lhe dar parte da terrível tragédia. Mas já alguém se tinha antecipado a fazê-lo, pois que fui encontrá-lo completamente aniquilado. Abraçando-se a mim, chorou e soluçou como uma criança.

E essas lágrimas, sinceras e sentidas que vi deslizar, em catadupas, pelo enrugado rosto do meu bom e velho Comandante, contagiaram-me de tal forma que os soluços me embargaram a voz e as lágrimas me correram também pelo rosto, sujo pela cinza e pelo fumo daquele vulcão infernal, que tirara a vida àquele nosso bom e querido camarada.

Lágrimas destas não envergonham um homem.

Continuaram duas agulhetas a lançar água a jorros sobre o local em que se encontrava o franzino corpo do João, a fim de evitar que ficasse carbonizado, o que se conseguiu.

E só às seis da manhã, - já de dia - foi possível arrancar o seu pequeno corpo, sem vida, daquele funesto lugar.

Pobre e infeliz João! Como eu senti a morte daquele pequeno e grande amigo!

Pequeno e franzino como era, tinha no entanto uma alma de gigante.

Deu-nos um heróico e assombroso exemplo de abnegação, valentia e sacrifício.

O seu amolgado capacete ficou religiosamente guardado, no quartel, para figurar no nosso sonhado museu.
NOTA: Quem quiser conhecer a história dos bombeiros Régua terá ler as Memórias desde antigo Chefe dos Bombeiros da Régua (ocupou ainda o lugar de segundo comandante), já desaparecido do mundo dos vivos e que era filho do ilustre Comandante Camilo Guedes Castelo Branco. Este seu texto, faz parte de uma série que escreveu, com o título de Recordando… (já que o subtítulo é da responsabilidade exclusiva de quem faz este arquivo) evoca um dos maiores incêndios na Régua e, comovidamente, a personalidade singular do cidadão e do bombeiro João Figueiredo, o João dos Óculos, que vi morrer queimado nesse fogo quando estavam a combatê-lo, foi publicado no jornal Arrais, na sua edição de 25/01/1979.

Clique  nas imagens para ampliar. Imagens e texto cedidos pelo Dr. José Alfredo Almeida (JASA) e editados para este blogue. Edição e atualização de texto e imagens de J. L. Gabão para o blogue "Escritos do Douro" em Novembro de 2013. Este artigo pertence ao blogue Escritos do DouroSó é permitida a reprodução e/ou distribuição dos artigos/imagens deste blogue com a citação da origem/autores/créditos.

sábado, 19 de maio de 2012

Recordações

António Guedes

No decorrer dos anos de 1910-1920, a Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários do Peso da Régua debatia-se com a maior crise financeira de que havia memória, a ponto de haver alguém, pertencente ao Corpo Activo, que teve a infeliz lembrança de alvitrar que a Corporação fechasse as portas do seu quartel e entregasse à Câmara todo o material nele existente, para que esta tratasse de organizar, se assim o entendesse, um Corpo de Bombeiros Municipais.

Contra esta ideia todos nós, bombeiros, nos insurgimos, tendo o Chefe Camilo Guedes afirmado que esse assunto éramos nós que o havíamos de resolver se queríamos salvar a Corporação do fim inglório que a esperava.

No fim de cada mês havia de se pagar a renda de casa, a água, a luz, o ordenado do quarteleiro e as despesas de conservação do material. Com o produto das cotas dos sócios contribuintes não se podia contar, pois estes em pouco excediam o número de quarenta, motivo porque José Afonso de Oliveira Soares, Camilo Guedes, Joaquim de Sousa Pinto, Lourenço Medeiros, José Guedes Leite, Luís Maria da Cunha Ilharco, João da Silva Bonifácio, Joaquim Maria Leite, José Maria de Almeida e o autor destas linhas nos cotizávamos e, das nossas algibeiras, completávamos a importância necessária para liquidação das despesas mensais.

E o mais interessante é que, esse membro do Corpo Activo que sugeriu que se encerrassem as portas do nosso quartel, ao tempo situado no Largo dos Aviadores, nunca contribuiu com a mais insignificante quantia para o pagamento dessas despesas.

Foi convocado o Corpo Activo e Camilo Guedes escolheu, dentre os seus componentes, alguns deles, organizando um grupo cénico que ficou constituído por ele, por Lourenço Medeiros, José Guedes Leite, João da Silva Bonifácio e eu próprio, com a coadjuvação dos sócios contribuintes José Joaquim Pereira Santos, António da Silva Correia, Júlio Vilela, Luciano Tavares, Jaime Guedes, José Avelino e outros, cujos nomes não me ocorrem.

Luciano Tavares desempenharia as funções de contra-regra, José Afonso de Oliveira Soares e Jaime Guedes as de caracterizadores e José Avelino as de ponto.

Como colaboradora tínhamos a actriz Alda Verdial, do Porto, filha do actor Miguel Verdial, que desempenhou papel de relevo na revolta de 31 de Janeiro.

Começaram-se os ensaios por vezes interrompidos para se fazer uma “taininha”,  até que chegou o dia do primeiro espectáculo, com o drama “Jocelin, pescador de Baleias”. Casa à cunha e assistência selecta. No final da representação, que decorreu admiravelmente, foi um delírio de palmas e chamadas ao palco.

Em vista disso, ficou resolvido dar-se um espectáculo todos os meses, pois que os resultados obtidos com o primeiro superaram todas as nossas previsões. Assim, não seria necessário espartilhar-nos mensalmente, como há muito vinha sucedendo. Foram-se pagando antigas dívidas, e no nosso pobríssimo cofre, onde só existiam teias de aranha, começaram a juntar-se e a acumular-se os escudos, representados por reluzentes moedas em prata e lindas notas do Banco de Portugal.

O segundo espectáculo, com a peça “Condessa de Mercé”, constitui um novo sucesso, com a casa igualmente à cunha.

O terceiro espectáculo, então, com a peça “Coração e Dinheiro”, escrita e musicada pelo ilustre reguense José Joaquim Pereira Soares Santos, avô dos nossos prezados amigos José e Heitor Guichard, teve de ser repetido e rendeu-nos imenso dinheiro, com o qual se pagaram as restantes dívidas e de adquiriu uma outra bomba braçal, cuja falta se fazia sentir e à qual foi dado o nome “Pátria”.

Daí por diante, no dia da nossa festa – “28 de Novembro” – distribuíamos a cinquenta pobres do concelho um cobertor, uma boroa de milho e um quilo de arroz, de farinha e feijão.

Infelizmente, que a bomba adquirida, que estava já destinada afigurar num Museu a organizar bem como a bomba nº 1 da fundação da Corporação, foi ingloriamente passada a ferro de letra por dez reis de mel coado, por uma das últimas Direcções da Associação, e suponho sem o beneplácito da Assembleia Geral. Para figurar nesse museu tínhamos também a farda de gala, o chapéu emplumado e a espada do general Silveira, Conde de Amarante, que se distinguiu aquando das invasões francesas, a sineta que tocou a rebate quando das mesmas invasões e outros objectos mais.                                                                           
Ainda existirão?

Lá ficaram, e bem acautelados quando, depois de cerca de meio século de serviço activo, ingressei no quadro honorário - facto que o actual Comando talvez ignore…

O grupo cénico a que me refiro trabalhou durante vários anos e, devido a ele, - a esses saudosos companheiros que o constituíam e do qual só eu resto com vida, - é que a nossa velha e tão querida Corporação, orgulho da Régua, pôde singrar e prosperar.

Mais tarde, quando da pneumónica, montamos um improvisado hospital na casa onde hoje está o Asilo Vasques Osório, o qual ficou sob a direcção do médico da nossa Corporação, Sr. Dr. Luís António de Sousa.

Ainda não existiam ambulâncias na Corporação, e éramos nós, bombeiro, quem, com macas portáteis, íamos buscar os doentes nas suas casas, e os transportávamos para o hospital.

Há que frisar o facto de nenhum de nós se ter contagiado com aquela terrível doença, certamente devido à desinfecção a que éramos sujeitos sempre que chegávamos com qualquer doente. E recordo-me muito bem que, dessa desinfecção contava um «medicamento», um «antibiótico» muito agradável, que era o vinho do Porto. O primeiro gole seria para bochechar e deitar fora e o restante conteúdo do cálice (bem grande, por sinal), era para ingerir.

E de todos estes homens da velha guarda restou eu apenas, ralado de saudades pela falta daqueles bons companheiros os quais, com o meu pequeno contributo, conseguiram conquistar a auréola, a fama de eficiência e valentia que ainda hoje enaltecem os Voluntários da Régua.

Nota: Esta crónica (de recordações) de António Guedes, um dos bombeiros da velha guarda que se destacou como chefe e segundo comandante, foi publicada no jornal “O Arrais”, na edição de 20/06/1978. Nessa qualidade, o autor enaltece de uma forma carinhosa e apaixonada a instituição que serviu durante muitos anos, os antigos voluntários da Régua, que “conseguiram conquistar a auréola e a fama de eficiência e valentia.”. Ao mesmo tempo faz registo precioso de uma época história, os longínquos princípios do século XX, em que os bombeiros da Régua foram capazes de resistir a uma crise grave e a diversas adversidades vividas pela instituição. Estas palavras ajudam  a  conhecer melhor o  passado da associação, a  compreender o seu  presente e a perspectivar  com esperança o futuro dos bombeiros da Régua.

Clique nas imagens acima para ampliar. Sugestão de J. A. Almeida e edição de J. L. Gabão para o blogue "Escritos do Douro" em Maio de 2012. Texto também publicado na edição do semanário regional "O Arrais" de 17 de Maio de 2012. Este artigo pertence ao blogue Escritos do Douro. Todos os direitos reservados. É permitido copiar, reproduzir e/ou distribuir os artigos/imagens deste blogue desde que mencionados a origem/autores/créditos.

terça-feira, 10 de maio de 2011

RECORDANDO…

(Clique na imagem para ampliar)

António Guedes

O Quartel dos Bombeiros Voluntários da Régua encontrava-se pessimamente instalado no rés-do-chão de uma velha e acabada casa, situada num local imprópria, não só devido à pouca largura da rua como, ainda, pelo trânsito intenso e continuo que por ela passava.

De facto, na estrangulada rua dos Camilos, quase na confluência com a rua Serpa Pinto, tornava-se extremamente difícil e, por vezes, perigosa a saída das viaturas, as quais eram forçadas a executar lentas e arreliadoras manobras para entrarem ou saírem do quartel. Por vezes produziam-se “engarrafamentos” de trânsito, que davam lugar a aborrecidos atrasos e que eram causados por condutores repontões, que se insurgiam contra nós, atribuindo-nos a culpa do que sucedia.

Era uma arrelia, uma constante dor de cabeça.

Em vista disso, a direcção e o Comando da Corporação concluíram que eram absolutamente necessário, para se acabar com aquele inferno, construir um quartel, embora modesto, mais situado num local amplo e apropriado, no centro da vila. Essa resolução veio precisamente ao encontro dos desejos do Corpo Activo, que se comprometeu (e cumpriu briosamente), a trabalhar para esse seu tão grande anseio se concretizasse.

Jaime Guedes, ao tempo presidente da Direcção dos Bombeiros e simultaneamente vereador da Câmara Municipal, aproveitou essa feliz oportunidade e falou sobre o assunto, com os restantes vereadores – Dr. Mário Bernardes Pereira, Capitão Afonso Alves de Araújo, Alberto Gonçalves Martinho e Dr. Abel Duarte Teixeira de Araújo -  e solicitou-lhe a sua concordância no pedido que em breve iria fazer à Câmara Municipal.

De facto, numa das primeiras sessões realizadas, ele apresentou uma proposta, na qual solicitava que o município adquirisse e entregasse aos bombeiros um pequeno prédio, situado na Av. Sebastião Ramires, onde em tempos esteve instalada a Associação de Socorros Mútuos 1.º de Maio, e terrenos anexos, afim dos Bombeiros Voluntários ali construírem o quartel de que tanto careciam.

Essa proposta foi aprovada por unanimidade, demonstrando a vereação, por essa forma, a sua simpatia pela velha e gloriosa Corporação que, há perto de um século serve a Régua e os concelhos limítrofes.

Mas, Jaime Guedes, não deixou arrefecer o entusiasmo do momento, numa outra proposta, que igualmente foi aprovada, solicitou a concessão, aos Bombeiros, de um subsidio de cinquenta mil escudos, destinado a custear as primeiras despesas da construção do tanto desejado quartel.

Estava dado o primeiro e gigantesco passo para a concretização do grande e sublime sonho que a nós, velhos bombeiros, há muito nos embalava.

Jaime Guedes, filho de bombeiro e irmão de bombeiros, iniciou imediatamente as necessárias demarches, destinadas a levar a cabo essa grande obra, que hoje constitui um motivo de orgulho para a gente da Régua – e que é o modelar quartel dos seus bombeiros.

A planta do prédio foi imediatamente executada pelo distinto arquitecto Oliveira Ferreira, autor do projecto da capela do Asilo José Vasques Osório, e a empreitada da obra adjudicada ao mestre pedreiro Anastácio Inácio Teixeira, reguense de gema e artista admirável, que burilava a cantaria com primor, o mesmo enlevo e carinho como que as nossas lindas minhotas consagram às suas artísticas e primorosas rendas de bilros.

A sua proposta foi, muito sensivelmente, a mais baixa que se recebeu.

Já o prédio estava muito adiantado quando se constatou, com enorme surpresa e desgosto, que havia errado o orçamento que figurava na sua proposta e que, nessas circunstâncias, não poderia concluir a obra pela qual tanto se interessava e tanto o envaidecia.

Tornou-se taciturno e pouco falador, notando-se nele um grande cansaço e uma constante tranquilidade.

Restavam-lhe, pois, duas alternativas:

A primeira, que muito a amigável e sinceramente lhe foi sugerida pela própria Direcção dos Bombeiros, era que parasse imediatamente com a obra e que se tranquilizasse, pois nada lhe seria exigido, - sugestão essa que terminantemente rejeitou;

E a segunda – que ele seguiu sem vacilar – foi concluir a obra, vendendo ou hipotecando os seus modestos bens, para poder cumprir com a sua palavra.

E não houve forças humanas que o demovessem, que o fizessem mudar de ideias.

E assim terminou a obra.

Sabe Deus com que desgosto, com que sacrifício esse homem, já velho e cansado, nessa altura, se despojou de um pequeno património (que levara a vida inteira a construir) para poder cumprir com a sua palavra.

Eram desta têmpera, os homens daquele tempo!

Faleceu decorridos poucos anos.

E a velha Corporação, comovidamente, acompanhou-o ao cemitério.

Foi um verdadeiro Homem, um carácter.

E foi, sobretudo uma grande lição!

Notas:

1-Este texto faz parte das memórias de António Guedes, antigo chefe dos bombeiros voluntários do Peso da Régua, que foram publicadas no jornal O Arrais, na década dos anos 70 e 80.  

2- É mais um importante contributo para se conhecer melhor a nossa História do Quartel dos Bombeiros da Régua. Vale a pena atentar no exemplo do mestre pedreiro Anastácio Inácio Teixeira. Para ler e meditar com muita atenção…

- Matéria e imagem enviadas por nosso Amigo e colaborador Dr. José Alfredo Almeida para "Escritos do Douro" em Maio de 2011.
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Recordando...
Jornal "O Arrais", Quinta feira, 28 de Abril de 2011
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Recordando...